AS CÂMARAS MUNICIPAIS NECESSITAM TER UM FOCO AMBIENTAL MAIS FORTE

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Por Vladimir Passos de Freitas e Maykon Fagundes Machado*

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, trouxe um capítulo específico sobre a proteção do ambiente (art. 225), resguardando não só as presentes, mas também as futuras gerações. Ela seguiu movimento internacional que já discutia conceitos fundamentais, a exemplo do desenvolvimento sustentável, na Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1987), a partir da qual o tão comentado Relatório Bruntdland.[i]

Muito antes, contudo, já se tinha conhecimento de normas que tratavam de temáticas referentes ao tema ambiental, a exemplo do Código de Águas, instituído pelo Decreto Federal 24.643/34 ou, anos depois, o  Código Florestal, regulado na Lei 4.771, de 1965.[ii]

A proposta exposta nesta reflexão trata, justamente, de perceber e apontar a carência do debate nos parlamentos municipais, locais que não têm merecido maior atenção dos estudiosos, mas que concentram enorme parcela de normas, interesses e práticas com reflexos ambientais.

Não se está, com isto, negando relevância ao Congresso Nacional, onde são editadas leis gerais de importância ímpar, como o Código Florestal de 2013, ou iniciativas oportunas, como o Projeto de Lei 4.198 da Câmara dos Deputados, de 2012,  que transforma a Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, em Santa Catarina,  em Parque Nacional Marinha do Arvoredo[1], ou às Assembleias Legislativas, de onde podem surgir, por exemplo, leis de  incentivos  fiscais com viés ecológico, como o criado pelo Paraná através da Lei Complementar 59, de 1991, mais conhecido como ICMS Ecológico, com o objetivo de partilhar os recursos provenientes das arrecadações de ICMS aos seus municípios, mediante o estabelecimento de critérios ambientais favoráveis.[iii]

Registre-se que, ao contrário do difundido popularmente pelo senso comum, o Poder Legislativo possui extrema importância na República, muito embora nas últimas décadas tenha perdido considerável parcela de credibilidade, em razão de inúmeros casos de corrupção veiculados pela mídia. No entanto, cabe-nos confiar nos representantes do povo e procurar colher deles compromisso com temáticas de importância para a sociedade, a exemplo do Desenvolvimento Sustentável.

No âmbito municipal, muito há que se evoluir. Alguns vereadores vêm assumindo a chamada agenda ambiental, porém, muitas vezes, sem técnica legislativa e com viés populista, não mensurando sequer impactos consideráveis no desenvolvimento econômico do município ou da própria região. Não será demais lembrar que a pauta do desenvolvimento sustentável na cidade, por todas as facetas que encerra, é fundamental para a existência de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.[2]

Vejamos alguns exemplos.

A Lei 12.305, de 2010, que trata da Política Nacional da área, delega aos municípios a incumbência de apresentar o plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, sem o qual não poderão ter acesso a recursos da União, ou por ela controlados (art. 18). Ocorre que a legislação municipal que trate da disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos vem sendo adiada desde a vigência da lei nacional, estando fixado, agora, o prazo limite de  2 de agosto próximo para capitais de estados e outros municípios, inclusive os de população inferior a 50.000 habitantes.

A aplicação do referido diploma, essencial na proteção do solo e das águas subterrâneas, vem sendo adiada sistematicamente, sob o argumento de que em municípios localizados em regiões mais distantes ou pouco desenvolvidas economicamente, a implantação de aterros sanitários se revela economicamente inviável e o poder público não tem condições de arcar com os custos. Sucede que a Lei 14.026, de 2020, dando nova redação à Lei da PNRS, estabeleceu a possibilidade de serem “adotadas outras soluções, observadas normas técnicas e operacionais estabelecidas pelo órgão competente, de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais” (art. 54, § 2º). Espera-se que os parlamentares municipais não aprovem qualquer medida que busque adiar, uma vez mais, a vigência da lei de resíduos sólidos.

Na busca de cidades sustentáveis, muito pode ser feito. Leis municipais que estimulem a educação ambiental, a exploração de hortas comunitárias ou a redução de tributos aos imóveis que possibilitem a criação de espaços verdes, tornando as cidades mais lindas e saudáveis, não podem ser descartadas. Por vezes, medidas de grande simplicidade podem assumir enorme importância. Por exemplo, dar reconhecimento em sessão pública aos que tomem iniciativas positivas não gera gastos públicos e incentiva ações semelhantes. Na cidade de São Paulo, um cidadão, contrariando interesses de pessoas, conseguiu plantar  18.000 árvores, criando o “Parque Tiquatira, com mais de três quilômetros de extensão e uma diversidade de mais de 150 espécies de árvores”.[iv]

A área do patrimônio histórico e municipal é outra pouco estimulada nos municípios. Independentemente de monumentos, locais, costumes de interesse nacional ou estadual, há fatos a serem preservados de interesse local. Por exemplo, a história local pode ser preservada através de simples entrevistas filmadas, assegurando que as futuras gerações conheçam as suas origens. Para tanto é preciso que leis feitas com inteligência e interesse público sejam editadas, afastando-se pensamentos pessimistas. Imóveis tombados também merecem especial atenção. É preciso que se conciliem os interesses históricos e os econômicos dos proprietários, pois estes, se contrariados, simplesmente abandonarão o bem à própria sorte.

Enfim, neste tema é imperioso o debate técnico, convocando-se as autoridades e órgãos competentes, gerando-se um debate qualificado com a sociedade civil, bem como com especialistas das mais diversas áreas, que possuam em comum a técnica ambiental como costume de vida e, obviamente, o debate político, por intermédio de vereadores engajados no tema.

Aos cidadãos, cabe ter o fato em conta ao dar o seu voto e, durante o mandato, cobrar as medidas prometidas na campanha. O momento é agora.

[1] REDAÇÃO. Comissão aprova transformação de reserva marinha do arvoredo em parque nacional. FRENTE PARLAMENTAR AMBIENTALISTA. Disponível em: https://www.frenteambientalista.com/comissao-aprova-transformacao-de-reserva-marinha-do-arvoredo-em-parque-nacional/. Acesso em: 21 mai. 2021.
[2] “O desenvolvimento sustentável é o maior desafio do século 21. A pauta da cidade é, no planeta urbano, de maior importância para todos os países, pois: a) dois terços do consumo mundial de energia advêm das cidades, b) 75% dos resíduos são gerados nas cidades e c) vive-se um processo dramático de esgotamento dos recursos hídricos e de consumo exagerado de água potável. A agenda Cidades Sustentáveis é, assim, desafio e oportunidades únicas no desenvolvimento das nações”. LEITE, Carlos; AWAD, Juliana di Cesare Marques. Cidades sustentáveis, cidades inteligentes: desenvolvimento sustentável num planeta urbano. Porto Alegre: Bookman, 2012, p. 8.
[i] “[…] a necessidade de conciliar desenvolvimento econômico com a proteção ao meio ambiente está de forma adequada expressa no conceito de desenvolvimento sustentável’’. BOSSELMANN, Klaus. Princípio da Sustentabilidade: transformando direito e governança. Tradução de Phillip Gil França. São Paulo: Revista dos tribunais, 2015. p. 96.
[ii] Pode-se verificar um histórico cronológico das normas em: REDAÇÃO. Evolução histórica da legislação ambiental. ÂMBITO JURÍDICO. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-ambiental/evolucao-historica-da-legislacao-ambiental/ . Acesso em 20 mai.2021
[iii] PARANÁ. Instituto Água e Terra. Disponível em: http://www.iat.pr.gov.br/Pagina/ICMS-Ecologico-por-Biodiversidade. Acesso em 20 mai.2021.
[iv] Globo Reporter. Disponível em: http://g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2016/02/homem-planta-sozinho-18-mil-arvores-e-cria-primeiro-parque-linear-de-sp.html. Acesso em 20 mai.2021.

 

*Vladimir Passos de Freitas é ex-secretário Nacional de Justiça no Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).

Maykon Fagundes Machado é advogado e mestrando em Ciência Jurídica (PPCJ-Univali) empós-graduando em Jurisdição Federal pela Esmafesc e em Direito Ambiental pela Faculdade CERS.

 

Fonte: Conjur
Publicação Dazibao, 23/05/2021
Edição: Ana A. Alencar

 

 

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