A OPERAÇÃO POLICIAL NO RIO DE JANEIRO E O CONTEXTO DO TRÁFICO DE DROGAS

Policial Carioca na Favela do Jacarezinho (Reuters/Ricardo Moraes)

Policial Carioca na Favela do Jacarezinho (Reuters/Ricardo Moraes)

 

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*

No dia 6 de maio de 2021, uma operação das forças especiais da Polícia Civil do Rio de Janeiro, realizada na favela do Jacarezinho – uma das maiores da cidade, resultou em intensa troca de tiros aproximadamente 30 mortos, dentre eles um policial, apreensão de armas de fogo entre pistolas, metralhadoras, fuzis e armas antiaéreas.

A Polícia Civil carioca informou que a ação resultou de uma intensa investigação sobre o aliciamento de crianças e adolescentes pelo tráfico de drogas local, para emprego em ações criminosas.

Do intenso tiroteio, restou que balas perdidas atingiram um vagão do metrô, que se encontrava na estação que atende á favela, ferindo dois passageiros, que foram socorridos e tratados.

Como se era de esperar, houve “comoção” na comunidade afetada pela operação policial, prontamente apoiada e ampliada, como de praxe, pelos meios de comunicação, entidades dedicadas à defesa de Direitos Humanos, autoridades pressurosas em ocupar protagonismo midiático e militantes partidários de organizações esquerdistas.

A batalha de informações e a batalha legal, integram, de toda forma, o contexto de toda operação policial contra o crime organizado, portanto, não deve de forma alguma impressionar o cidadão de bem, interessado em ver restabelecida a Lei e a Ordem na meio social brasileiro.

Informa a imprensa mainstream e a militância empenhada em estigmatizar organismos de segurança pública que houve uma “chacina” e não uma operação.

Com todo o respeito, há uma enorme diferença entre chacina e faxina.

Chacina ocorreu em Santa Catarina, contra funcionárias de uma creche e bebês indefesos. Faxina é o que ocorreu no Rio… e com precisão cirúrgica. E obviamente eventuais excessos e abusos deverão ser devidamente apurados – mas de forma alguma desnaturam a operação efetuada contra o crime organizado.

Como já dito em vários artigos tenho oferecido à leitura dos amigos – e referencio alguns abaixo deste texto, vivemos um clima de guerra civil no Rio de Janeiro há décadas, com áreas liberadas ao tráfico de drogas ou tomadas pelas milícias ao arrepio da lei.

A ocupação territorial se faz com base na violência bélica, mas o domínio territorial se obtém com a assunção da economia local, pela cooptação cultural e pelo terror como forma de repressão.

Assim, nessa assimetria de padrões TODA a população local – tomada pelo crime organizado, torna-se refém dos ocupantes. O resultado psicológico sobre a comunidade diretamente impactada é similar à chamada “Síndrome de Estocolmo”, que se processa em escala multiplicada, pois os reféns não só aderem como passam a compor o sistema produtivo que dá suporte ao crime organizado.

A disfunção provocada pela perda do controle territorial do Estado é a relativização de sua soberania, gerando uma demanda por “autonomia” que favorece á estrutura marginal instalada na área em conflito. Um fator importantíssimo nesse tipo de demanda por autonomia – cuja característica difusa confunde quem não lida com conflitos híbridos, é a ideologização da atividade marginal, que a torna “expressão da comunidade” sobre a qual está instalada.

Essa ideologização é fundamental para engajar a população, tornando-a um escudo humano capaz de reagir emocionalmente na defesa dos interesses de quem sequestrou seus valores, bens, liberdade e dignidade.

Esse processo de sequestro ideológico envolve múltiplos fenômenos culturais. Abrangem da promoção dos eventos de “pancadão” à assunção dos serviços locais de assistência social e infraestrutura. Implicam na imposição da ordem marginal e – o mais perverso – desestruturação e aparelhamento dos entes familiares, com a apropriação das adolescentes pelos “soldados” do crime… muitas vezes com a violação sexual abonada pelo chefe local e/ou casamento abençoado pelo pastor evangélico autorizado a cuidar do rebanho.

Esse tipo de funcionalidade ocupacional bárbara é milenar. Mas convive paripassu com o avanço civilizatório – com num espasmo arquetípico, um lado obscuro do subconsciente coletivo.

O fenômeno, no entanto, ganhou método e passou a integrar a estratégia urdida pelas forças em conflito no Século XX. Foi muito estudado na Guerra Fria e tem como paradigma a forma de infiltração subversiva executada na Guerra da Argélia pela NLA (Frente de Libertação Nacional), que se apropriou da Casbah, o bairro árabe mais pobre de Argel, tornando a área “impermeável” ao domínio colonial francês.

A técnica foquista de exclusão e apropriação territorial e ideológica se desenvolveu na Ásia e se instalou no continente americano, como componente da guerra assimétrica de guerrilhas. Foi então adotada, inclusive o proselitismo, pelos Cartéis do Tráfico de Drogas – que passaram inclusive a financiar organizações guerrilheiras, partidos radicais de esquerda e líderes populistas – como forma de construir cobertura política e organizar “narcoestados”.

Dessa forma, por óbvio que torna-se muito difícil, para os órgãos de repressão do Estado, vencer a nuvem proselitista que atua como escudo protetor e força de dissuação contra a implementação da lei e da ordem. Esse proselitismo atua como gigolô da tragédia humana envolvida no fato, vitimiza a “comunidade” que sedia as atividades do tráfico de drogas, denuncia o “genocídio da população preta”, alega a “segregação social” e acusa agentes policiais de “preconceito contra pobre”; transforma em “massacre” toda e qualquer operação policial que resulte positivamente na eliminação, prisão ou erradicação de componentes de quadrilhas criminosas de traficantes.

Como a cocaína ainda é uma “droga social” – parte do consumo ocorre na camada social intelectualmente encarregada de encenar essa pantomima proselitista, repercutindo o discurso da vitimização na chamada Opinião Pública e Jusburocracia. E nesse momento, criam-se os quadros da Guerra de Informação e da Guerra Legal – que interagem para “desmontar” a implementação da lei penal sobre a “comunidade” liberada ao tráfico.

Dessa forma, o Estado Brasileiro permanece “enxugando gelo” e a soberania nacional se perde, favorecendo a cultura da bandidagem.

A economia resultante dessa barbárie rega toda a cadeia de perversões nacionais: do roubo de cargas, sequestros e chacinas à corrupção de menores, tráfico de órgãos, exploração sexual de mulheres adolescentes e esbulho possessório… passando obviamente pela corrupção e lavagem de dinheiro.

Que fique claro para todos: tal qual numa guerra (pois é disso que se trata), o inimigo do Estado de Direito e da Democracia escolhe os pontos fracos, para ali instalar suas bases. Assim, o crime organizado finca sua infraestrutura física na pobreza.

Usa os pobres, não porque é expressão da “luta de classes”, mas porque se utiliza da miséria como fonte de mão de obra barata, e terreno fértil para explorar os miseráveis, até o último centavo, tornando-os dependentes da criminalidade.

Para desalojar a corja e recuperar a comunidade para a economia nacional…o Estado deve fazer a opção pelo uso da força. E deve agir de forma cirúrgica, como se faz na moderna estratégia da guerra assimétrica.

Porém, não escapará das casualidades inerentes às batalhas.

A única saída para o combate duro á esse esquema tentacular e de controle territorial, é aliar as forças de segurança com apoio militar estratégico, apoiados em grupos interdisciplinares com firme apoio jurídico e tutela especial por meio de legislação especial. Assim, por meio de firme ação de inteligência e operações desenvolvidas com máxima eficácia – vale dizer: identificação, cerco e destruição, pode-se retomar o controle do Estado e pulverizar o esquema criminoso, reduzindo a sua periculosidade e capacidade organizacional.

Por óbvio que há toda uma agenda que deve ser planejada e cumprida de forma transdisciplinar, envolvendo a ocupação material do Estado nas áreas “resgatadas”. Desde infraestrutura, urbanização, saneamento e saúde, até educação, crédito popular, restauração do comércio etc. Mas, nada disso poderá ocorrer, se não se fizer a faxina e limar a bandidagem da área. O resto… é proselitismo.

Essa guerra é assimétrica, envolve portanto aspectos que refogem ás táticas de repressão e confronto policiais ou militares, envolvem questões institucionais, inclusive o dito proselitismo político e conflitos legais.

A “lawfare”, como visto, constitui o grande bastião – contra ou a favor do combate ao crime organizado. A vitória da Ordem Pública, portanto, dependerá da vontade política e nível de engajamento dos agentes públicos encarregados de implementar a lei e da organização vigilante da sociedade civil – refletida na opinião pública.

É no conflito de opiniões, palpites despropositados, apelos emocionais e vitimizações identitárias que o crime organizado se articula com mídia engajada, políticos esquerdistas, militantes idealistas e agentes públicos mal intencionados, e neles investe todas as fichas – pois no campo da lawfare – da Guerra Legal e de Comunicação, usa e abusa da manipulação dos institutos e instituições de proteção aos “direitos humanos”, “garantias individuais”, “direito de defesa”, “abolicionismo penal”, “humanização dos presídios” e outros conceitos ideologicamente puros, porém manipulados, que reduzem a capacidade de punir do Estado e de reprimir das forças de segurança.

É pegar, pagar o preço ou… largar de vez o Brasil para os celerados.

Escolham!

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro, em 8 de maio de 2021.

 

Referências:

PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro Pedro – “Conflitos Assimétricos, Paramilitarismo, Interesses Difusos e Guerra Híbrida de 4ª Geração”, in Blog “The Eagle View”, in https://www.theeagleview.com.br/2015/09/paramilitarismo-direito-e-conflitos-de.html

PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro Pedro – “Crime Organizado Organiza a Oposição”, in Blog “The Eagle View”, in https://www.theeagleview.com.br/2018/10/crime-organizado-organiza-oposicao.html

PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro Pedro – “A Ponta do Iceberg” (A infiltração do crime nos Direitos Humanos), in Blog “The Eagle View”, in https://www.theeagleview.com.br/2016/11/a-ponta-do-iceberg.html

PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro Pedro – “A Violência nas Ruas, A Rebelião nos Presídios e a Supremacia dos Idiotas”, in Blog “The Eagle View”, in https://www.theeagleview.com.br/2017/01/a-rebeliao-nos-presidios-dissimulacao-e.html

PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro Pedro – “A República dos Bananas Assassinos”, in Blog “The Eagle View”, in https://www.theeagleview.com.br/2014/01/a-republica-dos-bananas-assassinos.html

PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro Pedro – “Riscos Ambientais, Interesses Difusos e Conflitos Assimétricos”, in Blog “The Eagle View”, in https://www.theeagleview.com.br/2020/12/riscos-ambientais-interesses-difusos-e.html

 

afpp99*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe dos Portais Ambiente LegalDazibao e responsável pelo blog The Eagle View.  Twitter: @Pinheiro_Pedro. LinkedIn: http://www.linkedin.com/in/pinheiropedro

Fonte: The Eagle View
Publicação Dazibao, 09/05/2021
Edição: Ana A. Alencar

 

As publicações não expressam necessariamente a opinião da revista, mas servem para informação e reflexão.

 

 


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