ANATOMIA DE UM CRIME CONVENIENTE

Vereadora corajosa e militante, Marielle Franco é o “corpo que convém” aos contrários à intervenção…

 

A Vereadora Marielle, em sua base, na Maré - o crime é uma armadilha para as forças federais...

A Vereadora Marielle, em sua base, na Maré – o crime é uma armadilha para as forças federais…

 

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*

“no crime organizado, o crime serve de armadilha para o crime”

Um corpo-palanque

A vereadora e militante esquerdista Marielle Franco, vereadora carioca eleita pelo PSOL, foi executada a tiros juntamente com o seu motorista, Anderson, ao sair de um evento racialista no Rio de Janeiro. O crime aconteceu nesta quarta-feira, 14 de março, na rua Joaquim Palhares, no Estácio.

De acordo com a imprensa carioca, a vereadora estava acompanhada ainda de uma assessora, Fernanda Chaves, que sobreviveu. Segundo o jornal Extra, a Polícia Civil encontrou pelo menos oito cápsulas no local.

Por volta das 21h30, o veículo ocupado por Marielle, sua assessora e Anderson, foi abalroado por outro carro, que emparelhou – deste partindo ao menos nove disparos na direção daqueles ocupantes.

Os disparos foram feitos de trás para frente, no sentido do banco traseiro à direita (onde Marielle estava sentada), até o banco do motorista. Marielle Franco foi atingida por quatro tiros na região da cabeça e pescoço. Anderson foi alvo de três disparos nas costas. A assessora que estava no banco dos passageiros, no entanto, não foi alvo dos disparos, e ficou ferida pelos estilhaços.

O modus operandi foi de emboscada. Os executantes sabiam exatamente a posição dos alvos dentro do veículo atingido, embora este possuísse vidros escurecidos.

O atentado põe fim a uma carreira parlamentar que parecia promissora, de uma militante radical bastante crítica à ação policial nas favelas cariocas e totalmente contrária à intervenção federal em curso no Rio de Janeiro.

O corpo mutilado de Marielle, no entanto, pranteado e enterrado, segue servindo de palanque para radicais oportunistas, e serve de pretexto para os cínicos criminosos intentarem pôr fim ao processo de intervenção das forças federais no estado.

Martírio útil?

A palavra mártir vem do grego martys, martyros, que significa testemunha.

O mártir presta o testemunho de sua fé com o derramamento do próprio sangue. O martírio é o primeiro testemunho de fé na história da civilização humana. Massacres e chacinas cruentas dão conta do martírio de muitos em prol das mais variadas causas, racionais e metafísicas.

Em nossa civilização judaico-cristã-ocidental, o martírio tem em Jesus Cristo sua maior referência. Mas a Bíblia avança no conceito, pintando o apocalipse com as cores sangrentas do martírio de multidões, que hoje já observamos vivamente (*1).

Na fé católica, para que haja martírio propriamente dito, requer-se que o cristão morra livremente, ou seja, aceite conscientemente o risco de morrer por causa da sua fé (*2). A isso chamamos compromisso.

A aceitação da morte pode ser explícita – como no caso dos cristãos martirizados pelos radicais islâmicos no oriente, obrigados à escolha entre renegar a fé (ou uma virtude relacionada com a fé) e a morte. A aceitação livre também pode ser implícita – quando a pessoa sabe que seu compromisso pode levá-la até a morte e, não obstante, permanece fiel a esse compromisso.

Marielle poderia ser tida como “mártir” da causa humanista da igualdade racial e da diversidade, bandeiras que sustentava ostensivamente em suas manifestações e enfrentamentos com opositores e autoridades. No entanto, seu compromisso era com a militância esquerdista radical, que faz do enfrentamento um método de mobilização e emprego tático de seus quadros.

O posicionamento político de Marielle Franco, de fato, era bastante controverso. Nas redes sociais, a Desembargadora carioca Marília Castro Neves chegou a informar ter a vereadora pertencido ao Comando Vermelho (*3). Embora se declarasse uma liderança oriunda politicamente da favela, o mapa eleitoral da socióloga Marielle revela não foram as comunidades faveladas que a elegeram.  Mais de 60% de seus eleitores provieram dos bairros nobres da zona sul do do Rio e da Barra da Tijuca. Na Rocinha, a vereadora obteve duas dezenas de votos (*4).

A diversidade de votos não deslustra o mandato ungido nas urnas, mas revela uma territorialidade e segmentação do eleitorado, que pode ter importância na apuração dos fatos.

A questão, portanto, não está no martírio de Marielle, mas no que pretendem dele fazer uso seus beneficiários diretos, no campo político e criminal.

Em virtude disso, sem faltar com o respeito devido a quem é abatido covardemente, por conta de suas convicções e valores, vale a pena dissecar o ato criminoso, que parece ser conveniente aos inimigos do Estado brasileiro, e muito inconveniente à causa da Lei e da Ordem.

Coreografia criminosa

“Sou fruto do pré-vestibular comunitário”, disse Marielle Franco no evento transmitido ao vivo pelo Facebook, chamado Roda de Conversa “Mulheres Negras Movendo Estruturas”. Com a frase, ela recordava quando se matriculou no cursinho do complexo da Maré – uma das maiores favelas do mundo, para ter alguma chance nos vestibulares mais concorridos do Rio de Janeiro.

Pouco tempo depois, a vereadora do PSOL, de 38 anos – a quinta mais votada no Rio em 2016, foi assassinada a tiros. Um final trágico que integra uma coreografia conhecida.

Nos últimos dias, a vereadora havia intensificado o uso das redes sociais, com pronunciamentos cada vez mais firmes, denunciando o que chamava de “chacinas contra jovens negros das comunidades” pelos policiais militares. O foco era Acari, sua base eleitoral, e demais favelas do Rio.

Seu alvo predileto era o 41º Batalhão da Polícia Militar do Estado do Rio, lotado em Acari – cujo histórico de violência e envolvimento com as milícias armadas já havia rendido a execução de uma juíza de direito – Patrícia Aciolli, anos atrás, com 21 tiros, com a diferença que a magistrada foi morta de forma “brutal”, “para servir de exemplo” (por isso a quantidade de tiros), enquanto Marielle e seu motorista foram “cirurgicamente executados” em uma abordagem “limpa” – fria e calculada.

O citado Batalhão, bem como todo o complexo de Acari e da Maré, bases eleitorais de Marielle, são alvos da inteligência do exército, que busca, nesta fase inicial da intervenção, detalhar todo o mapa da criminalidade carioca. Esse mapeamento é instrumento de planejamento, e irá conferir efetividade às ações futuras.

A mobilização de inteligência militar causa temor entre os que vivem politicamente da vitimização da comunidade, pois abrange o mapeamento de lideranças e o detalhamento de suas conexões com a marginalidade que domina o território. Causa temor nos líderes da criminalidade organizada – traficantes de droga associados às facções que já transcendem os limites do estado do Rio (e o Brasil). Inquieta igualmente as chamadas milícias, organizadas pelos que privatizaram a segurança pública e estendem sua “proteção” ao fornecimento dos demais serviços comunitários.

Esses grupos mantém um Estado dentro do Estado. Sustentam ampla rede de criminalidade, favorecimentos e corrupção política, com ramificações notórias no governo carioca e na sua oposição política.

Esse cipoal de relações comprometedoras envolve verbas federais, organismos multilaterais que sustentam organizações não governamentais que vivem da vitimização social carioca, entidades internacionais interessadas em se imiscuir na soberania do Brasil por qualquer meio disponível, profissionais que vivem das ações criminosas e da repressão frágil, de uma polícia que finge reprimir e um judiciário que finge punir.

Trata-se de um “ecossistema” simbiótico, que se sente vivamente ameaçado pela ação federal.

O imbróglio da morte de Marielle, portanto, parece servir como uma luva à esse “bioma do mal”.

O fato incentiva a pressão popular. Esse fator favorece os ativistas judiciais, militantes das causas dos direitos humanos, persecutores ideologizados e políticos radicais – vários deles colegas de luta da vítima. Com o burburinho eles usarão o fato para tentar devassar, não a criminalidade, mas, sim, a estrutura de inteligência policial e militar, expondo seus elementos inseridos nas comunidades em questão.

O delito, assim, não testemunha um martírio. Parece formar uma complexa e bem articulada “isca”, para obrigar o Estado a expor, aos olhos dos inimigos da intervenção federal, o que a autoridade interventora está planejando.

Trata-se de uma “coreografia” já dançada em várias outras ocasiões, mundo afora, típica do embate entre Estado, crime organizado, paramilitares e militantes radicais – assimetria típica da Guerra de 4ª Geração em que nos encontramos todos mergulhados (*3).

Nesse quadro de assimetrias, torna-se evidente o escopo limitado da intervenção federal. Essa limitação permitiu às putrefatas forças políticas e jusburocracia do estado, continuarem com as rédeas dos canais de alimentação da criminalidade, que a força intervencionista necessita combater.

Esse dispositivo político-judiciário é justamente o cancro, o tumor, a infecção que contamina a sociedade carioca e alimenta a sua violência.

Ou seja, em linguagem militar – “o flanco do dispositivo de intervenção ficou exposto, e há fragilidade na retaguarda política do complexo militar intervencionista.

Muito barulho e pouca luz

A Polícia Civil investiga o caso. Trabalha com a hipótese que o crime tenha sido uma execução. Não há notícia de que algum pertence tenha sido roubado após o crime: os atiradores dispararam e fugiram em seguida.

O carro tinha vidros escurecidos. No entanto, os alvos foram atingidos com precisão, despendidos por volta de nove disparos. Isso é indicativo que os assassinos eram profissionais. Seguiram o veículo e sabiam a exata posição dos ocupantes em seu interior.

Não precisa ser gênio para constatar o óbvio. Até o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), afirmou que o assassinato tem “características nítidas de execução”(*4).

Parlamentares do PSOL, no entanto, afirmaram à imprensa que Marielle não havia mencionado estar recebendo ameaças. Esse detalhe é importantíssimo, pois revela que a ação não foi precedida de um conflito interpessoal ou político.

Marielle foi “o alvo escolhido”, para iniciar um processo obscuro, com finalidade diversa à sua execução. Uma vítima oportuna, um corpo conveniente.

Por outro lado, a manipulação do fato – morte de uma parlamentar pelo crime organizado, em plena ação de intervenção federal, desperta revolta, de difícil controle, em uma sociedade já bastante vergastada pela inutilidade da estrutura jusburocrática e política do Estado brasileiro. As instituições, expostas e postas á prova, revelam toda a sua fragilidade, precipitando uma ruptura que parece ser inevitável.

Uma armadilha para as forças federais

Como Marielle era critica ferrenha de abusos cometidos por policiais, em especial do 41º Batalhão de Acari, as autoridades não descartam que sua morte tenha sido “encomendada por milicianos ou policiais militares corruptos”. Esse tema cairia como uma luva para reforçar a ação armada sobre os complexos dominados pelas milicias.

Porém, Marielle havia assumido há duas semanas, a relatoria da comissão na Câmara municipal criada para acompanhar os desdobramentos da intervenção federal no Rio. Estava preparada para levantar todo tipo de obstáculo à implementação da Lei e da Ordem nos termos que entendia “golpistas”.

O atentado, visto nessa ótica, parece consolidar com sangue essa ação de obstacularização ao incremento de uma Política de Segurança Pública. Reforça a “desconstrução da intervenção” – como pretendem as entidades de “direitos humanos” engajadas ideologicamente na vitimização da marginalidade e no abolicionismo criminal.

Se assim é, pode revelar-se um surdo acordo de vontades entre facções políticas e a criminalidade, contra um “inimigo comum” – o Estado interventor.

Essa coreografia política pervertida, se desenvolve sem qualquer consideração ou respeito à verdadeiras vítimas de todo esse embate: os cidadãos comuns, desarmados, desamparados, martirizados e desprezados.

A guerra civil provocada pela criminalidade carioca já vitimou milhares somente neste ano. Porém, a estrutura parasitária incrustrada na política, no judiciário, na mídia e nas academias, não demonstrou qualquer sensibilidade para além da hipocrisia. O corpo de Marielle, neste cenário, como já dito, não testemunha esse martírio, compõe uma complexa e bem articulada “isca”.

De fato, o crime foi componente de uma bem articulada armadilha institucional, que objetiva obrigar o Estado a “clarear” as obscuridades evidentes com “fogos sinalizadores” – ações investigativas expostas à uma mídia colérica.

Esse “clarear com fogos sinalizadores”, de fato, irá expor aos olhos dos inimigos da intervenção federal toda a estrutura de inteligência da autoridade interventora, fragilizando a operação.

Caberá à inteligência militar e policial, portanto, manter-se na mais absoluta discrição, segregando a investigação do delito a uma equipe específica, que não contamine as demais ações em curso – nisso, necessitará da proteção institucional que parece ainda não ter. Há que se ampliar o espectro da intervenção para a garantia da Segurança Nacional – um conceito que necessita ser resgatado do lamaçal dos preconceitos e do proselitismo (*5).

Cumprirá à inteligência política (se esta houver), dos dirigentes do executivo federal e do triste poder judiciário, agir com a devida cautela, para evitar que as ações de Lei e Ordem caiam na armadilha acima mencionada.

O corpo de Marielle, é preciso repetir, constitui apenas uma pequena ponta exposta da armadilha. Esta armadilha está sendo cuidadosamente montada pelos radicais de todos os matizes, provindos da militância política e do crime, com o apoio da mídia mais manjada. Pode capturar o dispositivo de intervenção e pôr fim ao esforço de restauração do Estado de Direito no território conflagrado do Rio de Janeiro.

Parece cada vez mais evidente que a intervenção deverá se ampliar, abrangendo a estrutura civil do governo carioca. Caso isso não ocorra, o governo federal pode terminar cercado pela criminalidade no Estado do Rio de Janeiro.

Marielle, infelizmente, reduziu-se a um “corpo conveniente”, servido à comoção popular, em prol dos canalhas contrários à intervenção…

Notas:
*1 – No fim do século I, o Apocalipse fala no martírio de “imensas multidões, que ninguém pode numerar, dos que  lavaram e alvejaram suas túnicas no sangue do Cordeiro” (cf. Ap 7, 9.14);
*2 – O  § 2473 do Catecismo da Igreja Católica, retoma o conceito: “O martírio é o supremo testemunho prestado à verdade da fé; designa um testemunho que vai até a morte”;
*3 – Jornal CGN – https://jornalggn.com.br/noticia/desembargadora-do-tjrj-acusa-marielle-de-parceria-com-o-comando-vermelho

*4 – O Antagonista – https://www.oantagonista.com/brasil/marielle-nao-foi-eleita-pelas-favelas/

 

*5 – PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, NEOPARAMILITARISMO, CONFLITOS ASSIMÉTRICOS, INTERESSES DIFUSOS E GUERRA DE 4ª GERAÇÃO, in Blog “The Eagle View”, visto em 15/03/2018;
*6 – El País – Brasil  – https://brasil.elpais.com/brasil/2018/03/15/politica/1521080376_531337.html
*7 –  PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, Intervenção Federal? Hora de Pensar na Segurança Nacional , in Blog “The Eagle View”, visto em 15/03/2018.

 

 

afpp2017*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal, Infraestrutura e Sustentabilidade da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. Vice-Presidente e diretor jurídico da Associação Paulista de Imprensa – API, é Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.

 

 

 


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