A LAMA DA SAMARCO E O SIGILO DA MARINHA…

ONG pressiona e Marinha retira sigilo de pesquisa cujos resultados poderão alterar os rumos do acordo firmado entre poluidores e governo, após desastre no Rio Doce

A lama vinda das barragens da Samarco com rejeitos de mineração seguem ao longo do leito do Rio Doce em direção à sua foz, localizada em Regência, Linhares – REUTERS/Ricardo Moraes

A lama vinda das barragens da Samarco com rejeitos de mineração seguem ao longo do leito do Rio Doce em direção à sua foz, localizada em Regência, Linhares – REUTERS/Ricardo Moraes

 

Por Paulo Thomaz

O absurdo desastre ambiental ocorrido na Bacia do Rio Doce, com o rompimento da barragem da mineradora SAMARCO, é seguido de perto pelo absurdo desencontro de informações, de desmandos administrativos e falta de objetividade demonstrados pelas autoridades envolvidas no problema.

Parece que a contaminação da bacia irá perdurar por muito mais tempo, e a mensuração dos impactos ainda sofrerá com avanços e retrocessos ocasionados por interesses os mais obscuros. Senão vejamos:

Um sigilo que jamais deveria ter ocorrido

A Marinha do Brasil decidiu retirar o sigilo sobre o estudo realizado com o navio hidroceanográfico Vital de Oliveira – realizado para mensurar os danos ocasionados pela lama da Mineradora SAMARCO.

Em novembro de 2015, a embarcação foi utilizada para a produção de uma pesquisa nos arredores de Linhares, no Espírito Santo, sobre o impacto da lama de rejeitos que vazou após o rompimento de uma barragem da mineradora, no mesmo mês.

A tragédia no município de Mariana, em Minas Gerais, levou poluição à bacia do rio Doce e ao mar no litoral norte do Espírito Santo. É considerado o maior desastre ambiental fluvial/marítimo da história.

Direito à informação

A decisão da Marinha ocorreu após a organização não-governamental (ONG) Transparência Capixaba contestar a falta de transparência em relação à pesquisa.

A ONG Transparência Capixaba descobriu que os resultados do estudo estavam sob sigilo ao solicitá-los à Marinha. Na ocasião, foram informados de que, no dia 11 de janeiro de 2016, um termo de classificação havia sido publicado com o intuito de garantir que as informações ficassem restritas à União.

Com o sigilo, somente a União poderia ter acesso aos dados levantados durante os próximos cinco anos.

A Transparência Capixaba pretendia questionar judicialmente o sigilo, por meio de um habeas data [ação para o cidadão obter informações sobre ele próprio]. A Marinha do Brasil reclassificou o material e liberou o resultado, evitando o conflito.

A Marinha anunciou em nota que, “com o objetivo de ampliar divulgação do relatório técnico juntamente com a análise conclusiva, retirou o sigilo do documento, tornando-o ostensivo”.

Navio Hidroceanográfico de Pesquisa Vital de Oliveira (NPqHo) da Marinha do Brasil

Navio Hidroceanográfico de Pesquisa Vital de Oliveira (NPqHo) da Marinha do Brasil

 

Pesquisa constata contaminação

A pesquisa foi realizada com o objetivo de subsidiar ações de recuperação ambiental de diferentes esferas do governo. A Marinha informou que, conforme tratado entre todos os envolvidos no processo de pesquisa, os resultados deveriam ser repassados aos órgãos ambientais, para então ser emitido um parecer técnico conclusivo.

Durante a primeira fase de trabalhos a bordo do navio Vital de Oliveira, realizada no período de 26 a 30 de novembro, foram coletadas mais de 390 amostras de água e sedimentos em 21 estações oceanográficas, distribuídas em uma área de 500 km².

No total, foram coletados 350 litros de água e 65 quilos de sedimentos.

Na segunda fase, entre os dias 1º e 5 de dezembro, os pesquisadores realizaram coletas de água e de sedimentos em três novos pontos, totalizando 24 estações oceanográficas (pontos de coleta).

Foram retiradas 80 amostras, perfazendo 80 litros de água e 100 quilos de sedimentos.

Pelo que se pôde apurar, segundo técnicos ouvidos reservadamente, o relatório destacou a presença de grande quantidade de metais pesados provindos do Rio Doce.

O Comando do 1° Distrito Naval, informou que, conforme tratado entre todos os envolvidos no processo de pesquisa, caberia à Marinha repassar aos órgãos ambientas os resultados dos dados coletados, o que foi feito em 11 de janeiro.

O objetivo era a emissão, pelos órgãos competentes, de um parecer técnico conclusivo do impacto ambiental da lama da SAMARCO sobre o corpo d’água.

O Iema, órgão ambiental do estado do Espírito Santo, informou, por meio de nota, que havia recebido da Marinha o documento – no entanto, em caráter reservado.

Os resultados obtidos com a análise integrada das informações, foram inclusive objeto de seminário, realizado com pesquisadores da Ufes e de outras universidades do país, representantes do Iema, Tamar, ICMBio e Ibama.

Informações podem alterar o acordo entre as partes

O desencontro de informações, no entanto, revela que os dados obtidos pela Marinha não foram considerados nas tratativas entre SAMARCO, suas controladoras VALE e BHP e os governos Federal, do Espírito Santo e de Minas.

Significa dizer que o resultado poderia alterar as tratativas, se apresentado a tempo.

Em março de 2016, um Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta foi assinado entre os governos de Minas Gerais e Espírito Santo e Samarco. A elaboração do Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta com a Samarco e suas controladoras, considerou todos os estudos executados e ou aprovados pelos órgãos ambientais até a data de seu fechamento.

Contudo, o acordo, que prevê que a mineradora invista R$ 4,4 bilhões nos próximos três anos, para compensar os prejuízos sociais, ambientais e econômicos da tragédia, não levou em consideração na íntegra o relatório final desenvolvido pelos pesquisadores que estavam a bordo do navio da Marinha.

A Procuradoria-Geral do Estado só divulgou o acordo 40 dias após ter sido firmado.

Ou seja, o Termo de Ajustamento efetuado pelas partes ficou envolto por grande insegurança jurídica e pode, não resultar efetivo, podendo ser alterado.

O fato é que os desastre de governança, revelado com o desastre ambiental, contamina um acordo entre partes que, ao que tudo indica, não é abrangente o bastante para equacionar os danos ocasionados.

Desastre de governança e prejuízos permanecem

“Existe uma carência muito grande de informação. Não há como estimar os danos produzidos pelo desastre, pela tragédia criminosa, que se abateu na bacia do Rio Doce, sem informações”, informou à Rádio CBN Vitória o ambientalista Edmar.

Segundo Edmar Camata, o episódio não é uma novidade. Ele destaca que tem havido, de forma geral, uma dificuldade para obter informações referentes aos desdobramentos do rompimento da barragem em Mariana. “Desde que ocorreu a tragédia, há uma déficit de informação muito grande. Quando começamos a demandar alguns órgãos públicos, notamos que havia um conluio das empresas e dos governos para negar informação”, criticou Camata

Tratando-se de direito indisponível, Torna-se patente a insegurança jurídica do que foi acordado, e que poderá ocorrer correção de rumos, com prejuízos acumulados para todos… principalmente para a população da Bacia atingida – não apenas pela lama da Samarco mas, também, pela lama do descaso, da falta de critérios, da confusão, da omissão e, pelo que se vê, de informação.

Com a palavra, o Ministério Público brasileiro…

 

Fonte:

http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-04/apos-criticas-de-ong-marinha-retira-sigilo-de-estudo-sobre-lama-no-rio-doce

http://www.gazetaonline.com.br/_conteudo/2016/04/noticias/cidades/3938978-marinha-coloca-relatorio-das-analises-na-foz-do-rio-doce-sob-sigilo.html

http://g1.globo.com/espirito-santo/desastre-ambiental-no-rio-doce/noticia/2016/04/marinha-retira-sigilo-de-relatorio-sobre-lama-do-rio-doce.html


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