A HISTÓRIA DA CANTAREIRA E OS ENGENHEIROS DE OBRA FEITA

A história da engenharia para abastecer São Paulo e de como trapalhadas tucanas e verdes secaram o histórico Sistema Cantareira

 

Sistema Cantareira, no início do Século XX

Sistema Cantareira, no início do Século XX

 

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro

 

UMA HISTÓRIA DE POMPA, ORGULHO E CIRCUNSTÂNCIAS

Pobre grande Cantareira, região dos cântaros armazenados em suas diversas nascentes e córregos, que hoje definha sedenta, sem ter quem ou o que a abasteça.

Sua origem remonta o século XIX, quando o governo da Província, em 1863, comissionou o engenheiro inglês James Brunless para estudar um plano de abastecimento de água, coleta e disposição de esgotos e, também, levantar a planta topográfica da cidade de São Paulo.

Plano realizado, somente em 1875 teve início a implantação do sistema de abastecimento de água na capital paulista.

Jornal “A Província de São Paulo” (1 de janeiro de 1876). Pedindo Água para a Cidade

Jornal “A Província de São Paulo” (1 de janeiro de 1876).
Pedindo Água para a Cidade

Em 1877 foi criada a empresa Companhia Cantareira e Esgotos, com objetivo de explorar os serviços de abastecimento e saneamento da Capital.

Com materiais encomendados na Inglaterra, foram construídos dois grandes reservatórios de acumulação para represamento dos mananciais na Serra. Em 12 de maio de 1881 foram concluídas obras para abastecer de água até o dobro da população existente na época (30.000 habitantes).

Visando à captação e proteção das nascentes, o governo do estado ampliou as aduções de água e adquiriu áreas na região, a partir de 1890. Essas áreas formam o Parque Estadual da Serra da Cantareira, com 7.916,2 hectares, decretado “Reserva Florestal do Estado”.

Muita água rolou pelo Sistema Cantareira, desafiando complexos problemas de abastecimento para uma região que crescia em ritmo alucinante e desordenadamente.

O velho sistema com sotaque britânico continuou funcionando até a década de 1970, quando o governo do estado iniciou o processo de planejamento e implantação para o aproveitamento das águas do Rio Juquerí, hoje denominado Sistema Cantareira.

Início das obras da Cantareira, 1877

Início das obras da Cantareira, 1877

De fato, após constituir várias comissões para o planejamento de obras de distribuição e abastecimento de água na capital, fazer estudos e elaborar projetos para aproveitamento das águas dos rios Juqueri, Atibainha, Cachoeira e Jaguari, o governo do estado criou, em 1968, a Comasp (Companhia Metropolitana de Águas de São Paulo). A nova empresa tinha a atribuição de captar, tratar e vender água potável no atacado para os 37 municípios da Região Metropolitana de São Paulo.

A partir de 1973, o trabalho de projetar, construir e operar todas as barragens, túneis e sistemas adutores metropolitanos destinados a fornecer água potável até as redes distribuidoras das cidades, passou a ser de responsabilidade da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo).

Essas mudanças consolidaram a alternativa estratégica adotada pelo governo paulista, em sintonia com o governo federal, de captar água na bacia do rio Piracicaba, nas proximidades de suas nascentes, na divisa de Minas Gerais com o território paulista.

UM COLOSSO DE ENGENHARIA

O Sistema Cantareira, então, teve sua primeira etapa inaugurada em 30 de dezembro de 1973, com operação iniciada em 1974. Nesse ano, o governo de São Paulo, por meio da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), obteve a concessão, inicialmente por 30 anos, para operar o Sistema Cantareira. A segunda etapa, envolvendo um enorme complexo de engenharia, foi iniciada em 1976 e inaugurada em 1981.

Desde então o Sistema Cantareira passou a contar com a capacidade de adução de até 33 metros cúbicos, ou 33 mil litros por segundo, para abastecer metade da Grande São Paulo. Com área total de 227.950 hectares. São dez municípios parcialmente e dois totalmente inseridos na área do Cantareira.

“O Estado de São Paulo” informa sobre o Sistema Juqueri

“O Estado de São Paulo” informa sobre o Sistema Juqueri

 

A água armazenada nestes reservatórios é transportada por um sistema de canais e tubulações para permitir o abastecimento da Grande São Paulo. Componente importante é a Estação Elevatória de Santa Inês, que permite recalcar a água captada nos reservatórios, superando o desnível de 120 metros de altura da Serra da Cantareira.

O Sistema Cantareira é composto por Cinco reservatórios de regularização de vazões: Jaguari e Jacareí (interligados), Cachoeira, Atibainha e Juquery (ou Paiva Castro). Enormes túneis e canais de interligação transferem água de uma represa para outra mais à jusante. Uma estação elevatória de água (Santa Inês), é responsável por recalcar a água dos cincos reservatórios captada no último deles. O reservatório de Águas Claras, pela capacidade e a vazão por ele veiculada, pode ser considerado um “pulmão”, com a finalidade de manter o fluxo contínuo de água para ETA Guaraú – uma estação de tratamento de água.

Sem este sistema, simplesmente a Grande São Paulo não seria o que é hoje, uma mancha urbana gigantesca, com mais de 20 milhões de moradores e responsável por 57% do PIB do estado de São Paulo e 19% do PIB brasileiro, além de concentrar mais de 10% da população do país. Uma das maiores megalópoles do planeta, polo industrial, científico, tecnológico e cultural de excelência.

DO PSDB AO PV … TRAPALHADAS TUCANAS E VERDES

Com graves problemas detectados desde 2008, na área de captação e abastecimento, o Sistema Cantareira entrou em colapso.

Mas esse colapso não se deveu unicamente a fatores climáticos e, sim, à absoluta desídia com que o sistema foi tratado nesses últimos anos de gestão governamental – notadamente no período Serra -Alckmin, quando o primeiro simplesmente ignorou a existência de recursos hídricos para serem geridos (desmontou nominalmente a secretaria) e o segundo decidiu entregar a gestão da recriada Secretaria de Recursos Hídricos a quadros do Partido Verde…

Sistema Cantareira

Sistema Cantareira

Foi um desastre gerencial.

Problemas técnicos constatados, e não resolvidos, provocaram perda de água tratada por falhas nas tubulações e ligações clandestinas.

O mal gerenciamento dos sistemas de outorga, geridos pelo DAEE e indefinições recorrentes da companhia responsável pelo serviço – a SABESP, destruiram o foco do sistema de engenharia, que deveria garantir o abastecimento à região.

As preocupações se cingiam em fatiar (para privatizar) a empresa de abastecimento e… desmobilizar o DAEE – nada de investimentos – zero!

Nenhuma campanha estrutural para racionalização de consumo foi executada – inversamente à propaganda da SABESP – posta na “vitrine” dos privatistas.

Uma única obra sequer, de reforço ao sistema, foi introduzida.

Não há notícia, no período, de qualquer estudo patrocinado pela Secretaria de Recursos Hídricos, pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica ou pela SABESP, visando buscar alternativas ou melhorias para o sistema já implantado.

Apesar da lei exigir, não havia – e ainda não há, um único plano de contingência aprovado ou mesmo sob análise do Conselho Estadual de Recursos Hídricos, ou mesmo proposto no âmbito dos Comitês de Bacia do Alto Tietê (destinatário da transposição), do Piracicaba (cedente do recurso), e do Paraíba do Sul (responsável pelo abastecimento do mais importante e estratégico eixo econômico do País).

Nenhum planejamento visando a renovação da outorga junto à Bacia do Piracicaba ou mesmo uma nova outorga junto á Bacia do Rio Paraíba do Sul, foi encetado ou debatido com devida antecedência ou vontade política.

O que se viu, nos últimos anos, foi o tradicional desfile de troca de cadeiras, acerto partidário de quadros e cabides de emprego de correligionários…afagos e emulações entre tucanos e verdes… sem qualquer compromisso real e efetivo com o futuro do abastecimento de água para a maior região metropolitana do País.

A gestão verde, em particular, por todos os motivos e expectativas em torno do discurso natureba encetado pela sigla, transcende a decepção – tornou-se desprezível.

A conta da farra, por óbvio, veio bem pesada, para o povo de São Paulo.

OS NÚMEROS SÃO DE ESTARRECER

A SABESP afirma que:

“nos últimos cinco anos foram aplicados, em média, R$ 300 milhões anuais no combate às perdas físicas, que levaram a uma redução média anual de 0,4 pontos percentuais no índice destas perdas. Estimamos que aproximadamente cada 1 ponto percentual de perda física corresponda a um custo médio em torno de R$ 6,5 milhões.”

Esses dados devem ser avaliados com números totalizados. Por força da Lei de Acesso à Informação, a Sabesp foi obrigada a informar à Rede Nossa São Paulo que gasta, por ano, R$ 300 milhões em obras de reparos, visando evitar a perda de volume equivalente, em valores, de R$ 2,6 milhões em água.

Os dados mostram que nos últimos cinco anos, a companhia gastou R$ 1,5 bilhão para combater desperdícios de água que totalizariam R$ 13 milhões.

Esse é o resultado financeiro das relações numéricas anunciadas mais acima, pela empresa…

Sistema Cantareira: antes e agora

Sistema Cantareira: antes e agora

 

Gastos com reparos foram dirigidos a dutos enterrados, muito antigos e difíceis de serem reparados.

Nos documentos repassados, a empresa faz uma comparação das perdas em São Paulo com as de outros estados brasileiros – apontando que os 25% de água tratada e desperdiçada em São Paulo, está bem abaixo dos 73,3% no Amapá, dos 65,7% em Pernambuco e, dos 64,7% no Acre.

Vale dizer: a SABESP construiu uma comparação entre rotos e rasgados, face a uma companhia que tudo possui para andar engomadinha…

Esse índice de desperdício é absurdamente alto, se comparado aos de outros países, como o Japão (que perde 8%, em média).

Na Europa e Estados Unidos a média de perda de água tratada é de 15%. Em Mombai, na Índia, a perda é de 12,5%.

PAGAMOS A CONTA POR SE TER ADOTADO A OPÇÃO MAIS FÁCIL

De fato, a seca nos reservatórios só foi suplantada pela falta de talento na Administração Verde e Tucana na gestão dos Recursos Hídricos e SABESP

José Cezar Saad, coordenador de projetos do Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), afirmou que a opção governamental foi por não enfrentar os gastos com reparos para reduzir os desperdícios. “Não compensa. É mais barato trazer água tratada de lugares distantes”, informou o técnico.

Nível dos reservatórios do Sistema Cantareira caiu até atingir o volume morto.

No ritmo atual, a Sabesp levará 115 anos para recuperar um ano de serviço em reparos que deixou de fazer no tempo devido, por terem seus dirigentes optado pelo que aparentava ser o mais fácil…

Eng. Benedito Braga, atual Secretário de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado

Eng. Benedito Braga, atual Secretário de
Saneamento e Recursos Hídricos do Estado

O Programa financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) e pela Agência Japonesa de Cooperação Internacional (JICA na sigla em inglês), preveem gastos de R$ 5,9 bilhões entre 2009 e 2020, data prevista pela Sabesp para a cidade alcançar o índice 16,6% de desperdício – ou seja, o dobro do desperdício japonês.

O programa “prevê a troca de ligações domiciliares, hidrômetros e redes de água. Também serão pesquisados vazamentos não visíveis em 150 mil quilômetros de redes, o que equivale ao dobro de extensão de toda tubulação de distribuição de água existente em todos os 365 municípios que são operados pela Sabesp.”

Nada! Nem uma informação sobre planos ou projetos, ao menos similares aos apresentados no século XIX, pela engenheiria britânica, que propiciaram um sistema então capaz de abastecer o dobro da população existente.

Nada! Nem um projeto ou programa que pudesse se equiparar ao trabalho de planejamento e busca de soluções encetados nos anos 60 e 70, no Século XX, que resultaram no sistema no qual hoje estamos todos pendurados por um fio d’água.

Gerson Kelman, atual presidente da SABESP

Gerson Kelman, atual presidente da SABESP

Discursos vazios de quem usa a cor partidária para dela só extrair votos.

Ausência de previsão, planejamento e responsabilidade para com o futuro.

Saldos de uma política que adotou a engenharia de obras feitas.

Após décadas à frente do governo do estado, tucanos e verdes não enxergaram outra perspectiva a não ser a entropia.

HÁ ESPERANÇA?

Em meio à crise, o Governador do Estado, Geraldo Alckmin, abandonou os compromissos que o atavam ao desastrado PV paulista e, finalmente, nomeou um engenheiro com experiência em tocar obras e resolver conflitos.

Mauro Arce engenheiro experiente para conter a crise

Mauro Arce engenheiro experiente para conter a crise

O Engenheiro Mauro Arce que no governo de Claudio Lembo era o secretário de recursos hídricos, reassumiu a secretaria com a dura missão de implantar medidas de racionamento, contenção de desperdícios e busca de soluções de engenharia para além da miopia reinante.

Na esteira das mudanças, ao ser reeleito, o Governador tratou de nomear Benedito Braga, engenheiro que fora presidente da Agência Nacional de Águas nas gestões de Lula e, como presidente da SABESP, tomou a corajosa atitude de afastar o grupo ligado a José Serra para nomear o professor Gerson Kelman, o criador da ANA, com a missão de reestruturar a companhia.

Aguardei, confesso, ansioso, que a impassibilidade governamental desse lugar à ação, ainda que em meio à escassês de talentos, vontade política, recursos e projetos, que ainda contaminam a Administração Pública paulista.

Recentemente, em abril deste ano de 2015, estive com o Governador Geraldo Alckmin, justamente para tratar da questão, acompanhado pelo Deputado Estadual de Presidente do PTB em São Paulo, Campos Machado.

Na reunião, em primeira mão, o governador, com a calma e simplicidade que lhe é peculiar, explicou as iniciativas que estaria adotando, visando resolver a questão. Trocamos uma série de idéias a nível estratégico e, após a reunião, articulamos procedimentos visando contribuir com a gestão da crise pelo Governo do Estado.

Reunião com o governador - crise hídrica na pauta

Reunião com o governador – crise hídrica na pauta

Ocorre que, passados vários meses, das iniciativas apontadas, 14 ao todo, metade foram iniciadas. Outras não deverão seguir adiante e, as estruturais mais importantes, seguirão aguardando resolução de alguns conflitos relacionados a licenças ambientais, crises com o Ministério Público, aporte de vergas e licitações. A necessária e urgente alteração de um dispositivo constitucional inserido na Carta paulista de 1989, segue a passos de tartaruga, ainda no palácio.

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em documento no qual pesadamente atribui a crise hídrica ao governo, recomendou a “estruturação de um plano de contingências específico para eventuais riscos de escassez hídrica”.

Alckmin criou um Comitê de Crise para propor e discutir ações sobre a falta de água em São Paulo. Esse organismo, no entanto, vai completar sete meses de vida, sem atingir nenhum dos objetivos inicialmente traçados. As principais metas eram a elaboração de um plano de contingência e de um plano de comunicação para manter a população informada sobre a situação e as medidas a serem tomadas. Nenhum dos dois foi concluído.

O fato é que o Governador Geraldo Alckmin, em que pese ser um indivíduo sério e equilibrado, paga um preço alto pelas escolhas políticas que foi levado a fazer no passado e, ainda que tenha mudado o rumo do barco governamental… este ainda se encontra encalhado no lago da cantareira, por conta da “baixa vazão” provocada pelo esgotamento da reserva hídrica.

O fato é que a crise poderá servir de grande lição áqueles que colocam compromissos partidários à frente do interesse público em causa e, também, àqueles que se acomodam no discurso partidário em prol do verde, do vermelho, do cinza, do amarelo, achando que competência profissional para compreender e executar a tarefa de tirar o discurso do papel aparece por gravidade ou osmose…

 

Fontes:
http://www.ambientelegal.com.br/cantareira-vitima-dos-engenheiros-de-obra-feita/#sthash.LQ18w7DB.dpuf
http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2014-04-14/sabesp-gasta-r-15-bilhao-em-cinco-anos-para-economizar-r-13-milhoes-em-agua.html
http://aguasdobrasil.org/edicao-06/sistema-cantareira.html
http://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=336084

Colaborou ANA ALENCAR
afpp2Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal, do Mural Eletrônico DAZIBAO e responsável pelo blog The Eagle View.

 

 

 

 

 

 


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