A tutela jurisdicional de urgência em matéria ambiental

ambiente

 

Por Álvaro Luiz Valery Mirra *

O tema da tutela jurisdicional tem sido objeto de estudos e discussões na doutrina do Direito Processual coletivo e do Direito Ambiental, pela relevância que assume, cada vez mais, a proteção do meio ambiente pela via do exercício da jurisdição.

Diversas são as modalidades de tutelas jurisdicionais passíveis de serem obtidas pela via do processo coletivo ambiental. Tomando por base a coincidência que se espera entre o resultado do exercício da jurisdição no processo coletivo ambiental e a satisfação do Direito Ambiental que é pretendida no caso concreto, as tutelas jurisdicionais em tema de meio ambiente são, em termos gerais, a tutela jurisdicional preventiva stricto sensu, a tutela jurisdicional de precaução, a tutela jurisdicional de cessação de atividades e omissões lesivas ao meio ambiente e a tutela reparatória de danos ambientais[1].

Todas elas estão organizadas, normalmente, para serem concedidas no processo judicial ao final da fase de conhecimento, após realização de cognição plena e exauriente, sob o império do contraditório.

Todavia, em tema de proteção do meio ambiente, existem inúmeras situações em relação às quais não se pode aguardar todo o conhecimento judicial, com ampla discussão da causa em contraditório, para que o amparo de Estado-juiz seja prestado. São frequentes, efetivamente, as situações urgentes que demandam pronta e imediata intervenção judicial, a fim de se evitarem a consumação ou o agravamento de danos e degradações ambientais, a superveniência de riscos de danos graves ou irreversíveis ao meio ambiente e à saúde e segurança da população e o início ou a continuação de atividades efetiva ou potencialmente lesivas. Nesses casos, a demora — normal ou patológica — de todo o trâmite processual pode levar à inefetividade da tutela jurisdicional ao final concedida, frustrando os resultados que dela se esperam sob a ótica da preservação da qualidade ambiental[2].

De uma maneira geral, para a prestação de amparo às urgências específicas de determinadas situações concretas e o combate aos males que o transcurso do tempo e a duração do processo podem acarretar, dispõem os sistemas processuais da denominada tutela jurisdicional de urgência[3], fundada, não raro, como no Direito brasileiro, na garantia constitucional da tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva (artigo 5º, XXXV, da CF)[4].

A tutela de urgência é uma modalidade de tutela jurisdicional que vem adquirindo importância crescente, já que sem ela a máquina judiciária, em não poucas ocasiões, funcionaria inutilmente[5]. Evidencia-se, assim, em inúmeros casos, a necessidade de providências imediatas que sejam capazes de remediar, para o que aqui interessa, riscos e perigos de ilícitos e danos ambientais.

No Direito Processual coletivo brasileiro, a tutela de urgência pode ter natureza cautelar e natureza antecipatória[6]. A tutela de urgência cautelar apresenta feição conservativa e destina-se a assegurar o resultado útil do pleito principal e do direito material por intermédio deste veiculado, apresentando inequívoca relevância em matéria ambiental[7].

Mas é sobretudo a tutela antecipada que desperta maior interesse no tema, já que ela satisfaz, desde logo, de maneira adiantada, o direito material, permitindo, de pronto, em caráter provisório, a imediata tutela preventiva (stricto sensu ou de precaução), de cessação de atividades ou omissões lesivas ou reparatória de violações do direito ao meio ambiente.

De fato, é por intermédio da tutela antecipada que se alcançam, de maneira verdadeiramente efetiva, na fase de conhecimento, a prevenção de danos e degradações ambientais que estão na iminência de se consumar; a prevenção e a cessação de atividades efetiva ou potencialmente lesivas ao meio ambiente prestes a se iniciar ou já iniciadas; a prevenção e a cessação de riscos graves ou irreversíveis ao meio ambiente e à saúde e segurança da população; a reparação de danos à qualidade ambiental; a impugnação de atos administrativos e legislativos contrários aos princípios e normas legais e constitucionais de defesa do meio ambiente.

Ou seja: é pela via da tutela antecipada que, nas situações de urgência, se obtém a pronta realização do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ou a outorga adiantada de algum benefício que o exercício desse direito é capaz de proporcionar, a fim de que a demora inevitável do curso do processo não comprometa a tutela jurisdicional final almejada.

Observe-se que, diante da natureza difusa e indisponível do direito ao meio ambiente e do caráter frequentemente grave e irreversível das degradações ambientais, a tutela de urgência antecipada em assuntos de meio ambiente constitui, não raro, a tutela padrão nas demandas coletivas, à qual se deve dar preferência como forma adequada de amparo a ser concedido com o exercício da jurisdição[8].

Da mesma forma que qualquer outra tutela jurisdicional de idêntica natureza, a tutela de urgência antecipada para a proteção do meio ambiente é uma tutela fundada em cognição sumária (não exauriente) feita à base de juízo de verossimilhança ou de plausibilidade (não de certeza) e ostenta eficácia eminentemente provisória (não definitiva)[9], mostrando-se, assim, passível de adaptação ou revogação em função de modificações na situação fática que ensejou o seu deferimento. Ademais, tem como requisitos próprios e específicos o fumus boni iuris (probabilidade dos fatos alegados e do direito afirmado, nos casos de tutela preventiva stricto sensu e de tutela reparatória; credibilidade dos fatos alegados e plausibilidade do direito afirmado, na hipótese de tutela de precaução) e o periculum in mora (risco de ineficácia do provimento, se este somente for concedido ao final)[10]. Por fim, a tutela de urgência antecipada em tema de meio ambiente pode ser concedida em caráter liminar e inaudita altera parte — sempre que a urgência específica da medida não recomendar a espera da citação e a manifestação do demandado ou a ciência por parte deste último a respeito da providência solicitada trouxer o risco de torná-la ineficaz — ou no curso do processo, uma vez instaurado o contraditório.

Ressalve-se, porém, que, embora situada no contexto geral da tutela de urgência, a tutela antecipada em matéria ambiental apresenta uma peculiaridade importante que precisa ser discriminada, dadas as características das variadas tutelas admissíveis — tutela preventiva stricto sensu, tutela de precaução, tutela de cessação de atividades ou omissões lesivas e tutela reparatória.

Com efeito, como a tutela preventiva stricto sensu, incluída, aqui igualmente, a tutela de cessação de atividades ou omissões lesivas, e a tutela de reparatória nem sempre supõem certeza absoluta, podendo ser concedidas, mesmo ao término do processo, com base em juízos de probabilidade, e como a tutela de precaução, que também implica, frequentemente, a cessação de atividades ou omissões potencialmente lesivas, é, por definição, tutela direcionada a situações de incerteza insuperável, subordinando-se a juízos de mera credibilidade ou plausibilidade, não se deve excluir a possibilidade de que o julgamento da causa, em função das circunstâncias do caso concreto, acabe por se basear na mesma convicção de verossimilhança/probabilidade (tutelas preventiva stricto sensu e reparatória) ou de credibilidade/plausibilidade (tutela de precaução) que autorizou o deferimento da tutela antecipada[11].

Por outras palavras, pode acontecer que, mesmo em nível de cognição exauriente, após o aprofundamento da prova sob o império do contraditório, a certeza suficiente para a concessão definitiva das tutelas preventiva stricto sensu e reparatória corresponda, na essência, à mesma certeza relativa, fundada na verossimilhança ou na probabilidade, que autorizou a concessão da tutela antecipada; do mesmo modo que, no âmbito da cognição exauriente feita para a outorga de tutela final de precaução, a convicção se dê com base em idêntico juízo de credibilidade ou de plausibilidade que, no plano da cognição sumária, ensejou a tutela antecipada[12].

Isso tudo significa que, em não raras ocasiões, uma vez concedida a tutela de urgência antecipada — preventiva stricto sensu, de precaução ou reparatória —, o desenvolvimento ulterior do processo, preservado sempre o debate contraditório da causa, destinar-se-á, no final das contas, menos à demonstração cabal dos fatos alegados e à verificação da incidência do direito afirmado e mais ao simples controle da legalidade da providência adiantada, à luz da defesa apresentada, para fins de confirmação ou não[13].

Eis aqui, portanto, uma das principais características do processo civil destinado à proteção de direitos coletivos e difusos, como o direito ao meio ambiente, dadas, inclusive, a fundamentalidade e a indisponibilidade deste, em que a tutela de urgência, em conformidade com a doutrina de Vittorio Denti, é tida como a tutela “ordinária”. Nesse sentido, como observa o eminente processualista, o processo organiza-se em vista da pronta e imediata intervenção do juiz para a defesa desses direitos, destinando-se as fases sucessivas do procedimento ao mero controle de legalidade das medidas de urgência concedidas[14].

[1] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Tutelas jurisdicionais de prevenção e de precaução no processo coletivo ambiental. Revista do Advogado: Direito Ambiental, n. 133, março/2017, p. 09 e seguintes.
[2] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente. São Paulo: Letras Jurídicas, 2011, p. 454.
[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001, v. 1, p. 160-161; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 25; DENTI, Vittorio. La giustizia civile. Bologna: Il Mulino, 2004, p. 135-137. No novo CPC, arts. 300 e seguintes.
[4] WATANABE, Kazuo. Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer (arts. 273 e 461 do CPC). In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 20; BEDAQUE, José Roberto dos Santos, op. cit., p. 25; MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação de tutela. 9ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006, p. 166-174.
[5] DENTI, Vittorio. Le azioni a tutela di interessi collettivi. Rivista di Diritto Processuale. Padova, n. 4, p. 547.
[6] No novo CPC, artigos 300 a 310.
[7] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, cit., p. 455-456.
[8] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, cit., p. 457.
[9] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, cit., v. 1, p. 162; WATANABE, Kazuo, op. cit., p. 30; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Processo Civil Ambiental. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008, p. 100-105.
[10] Sobre esses aspectos todos, ver MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, cit., p. 458; Tutelas jurisdicionais de prevenção e de precaução no processo coletivo ambiental, cit., p. 10-14.
[11] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, cit., p. 458-459.
[12] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, cit., p. 458-459. Em termos gerais, no processo civil, sobre a convicção de verossimilhança preponderante, própria da antecipação de tutela, como regra capaz de guiar o magistrado igualmente na decisão final, dadas as peculiaridades da espécie e em virtude, notadamente, da dificuldade da prova de determinados fatos e da natureza do direito material discutido, ver MARINONI, Luiz Guilherme, op. cit., p. 212.
[13] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente, cit., p. 459.
[14] DENTI, Vittorio. Le azioni a tutela di interessi collettivi, cit., p. 548.

 

*Álvaro Luiz Valery Mirra é juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito Processual pela USP, especialista em Direito Ambiental pela Faculdade de Direito da Universidade de Estrasburgo (França), coordenador adjunto da área de Direito Urbanístico e Ambiental da Escola Paulista da Magistratura e membro do instituto O Direito Por Um Planeta Verde e da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil.

 Fonte: Conjur

 


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