AFRICANAS NÃO MAIS CARREGAM ÁGUA, ROLAM…

Uma idéia simples, sem alterar a cultura e padrões locais, está multiplicando o abastecimento de água na África

Crianças transportam água por meio dos tambores rolantes, na África do Sul (imagens - Roller Water Project)

Crianças transportam água por meio dos tambores rolantes, na África do Sul (imagens – Roller Water Project)

 

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro

A roda, ao lado da descoberta da fricção para fazer o fogo, constitui a principal invenção na trajetória de desenvolvimento tecnológico do ser humano. Com ela, os povos primitivos conquistaram a mobilidade e puderam transportar cargas e pessoas. Isso revolucionou a economia.

A prova mais antiga do uso da roda data de cerca de 3500 a.C., e vem de um esboço em uma placa de argila encontrada na região da antiga Suméria, na Mesopotâmia (atual Iraque). Ali se encontra o conceito do eixo, ligado a um suporte, fixado no centro da roda.

Pois bem, passados 5.500 anos, eis que o conceito básico é revisitado, para permitir que a própria roda role… água.

População de São Luís do Maranhão, no Brasil, carregando água...

População de São Luís do Maranhão, no Brasil, carregando água…

 

O Transporte da Água como fator de exclusão social

Já tivemos a oportunidade de analisar, em outras matérias e artigos, que a falta d’água nas regiões mais quentes e pobres do planeta é agravada pela ausência de mobilidade no abastecimento.

Nas regiões rurais, de difícil acesso a rios, fontes e lagos, a dessedentação se traduz em andar até o rio, fonte, cacimba ou açude mais próximo, encher algumas vasilhas e… carregar na cabeça, ombros ou no lombo do animal de carga.

Caminhões-tanque ou carroças, significam a alternativa econômica mais cara… o que dificulta ainda mais a vida da população miserável destes locais.

mães africanas "rolando" água...

mães africanas “rolando” água…

Essa circunstância acompanha o ser humano desde tempos imemoriais e, com todo o avanço tecnológico, persiste em absolutamente todos os cantos do planeta, em especial onde a segregação social é mais aguda.

O transporte de água, que já é um sacrifício ao qual submetem-se populações inteiras, torna-se um fardo pesado demais principalmente para mulheres e crianças que se encarregam de suprir o abastecimento de suas casas.

Aliás, na cultura dos rincões de miséria no mundo, cumpre às mulheres e crianças o transporte das vasilhas de água para abastecimento doméstico.

A Roda de D’Água africana

Gente carregando latas e vasilhas, com custo, podem ser observadas em favelas urbanas, regiões conflagradas, no oridente médio, nas américas, na Ásia e na África…

Na África?

Não mais, em parte considerável do continente.

A África está assistindo a uma revolução na mobilidade do abastecimento de água, que está mudando o cenário do continente.

Observando a situação das mulheres e crianças, nas regiões africanas, dois engenheiros sul-africanos, Pettie Petzer e Johan Jonker, bolaram um jeito simples e prático para facilitar a tarefa nada simples, e nada prática, de transportar água, enfrentada por milhares de pessoas.

Eles criaram o Hippo Roller Water, um tipo de barril que rola sobre o chão conectado a um eixo. A invenção permite substituir os baldes e vasilhas no transporte da água, com grande vantagem.

Desenvolvido na década de 90, o projeto assumiu escala industrial recentemente.

Desde então, tem provocado grandes impactos sociais na África do Sul e em 20 outros países. De fato, já foram distribuídos aproximadamente 46 mil barris (dados coletados até setembro de 2015).

Mulheres senegalesas transportam água por meio dos tambores rolantes (Roller Water Project)

Mulheres senegalesas transportam água por meio dos tambores rolantes (Roller Water Project)

 

O projeto, muito simples, de baixo custo, permite armazenar 90 litros de água: volume praticamente impossível de ser transportado em um baldes na cabeça, ainda que utilizando toda uma família no transporte tradicional. Armazenada a água no tambor rolante, seu deslocamento por ação mecânica do indivíduo é absolutamente simples e prático.

Ainda existem versões equipadas com um filtro, que tornam a água apropriada para o consumo.

Segundo dados apresentados pelos engenheiros que idealizaram o Hippo Roller Water, o sistema já beneficiou até o momento 300 mil pessoas (considerando uma média de 7 pessoas por família africana).

O que falta para vir ao Brasil?

O projeto, atualmente, é estruturado em um crowdfunding (quando várias pessoas se identificam com um projeto e resolvem apoiá-lo financeiramente para que ele se realize). Doações podem ser feitas através do site Hippo Roller Water Project .

No entanto, o seu potencial é revolucionário, inclusive para o Brasil!

lata d'água na cabeça em Buriti Bravo - Sertão Nordestino (tal como há milênios...)

lata d’água na cabeça em Buriti Bravo – Sertão Nordestino (tal como há milênios…)

O setor público de abastecimento deveria se debruçar sobre a invenção africana e, então, importá-la, implementar adaptações e promover uma distribuição em áreas onde a falta de água leva milhares de pessoas a penar no transporte manual de água…

Projetos mirabolantes, que, convenhamos, só têm servido para turbinar corrupção e conflitos judiciais, não têm o condão de provocar tamanha revolução que o simples rolar da água em tambores, por quem não consegue armazenar em quantidade suficiente e, justamente, é condenado a transportar pequenos baldes por quilômetros, Brasil afora.

O volume de arrocho e servidão por conta da apropriação da água só não é pior que a política de favorecimento, exploração desmedida e lucro ilícito provocada pelo transporte público/particular de água em caminhões-tanque ou mesmo carroças, para serem VENDIDAS à população carente, impossibilitada de transportar por si só quantidade suficiente do recurso.

Uma distribuição de tambores rolantes, por si só, implicaria em uma enorme diferença.

Fica a ideia e a sugestão.

Com a palavra, o governo.

 

Fonte:
http://razoesparaacreditar.com/design/invencao-que-esta-ajudando-milhares-de-familias-transportarem-agua-na-africa-do-sul/
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afppAntonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.

 

 

 


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