AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO MUNICIPAIS E A TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR

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Por Leandro Eustáquio de Matos Monteiro*

A Lei Federal 9.985[i], de 18 de julho de 2000 criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC – e estabeleceu critérios e normas para a criação, implantação e gestão das Unidades, regulamentando, parcialmente, os incisos I, II, III e IV do § 1º do art. 225 da Constituição de 1988.

Tais unidades de conservação são áreas particulares e-ou públicas destinadas à proteção, integral ou parcial, da diversidade biológica, da paisagem e dos recursos naturais, no intuito de resguardar a qualidade ambiental da coletividade.

A verdade é que, tanto a Constituição de 1988, como a Lei do SNUC, estabelecem que cada um dos entes federados tem atribuição para criar espaços especialmente protegidos, caso das unidades de conservação, servindo como exemplo de unidade a mais famosa delas, mais famosa pela existência em maior número do que as outras, quais sejam, os Parques. Quando criados pela União ganham a alcunha de Parques Nacionais, em âmbito regional são chamados de Parques Estaduais e de Parques Municipais, quando criados pelos Municípios[ii]. Isso sem se esquecer da possibilidade de o Distrito Federal também criar as suas unidades de conservação, como no caso do Parque da Cidade[iii], local musicado pela Banda de Rock Legião Urbana, onde Eduardo e Mônica se encontraram.

Como dito, os Municípios têm atribuição para criar espaços especialmente protegidos, como no caso da capital dos Mineiros, que em 1993 dispôs por lei[iv] sobre a instituição da Reserva Particular Ecológica – RPE, oportunidade em que qualquer pessoa física ou jurídica, poderá requerer ao Executivo a instituição de tal Reserva, pelo prazo de vigência nunca inferior a 20 (vinte) anos, caso da RPE da Associação Atlética do Banco do Brasil instituída em 2019[v], ou em caráter perpetuo.

Instituída a RPE, fica o proprietário sujeito do imóvel onde está localizada a Reserva a diversas limitações administrativas, dentre elas a impossibilidade de exercer o seu Direito de Construir no local. Por outro lado, fica o poder Executivo de Belo Horizonte autorizado a conceder isenção, total ou parcial, do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU -, mediante requerimento do proprietário e comprovação da averbação no Registro de Imóveis. Além desse benefício premial, o proprietário do imóvel reconhecido como RPE no Município de Belo Horizonte – BH –  também pode fazer uso da Transferência do seu Direito de Construir – TDC, instituto que pode e deve ser utilizado por outros Municípios Brasileiros, contato que seja feita previsão legal nesse sentido.

A TDC é um instrumento urbanístico de incentivo a preservação, previsto pelo Estatuto das Cidades[vi], que diz que Lei municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir, o potencial construtivo, previsto no plano diretor ou em legislação urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário para fins de preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, como no caso de imóveis tombados, ou para fins ambientais, caso das RPES em Belo Horizonte.  Planos Diretores de alguns Municípios Brasileiros já tratam da TDC, como no caso da capital das alterosas[vii].

A grosso modo, o potencial construtivo é a diferença entre o utilizado e o básico, entre o que está ou pode ser construído no imóvel e a quantidade que mostra o coeficiente básico, equivalente ao Direito de Construir. O potencial, um adicional, fica descolado do direito de construir embutido no Direito de propriedade. Por sua vez, a transferência do Direito de Construir confere ao proprietário de um imóvel a possibilidade de exercer o seu potencial construtivo em outro imóvel seu, ou de aliená-lo para terceiro.

A Transferência do Direito de Construir tem previsão em Diversos Planos Diretores Municipais, caso da capital das alterosas[viii], de Pains[ix]/MG e Petrópolis[x]/RJ ou mesmo em Leis específicas, como no caso de Salvador[xi]/BA e também em Belo Horizonte.

Em BH, a Transferência do Direito de Construir é regulamentada pela Lei 11.216[xii], de 4 de fevereiro de 2020 e pelo Decreto 17.272[xiii][1], de 4 de fevereiro de 2020, sendo   também prevista para algumas situações, como no caso do atendimento ao interesse Ambiental. Para essa situação, a Lei 11.216-20 traz os critérios para o cálculo da área passível de transferida pelo imóvel gerador de TDC e o Decreto municipal estabelece que somente são passíveis de geração da TDC as Reservas Particulares Ecológicas de caráter “pérpetuo”, o que não é o caso da RPE da AABB supramencionada, instituída pelo prazo de 20 anos.

A instituição da RPE e possibilidade da transferência do Direito de Construir dela decorrente em Belo Horizonte acaba contribuindo para a conciliação dos diversos interesses em pauta, promovendo o tão sonhado desenvolvimento sustentável. O proprietário do imóvel onde é localizada a Reserva fica satisfeito porque pode receber isenção tributária, além da possibilidade de alienar o seu Direito de Construir. Ganha o o Município, que pode aumentar sua arrecadação tributária em função da compra e venda das TDCS, fato gerador do Imposto Municipal de Transferência de bens imóveis. E também sai vencedor o Meio Ambiente, com a instituição de mais espaços especialmente protegidos, com a possibilidade da criação de mais áreas protegidas.

A possibilidade do exercício da Transferência do Direito de Construir decorrente da instituição das RPEs em caráter perpetuo em Belo Horizonte, representa um passo que,  se amplamente propagado nos Municípios brasileiros, pode eliminar, em parte, o impasse entre existente entre o crescimento econômico, a omissão estatal e a preservação ambiental, porque a maioria das Unidades de Conservação existentes no Brasil praticamente não vão para além do ato criador delas.

Muitas Unidades de Conservação que existem no Brasil acabam não sendo nada além de um sistema de áreas protegidas de papel ou de fachada, espaços de ninguém, onde a omissão das autoridades, que não fazem as desapropriações necessárias, por exemplo, é compreendida pelos degradadores de plantão como autorização implícita para o desmatamento, a exploração predatória e a ocupação ilícita.

Para além da criação das Unidades, municipais inclusive, é importante que cada uma delas tenha o seu Plano de Manejo, documento com fundamento nos objetivos gerais da unidade, tratando de zoneamento e das normas que devem presidir o uso da área e, quando obrigatório, estabeleçam a sua zona de Amortecimento[xiv]. Perceber o crescente aumento do número de unidades de conservação sem orçamento para a gestão da unidade, sem a regularização fundiária, não significa muita coisa.

Nesse contexto, vale lembrar que o Superior Tribunal de Justiça[xv], STJ, já se pronunciou no sentido decidiu que a “criação de Unidades de Conservação não é um fim em si mesmo, vinculada que se encontra a claros objetivos constitucionais e legais de proteção da Natureza”. A criação de uma unidade, desacompanhada do compromisso estatal de, sincera e eficazmente, zelar pela sua integridade físico-ecológica e providenciar os meios para sua gestão técnica, transparente e democrática acaba sendo um “nada jurídico”.

Fica a torcida para que a iniciativa prevista na Lei Belorizontina seja copiada e implementada Brasil afora, pelos mais de 5.560 Municípios brasileiros. Atendida a técnica legislativa, mensurados os impactos necessários, a Transferência do Direito de Construir decorrente da Instituição de um espaço especialmente protegido nos Municípios, de uma unidade de conservação municipal, é um exemplo a ser seguido. Aos cidadãos, como já disse Vladimir Passos de Freitas[xvi], cabe ter o fato em conta ao dar o seu voto e, durante o mandato, cobrar as medidas prometidas na campanha, sobretudo as medidas em prol da sustentabilidade municipal[xvii].

 

[1] http://portal6.pbh.gov.br/dom/iniciaEdicao.do?method=DetalheArtigo&pk=1224873 – acesso em 09/06/21
[i] BRASIL. Lei 9.985, de de 18 de julho de 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm – acesso em 08.jun.2021
[ii] BRASIL. Lei 9.985-00, art. 11 § 4o As unidades dessa categoria, quando criadas pelo Estado ou Município, serão denominadas, respectivamente, Parque Estadual e Parque Natural Municipal
[iii] https://pt.wikipedia.org/wiki/Parque_da_Cidade_Dona_Sarah_Kubitschek – acesso em 09.jun.2021
[iv] BELO HORIZONTE. LEI Nº 6314, DE 12 DE JANEIRO DE 1993. Disponível em: https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-legislacao/lei/6314/1993 – acesso em 09.jun.2021
[v] https://belohorizonte.aabb.com.br/wp-content/uploads/sites/147/2019/09/DECRERTO-RPE-AABB.pdf – acesso em 08.jun.2021
[vi] BRASIL. Lei 10.257, de 10 de julho de 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm – Acesso em 09.jun.2021
[vii] BELO HORIZONTE. Lei 11.181, de 8 de agosto de 2019. Disponível em: https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-legislacao/lei/11181/2019 – acesso em 08.jun.2021
[viii] BELO HORIZONTE. Lei 11.181, de 8 de agosto de 2019. Disponível em: https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-legislacao/lei/11181/2019 – acesso em 08.jun.2021
[ix] PAINS. Lei Complementar 47, de 19 de setembro de 2013. Disponível em https://leismunicipais.com.br/a2/mg/p/pains/lei-complementar/2013/5/47/lei-complementar-n-47-2013-plano-diretor-do-municipio-de-pains?q=47 – acesso em 10. Jun. 2021
[x] PETROPOLIS, art. 54 Lei 7.167, de 28 de março de 2014. Disponível em: https://petropolis.cespro.com.br/visualizarDiploma.php?cdMunicipio=6830&cdDiploma=201471672 – acesso em 08.jun.2021
[xi] SALVADOR, Lei 3.805, de 04 de novembro de 1987. Disponível em https://cm-salvador.jusbrasil.com.br/legislacao/232842/lei-3805-87 – Acesso em 09.jun.2021
[xii] BELO HORIZONTE. 11.216, de 4 de fevereiro de 2020. Disponível em https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-legislacao/lei/11216/2020 – Acesso em 09.jun.2021
[xiii] BELO HORIZONTE. Decreto 17.272, de 4 de fevereiro de 2020. Disponível em https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-legislacao/decreto/17272/2020 – Acesso em 09.jun.2021
[xiv] https://www.conjur.com.br/2021-abr-10/ambiente-juridico-zona-amortecimento-unidades-conservacao – Acesso em 10.jun.2021
[xv] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1071741. Relator Ministro Herman Benjamin, 16.12.2010 – disponível em https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=1071741&b=ACOR&p=false&l=10&i=8&operador=mesmo&tipo_visualizacao=RESUMO – acesso em 08.jun.2021
[xvi] As câmaras municipais necessitam ter um foco ambiental mais forte. Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-mai-23/segunda-leitura-camaras-municipais-necessitam-foco-ambiental-forte. Acesso em 11.jun.2021
 [xvii] Este texto é dedicado a Juliana Barreto do Nascimento, Lorena Thainara Diniz e Maria Amélia de Coni e Moura Mattos Lins

 

Assista ao vídeo clicando aqui ou na imagem abaixo:

 

LEANDROEUST

  *Leandro Eustáquio de Matos Monteiro -. Mestre em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Ambiental

Fonte: o autor
Publicação Ambiente Legal, 17/06/2021
Edição: Ana A. Alencar

 

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