BREVE ANÁLISE DA PROBLEMÁTICA DA COMPENSAÇÃO AMBIENTAL DO ART. 36 DA LEI 9.985/2000

Floresta para Compensação Ambiental

Floresta para Compensação Ambiental

 

Talden Farias
Pedro Henrique de Sousa Ataíde

A criação de Unidades de Conservação da Natureza (UCs) é um dos mecanismos mais efetivos de proteção da biodiversidade, uma vez que se trata de espaços territoriais especialmente protegidos, criados ou reconhecidos pelo Poder Público em limites geográficos definidos, com aspectos naturais relevantes (paisagem, flora, fauna, corpos hídricos etc). Daí o inciso III do § 1º do art. 225 da Constituição Federal considerar tais espaços como uma das formas de se dar concretude ao direito fundamental ao meio ambiente. Segundo o inciso IV do art. 2º e o inciso II do art. 4º da Lei n. 6.938/81, trata-se de um dos objetivos e um dos princípios da Política Nacional do Meio Ambiente.

Ocorre que a criação e manutenção das UCs exigem elevado aporte financeiro e ações para efetivar os objetivos conservacionistas. Para que as áreas protegidas não ficassem reféns dos orçamentos públicos, Paulo Nogueira Neto, titular da então Secretaria Especial de Meio Ambiente (atual Ministério do Meio Ambiente), propôs ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) o advento de uma compensação ambiental cujos recursos fossem destinados diretamente às UCs; ou seja, os recursos não seriam encaminhados ao Poder Público para posterior repasse, mas enviados diretamente à Administração das áreas protegidas. Nesse sentido, as Resoluções do CONAMA n. 10/87 e n. 02/1996 exigiam o pagamento de compensação das atividades/empreendimentos de significativo impacto ambiental, sujeitos à elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório (EIA/RIMA).

Posteriormente, o art. 36, caput, da Lei n. 9.985/2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), trouxe a seguinte previsão “nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei”. Ou seja, todo empreendimento de significativo impacto ambiental terá o dever de apoiar a implementação das UCs, preferencialmente do grupo de proteção integral. Ainda que a atividade não afete UC específica será devida a obrigação, pois o fato gerador é exclusivamente o caráter de significativo impacto ambiental. Em função das notórias dificuldades orçamentárias do Estado brasileiro, não seria equivocado afirmar que esse numerário é crucial para o êxito da nossa política conservacionista.

Mas em que consiste tal apoio? O § 1º do aludido dispositivo determina que a compensação será devida em montante não inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento, cujo percentual será calculado com base no grau de impacto da atividade. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.378, declarou a inconstitucionalidade do piso de meio por cento dos custos totais de implantação do empreendimento. Em outras palavras, o órgão ambiental licenciador não está atrelado ao percentual mínimo quando realizar o cálculo da compensação ambiental.

De acordo com o art. 11 da Instrução Normativa n. 20/2011 do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que é o órgão responsável pelas UCs federais, o pagamento pode ocorrer tanto de forma pecuniária quanto por meio de ações destinadas à implementação/gestão das UCs, como a elaboração de plano de manejo, construção de cerca para delimitar o território etc. A matéria foi objeto de discussão pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que por meio do Acórdão n. 1.853/2013 suspendeu a forma pecuniária sob a alegação de falta de embasamento legal e de geração de ônus à Administração Pública. A Confederação Nacional das Indústrias (CNI) se habilitou no processo para pleitear o reconhecimento da compensação ambiental tanto como obrigação de fazer quanto como de dar/pagar. É aconselhável viabilizar tal fungibilidade, pois de um lado o setor produtivo ganharia flexibilidade e de outro não haveria prejuízos ao meio ambiente, cabendo ao TCU contribuir para o aperfeiçoamento do instituto. É de se destacar que a decisão do TCU está adstrita ao licenciamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), nada impedindo que os demais entes se comprometam com o pagamento em pecúnia.

Infelizmente, as dificuldades relacionadas à compensação ambiental não se resumem a esse ponto, pois existem problemas na cobrança, na aplicação e na destinação desse recurso.

A cobrança pode ser feita a menor ou simplesmente deixar de feita, seja por erro ou por fraude do empreendedor ou do agente público. O não pagamento pode se dar em razão da inércia do órgão ambiental em cobrar do responsável pela atividade sujeita à EIA/RIMA, bem como pela dispensa indevida desse estudo com o intuito de desonerar e acelerar determinada atividade. Há exemplos de fracionamento do licenciamento com o intuito de driblar tal exigência. Esses casos resultam em prejuízo ao Poder Público, que terá de conseguir outras receitas para as UCs, ou ao meio ambiente, que deixará de contar com a proteção de certos espaços territoriais. É possível vislumbrar a possibilidade de aplicação dos arts. 66, 67 e 68 da Lei n. 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), dentre outras normas.

A receita da compensação é vinculada, pois os valores nem passam pelos cofres do orçamento público, uma vez que são destinados diretamente às UCs. Não raras vezes, os órgãos ambientais utilizam os recursos da compensação para custear as despesas ordinárias da Administração Pública, o que certamente configura desvio de finalidade e improbidade administrativa. O art.33 do Decreto n. 4.340/2002 estabelece a ordem de prioridade de utilização dos recursos. Na verdade, sequer as despesas de cunho ambiental não previstas ali podem ser feitas.

Não menos grave é quando o recurso não é aplicado, a despeito de a cobrança ter sido feita adequadamente. Se o fundo compensatório dispõe de dinheiro, não faz sentido deixar as UCs à míngua – mesmo porque isso fere a Carta Magna e a Lei do SNUC. Não é facultado ao gestor fazer caixa, uma vez que esse dinheiro não é público no sentido mais restrito da palavra, estando muito mais relacionado ao interesse difuso ao meio ambiente.

A escolha da UC beneficiária da compensação ambiental também é cercada de controvérsias. De acordo com o art. 36, § 3º da Lei n. 9.985/2000, quando o empreendimento afetar UC específica ou sua zona de amortecimento, esta será necessariamente uma das beneficiárias da compensação, ainda que não pertença ao Grupo de Proteção Integral. Nessa senda, caso exista UC que sofra interferência do empreendimento de significativo impacto, ao menos parte dos recursos da compensação deve ser dirigidos a essa. Como não existe a previsão legal do percentual, fica a critério do órgão ambiental, que poderá destinar um valor insignificante.

Caso não exista UC afetada, a compensação deverá ser destinada às UCs de Proteção Integral localizadas no mesmo bioma ou na mesma bacia hidrográfica da atividade licenciada, conforme dispõe o inciso II do art. 9º da Resolução n. 371/2006. O conteúdo desta norma busca concretizar o objetivo pelo qual o instituto da compensação foi criado, qual seja, contrabalançar as perdas ambientais suportadas pelo meio ambiente afetado. É razoável que a UC beneficiária proteja o mesmo bioma ou a mesma bacia hidrográfica. Dessa forma, se determinado empreendimento de significativo impacto ambiental afete o bioma caatinga, a UC que deverá receber os recursos da compensação não pode estar localizada no bioma marinho.

Ademais, é bastante comum que os órgãos licenciadores só escolham como beneficiárias as UCs pertencentes ao mesmo ente federativo. Por exemplo, o Estado X licencia a atividade e destina os recursos a compensação apenas as UCs por ele instituídas, quando na área afetada existem UCs municipais e federais. Vale dizer, a destinação dos recursos não está atrelada ao ente federado licenciador. Deve-se observar apenas se o empreendimento afeta UC específica ou sua zona de amortecimento, bem como se existem UCs localizadas no mesmo bioma ou na mesma bacia hidrográfica. Daí a relevância da recente decisão da Justiça Federal na Ação Civil Pública n. 466-95.2016.401.3903, proposta pelo Ministério Público Federal e pela Procuradoria do Estado do Pará, que suspendeu o repasse de mais de 70% das verbas de compensação ambiental da Usina de Belo Monte para o Parque Nacional do Juruena (Mato Grosso), determinando a priorização da aplicação dos recursos na região afetada, que fica no médio curso do rio Xingu, no Pará.

Ante as breves considerações do presente texto, é importante que a aplicação da compensação ambiental siga realmente os critérios da Lei n. 9.985/2000, bem como das resoluções do CONAMA e dos demais atos normativos. O procedimento deve ser o mais transparente possível, para que haja amplo controle social, com vistas a coibir as irregularidades, sendo o papel das controladorias, das cortes de contas e do Ministério Público especialmente vital nesse sentido, pois é possível responsabilizar os envolvidos sob os pontos de vista administrativo, cível e criminal. Por ser essencial à política de áreas protegidas, o instituto da compensação ambiental do art. 36 da Lei do SNUC merece cada vez maior discussão e aperfeiçoamento.

 

 

Talden-FariasTalden Farias é advogado e professor da UFPB. Doutor em Direito da Cidade pela UERJ.

 

 

pedro-henrique-sousa-de-ataídePedro Henrique Sousa de Ataíde é advogado, consultor jurídico e mestrando em Direito pela UFPB.

 

 

 

 


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