A proteção do meio ambiente e a garantia do desenvolvimento econômico (parte 1)

clima

 

Por Talden Farias*

O problema do modelo econômico tradicional é o fato de não considerar o meio ambiente, baseando-se apenas em ganhos com a produtividade e ignorando que nenhuma atividade econômica será viável se a natureza fornecedora dos recursos materiais e energéticos estiver comprometida. Contudo, o crescimento econômico não pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo, tendo de estar relacionado sobretudo com a melhoria da qualidade de vida e da própria vida, afinal a vida é o maior de todos os valores.

Por isso Eros Roberto Grau[1] afirma que não pode existir proteção constitucional à ordem econômica que sacrifique o meio ambiente. Fez-se necessária a criação de instrumentos capazes de aliar o desenvolvimento econômico à defesa do meio ambiente e à justiça social, o que implica na busca por um desenvolvimento sustentável — modelo que coaduna os aspectos ambiental, econômico e social e que considera em seu planejamento tanto a qualidade de vida das gerações presentes quanto a das futuras.

De fato, a única porta de saída para a crise ambiental é a economia, que deve ser rediscutida e redesenhada no intuito de levar em consideração o meio ambiente e suas complexas relações. A despeito de uma ou outra análise pontual, o fato é que por muito tempo a economia ignorou a ecologia, como se esta não fosse esse o pano de fundo daquela. Um bom exemplo disso é o Produto Interno Bruto (PIB), que, além de ignorar a dimensão ambiental, pode considerar a degradação como algo positivo[2].

A busca por outros critérios de desenvolvimento tem feito surgir outros referenciais de aferição, a exemplo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o qual passou a ser utilizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pelo Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) desde 1993. Cuida-se de uma avaliação do desenvolvimento das sociedades a partir de critérios mais amplos, o que envolveria a expectativa de vida ao nascer, a educação e o PIB per capita, e não mais a partir de uma ótica meramente econômica. Existe também o Índice de Bem Estar Humano (IBEU), que foi criado pelo INCT Observatório das Metrópoles com o objetivo de ponderar os indicadores urbanos, como mobilidade, meio ambiente, habitação, lazer, prestação de serviços coletivos e infraestrutura em grandes aglomerados urbanos, como no caso das metrópoles brasileiras[3].

Por outro lado, o processo produtivo costuma repassar à sociedade determinado ônus a que se convencionou chamar de externalidades, a exemplo da poluição atmosférica ou hídrica[4]. Era como se o empresário socializasse os prejuízos com a coletividade, embora mantendo o viés capitalista com relação aos lucros. Isso indica que é preciso uma mudança de paradigma para que o sistema econômico possa se tornar viável sob o ponto de vista ecológico[5].

Na verdade, a preocupação em compatibilizar a proteção do meio ambiente com o desenvolvimento econômico não é recente. Na 1ª Conferencia da ONU sobre o meio ambiente, que ocorreu em Estocolmo, na Suécia, em 1972, foi aprovada a Declaração Universal sobre o Meio Ambiente que já fazia referencia ao assunto[6]. Depois, com a segunda Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que ocorreu em 1992 no Rio de Janeiro e que é conhecida como a Eco-92, o desenvolvimento sustentável se consagrou em definitivo na esfera internacional por causa da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, cujo Princípio 3 consagra que “o Direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de gerações presentes e futuras”.

A formulação do conceito de desenvolvimento sustentável implica no reconhecimento de que as forças de mercado abandonadas à sua livre dinâmica não garantem a manutenção do meio ambiente, impondo um paradigma novo ao modelo de produção e consumo do ocidente. O desenvolvimento sustentável coloca na berlinda o modelo de produção e consumo ocidental, que ameaça o equilíbrio planetário.

Além disso, preocupa-se com os problemas do futuro, enquanto o atual modelo de desenvolvimento — fundado em uma lógica essencialmente econômica — se centra exclusivamente no presente. O termo desenvolvimento sustentável foi usado pela primeira vez em 1980 por um organismo privado de pesquisa, a Aliança Mundial para a Natureza (UICN), e foi consagrado em 1987 quando a ex-ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland o utilizou em um informe feito para a ONU, em que dizia da imprescindibilidade de um novo modelo de desenvolvimento econômico.

O desenvolvimento sustentável é o modelo que procura coadunar os aspectos ambiental, econômico e social, buscando um ponto de equilíbrio entre a utilização dos recursos naturais, o crescimento econômico e a equidade social. Esse modelo de desenvolvimento considera em seu planejamento tanto a qualidade de vida das gerações presentes quanto a das futuras, diferentemente dos modelos tradicionais que costumam se focar na geração presente ou, no máximo, na geração imediatamente posterior.

Devem ser apreciadas as necessidades de cada região, seja na zona urbana ou na zona rural, e as peculiaridades culturais. A Constituição Federal de 1988 consagrou o desenvolvimento sustentável ao afirmar no artigo 225 que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e de preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. O mesmo ocorre com a Lei 6.938/81, que dispõe no inciso I do artigo 4º que a Política Nacional do Meio Ambiente visará à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. O meio ambiente é tão importante que foi transformado pelo inciso VI do artigo 170 da Constituição Federal em um princípio da ordem econômica, passando a se compatibilizar com ele os princípios da livre-iniciativa e da livre concorrência.

É um reconhecimento de que não se pode tratar a problemática econômica sem lidar com a questão ambiental, pois, se o Estado tem a obrigação de promover o desenvolvimento, esse desenvolvimento tem a obrigação de ser ecologicamente correto[7]. Luís Paulo Sirvinskas[8] destaca que o desenvolvimento sustentável é o objetivo da Política Nacional do Meio Ambiente, na medida em que se procura conciliar a proteção do meio ambiente e a garantia do desenvolvimento socioeconômico, de outro, visando assegurar condições necessárias ao progresso industrial, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.

O problema é que a noção de desenvolvimento sustentável é considerada contraditória, face à amplidão semântica do conceito. Com efeito, se parece que todos os atores políticos concordam em aceitá-lo, não é menor verdade que cada um deles tem a sua própria ideia sobre o assunto[9]. Embora a sua ampla aceitação tenha sido importante para a institucionalização da questão ambiental, a falta de consenso acerca do seu conteúdo impede que os avanços estruturais possam ocorrer. Cuida-se, realmente, de uma conceituação movediça, dado à dificuldade conceitual intrínseca[10].

A despeito de sua importância histórica, a ideia de desenvolvimento sustentável, no cenário atual, não contribui mais para o amadurecimento das discussões e das instituições[11]. Há que se ir além, portanto, já que no dizer de Marcos Nobre ele “se tornou, seja um instrumento subalterno de uma maquinaria econômica, seja uma bandeira de luta utópica”[12].

[1] GRAU, Eros Roberto. Proteção do meio ambiente (Caso do Parque do Povo). Revista dos Tribunais, n. 702. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 251.
[2] “Passamos à outra vaca sagrada dos economistas: O Produto Interno Bruto (PIB). Esse conceito ambíguo, amálgama considerável de definições mais ou menos arbitrárias, transformou-se em algo tão real para o homem da rua como o foi o mistério da Santíssima Trindade para os camponeses da Idade Média no Europa. Mais ambíguo ainda é o conceito de taxa de crescimento do PIB. Por que ignorar na medição do PIB, o custo para a coletividade da destruição dos recursos naturais não renováveis, e o dos solos e florestas (dificilmente renováveis)? Por que ignorar a poluição das águas e a destruição total dos peixes nos rios em que as usinas despejam os seus resíduos? Se o aumento da taxa de crescimento do PIB é acompanhado de baixa do salário real e esse salário está no nível de subsistência fisiológica, é de admitir que estará havendo um desgaste humano” (FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974, p. 114-116).
[3] RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz; RIBEIRO, Marcelo Gomes. Ibeu: índice de bem-estar urbano. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013.
[4] “Com efeito, a poluição e a degradação da qualidade ambiental constituem, inegavelmente, alguns dos principais efeitos externos negativos da atividade produtiva. Como o sistema econômico é aberto a três processos básicos — extração de recursos, transformação e consumo — ele envolve necessariamente, em função do inafastável processo de degradação entrópica, a geração de rejeitos que acabam sendo lançados no ambiente: ar, água ou solo. E, sendo alguns recursos ambientais de livre acesso (open acess), os agentes econômicos tendem a impor aos demais usuários um custo externo representado por uma perda incompensada em seu bem-estar (danos à saúde, aumento da mortalidade, diminuição das oportunidades de lazer, etc)” (CARNEIRO, Ricardo. Direito ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 65).
[5] “Ora, não há mais dúvida de que as questões ligadas a organização econômica guardam estreita e determinada ligação com a dimensão ambiental. Afinal, o condicionamento ecológico, representada pela finitude dos fluxos de matéria e energia da Terra, regula tudo que ser humano faz e pode fazer para a satisfação de suas variadas necessidades. O sistema econômico, assim, deve ser rigorosamente compreendido como um subsistema integrante do sistema ecológico, dele dependendo visceralmente como fonte de suprimento de recursos naturais e como depósito para os residuais resultantes da produção e do consumo, o que evidencia a constatação de que o processo econômico tende a esbarrar irreversivelmente em restrições ambientais” (CARNEIRO, Ricardo. Direito ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 2). “A resolução dos problemas ambientais, assim como a possibilidade de incorporar condições ecológicas e bases de sustentabilidade aos processos econômicos – de internalizar as externalidades ambientais na racionalidade econômica e nos mecanismos do mercado – e para construir uma racionalidade ambiental e um estilo alternativo de desenvolvimento, implica a ativação de um conjunto de processos sociais; a incorporação dos valores do ambiente na ética individual, nos direitos humanos e nas normas jurídicas que orientam e sancionam o comportamento dos atores econômicos e sociais; a socialização do acesso e a apropriação da natureza; a democratização dos processos produtivos e do poder político; as reformas do Estado que lhe permitam medir a resolução de conflitos de interesse em torno da propriedade e aproveitamento dos recursos e que favoreçam a gestão participativa e descentralizada dos recursos naturais; as transformações institucionais que permitam uma administração transversal do desenvolvimento; a integração interdisciplinar do conhecimento e da formação profissional e a abertura de um diálogo entre ciências e saberes não científicos” (LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 241-242).
[6] “O homem que tem o Direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar e é portador solene de obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras. […] Deve ser mantida e, sempre que possível, restaurada e melhorada a capacidade da Terra de produzir recursos renováveis vitais. O homem tem a responsabilidade especial de preservar e administrar judiciosamente o patrimônio representado pela flora e fauna silvestres, bem assim o seu habitat, que se encontram atualmente em grave perigo, por uma combinação de fatores adversos. Em consequência, ao planificar o desenvolvimento econômico, deve ser atribuída importância à conservação da natureza, incluídas a flora e a fauna silvestres” (ONU. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Declaração de Estocolmo. Estocolmo, Suécia: 1972. Disponível em: http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/estocolmo1972.pdf. Acesso em 15 jan. 2019).
[7] “A noção e o conceito de desenvolvimento, formados num Estado de concepção liberal, alteram-se, porquanto não mais encontravam guarida na sociedade moderna. Passou-se a reclamar um papel ativo do Estado no socorro dos valores ambientais, conferindo outra noção ao conceito de desenvolvimento” (FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 28).
[8] SIRVINSKAS, Luís Paulo. Política nacional do meio ambiente (Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981). MORAES, Rodrigo Jorge; AZEVÊDO, Mariangela Garcia de Lacerda e; DELMANTO, Fabio Machado de Almeida (coords). As leis federais mais importantes de proteção ao meio ambiente comentadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 93.
[9] “Qualquer um que se proponha a entender a noção de “desenvolvimento sustentável” (DS) encontrará de saída os seguintes elementos característicos fundamentais: a) a aceitação universal do conceito; b) a dificuldade em saber exatamente o que é DS, ou seja, o problema da sua definição e operacionalização. Estas duas marcas características da noção de DS são, à primeira vista, contraditórias e até mesmo inconciliáveis. Afinal, como todos podem ser a favor de algo que não se pode explicitar sem que surja o conflito?” (NOBRE, Marcos; AMAZONAS, Maurício de Carvalho. Prefácio. Desenvolvimento sustentável: a institucionalização de um conceito. NOBRE, Marcos; AMAZONAS, Maurício de Carvalho. BRASÍLIA: IBAMA, 2002, p. 7).
[10] “Sendo uma questão primordialmente ética, só se pode louvar o fato da ideia de sustentabilidade ter adquirido tanta importância nos últimos vinte anos, mesmo que ela não possa ser entendida como um conceito cientifico. A sustentabilidade não é, nunca será, uma noção de natureza precisa, discreta, analítica ou aritmética, como qualquer positivista gostaria que fosse. Tanto quanto a ideia de democracia – entre muitas outras ideias tão fundamentais para a evolução da humanidade, ela sempre será contraditória, pois nunca poderá ser encontrada em estado puro” (VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2010, p.165).
[11] “Como já vimos, o conceito de DS está numa encruzilhada: ou bem se assume como simples subproduto da teoria do crescimento (e, com isso, reduz a problemática ambiental a uma operação de internalização de custos), ou induz a uma mudança rumo a um paradigma baseado na ecologia em que a economia não tem a primazia (caso em que se torna de difícil operacionalização e tem implicações duvidosas no que diz respeito a problemas distributivos). Beckerman formula esse impasse da seguinte maneira: “desenvolvimento sustentável foi definido de tal maneira que ou é moralmente repugnante ou logicamente redundante” (NOBRE, Marcos. Desenvolvimento sustentável: origens e significado atual. NOBRE, Marcos; AMAZONAS, Maurício de Carvalho. Desenvolvimento sustentável: a institucionalização de um conceito. BRASÍLIA: IBAMA, 2002, p. 87).
[12] “Como já vimos, o conceito de DS está numa encruzilhada: ou bem se assume como simples subproduto da teoria do crescimento (e, com isso, reduz a problemática ambiental a uma operação de internalização de custos), ou induz a uma mudança rumo a um paradigma baseado na ecologia em que a economia não tem a primazia (caso em que se torna de difícil operacionalização e tem implicações duvidosas no que diz respeito a problemas distributivos). Beckerman formula esse impasse da seguinte maneira: “desenvolvimento sustentável foi definido de tal maneira que ou é moralmente repugnante ou logicamente redundante” (NOBRE, Marcos. Desenvolvimento sustentável: origens e significado atual. NOBRE, Marcos; AMAZONAS, Maurício de Carvalho. Desenvolvimento sustentável: a institucionalização de um conceito. BRASÍLIA: IBAMA, 2002, p. 93).

 

*Talden Farias é advogado e professor de Direito Ambiental da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), doutor em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), doutor em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB. Autor do livro “Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos” (7. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019).

Fonte: Conjur

 


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