Como os acordos internacionais e os novos decretos para redução de gases de efeito estufa no transporte marítimo vão influenciar as exportações do agronegócio brasileiro?

merchant container ship

 

Por Maria Cristina Gontijo P. V. Silva*

No dia 27 de junho de 2019, passaram a vigorar no Brasil os seguintes decretos que indiretamente, trarão consequências ao agronegócio brasileiro: O Decreto 9.878 [1], que Institui a Comissão Coordenadora para os Assuntos da Organização Marítima Internacional e o Decreto 9.888 [2] publicado na mesma data, que trata da definição das metas compulsórias anuais de redução dos gases de efeito estufa para a comercialização de combustíveis, influenciando diretamente a fabricação de combustíveis e o chamado RenovaBio.

A Organização Marítima Internacional (IMO) [3] é uma agência especializada e vinculada à ONU. Possui 167 Estados Membros. Seus objetivos são: padronizar, manter e controlar todas as regras de navegação que interfiram na sua segurança (SOLAS), no meio ambiente marinho (MARPOL), e na cooperação técnica e certificação de profissionais e embarcações, ou seja, ela é responsável pela padronização mundial da indústria marítima (que compreende navegação, construção naval, pesca e portos).

Pois bem, o Decreto 9.878 de 2019 [2] que Institui a Comissão Coordenadora para os Assuntos da Organização Marítima Internacional, prevê em seu artigo 2º. as seguintes disposições:

Art. 2º A Comissão Coordenadora para os Assuntos da Organização Marítima Internacional é órgão de assessoramento destinado a:

I – analisar os temas relativos à Organização Marítima Internacional;

II – formular as posições a serem adotadas pela República Federativa do Brasil perante a Organização Marítima Internacional; e

III – propor medidas a serem implementadas em âmbito nacional, decorrentes dos compromissos assumidos pela República Federativa do Brasil perante a Organização Marítima Internacional e de suas recomendações.

Rapidamente, há de se observar que o Brasil integra a IMO desde 1963 e desde 1967 faz parte do Conselho.

Por outro lado, quanto a questão da redução das emissões de gases de efeito estufa o Decreto 9.888/2019 preconiza que:

Art. 1º Este Decreto dispõe sobre a definição das metas compulsórias anuais de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa para a comercialização de combustíveis de que trata o art. 6º da Lei nº 13.576, de 26 de dezembro de 2017, e institui o Comitê da Política Nacional de Biocombustíveis – Comitê RenovaBio.

Ambos os decretos tratam de assuntos correlatos no que diz respeito ao fato de o país assumir uma posição proativa em relação aos temas trabalhados pela IMO e também no compromisso para atingir e fiscalizar as metas estabelecidas internacionalmente para redução dos gases de efeito estufa no transporte marítimo.

Pois bem, a princípio, o agronegócio somente possuiria relação com a questão da produção de insumos para a matriz energética e produção de biocombustíveis, assunto relacionado ao RenovaBio.

Mas e a Organização Marítima Internacional o que tem a ver com o agronegócio? O que de fato as mudanças e inserções trazidas pelos Decretos 9.878 e 9.888 trazem as exportações brasileiras?

Imagina-se, por primeiro, que uma Comissão Coordenadora para os Assuntos da Organização Marítima Internacional trataria unicamente de questões relacionadas unicamente a segurança da navegação e a poluição causada por navios, e até mesmo as questões relacionadas a exploração do petróleo brasileiro. É o óbvio.

Por outro lado, sob o olhar holístico e considerando toda a cadeia do agro, este artigo pretende mostrar um outro viés sobre o assunto, ao analisar a perspectiva da utilização do transporte e da logística verde (green logistics) como instrumentos que agregam valor ao produto agrícola brasileiro, na medida em que respeitam as metas para redução dos gases de efeito estufa.

Desde o Acordo de Paris, a Organização Marítima Internacional vem trabalhando para a adoção de medidas que diminuam não só a poluição causada por navios decorrente do lançamento de óleo e resíduos ao mar, mas também que diminuam a quantidade de gases de efeito estufa que a indústria da navegação causa na atmosfera.

Se 90% do comércio exterior brasileiro opera pela via marítima e pelos portos, não causa surpresa que o Brasil crie a Comissão Coordenadora para os Assuntos da Organização Marítima Internacional a fim e tratar a questão dos combustíveis e a redução de gases de efeito estufa como prioridade neste modal de transporte.

Portanto, as mudanças climáticas e a emissão de gases de efeito estufa sempre estiveram na agenda brasileira no que diz respeito ao transporte marítimo, haja vista que o Brasil, apesar de não possuir tradição como berço de grandes armadores, é um país exportador e importador de granéis sólidos por vocação, e o crescimento da indústria do agro demonstra que ainda precisamos nos organizar para movimentar mais do que os módicos 1% do comércio exterior mundial (sim, segundo dados da OMC, o Brasil, apesar de sua imensa costa, representa somente 1% do comércio internacional).

A adoção das medidas trazidas pelos recentes decretos e as demais ratificadas pelo Brasil como integrante da Organização Marítima Internacional mostra a preocupação e o compromisso dos representantes do país em agregar valor aos produtos brasileiros e aumentar o fluxo e credibilidade de suas exportações, o que beneficia não somente as grandes empresas do agro, mas também o pequeno e o médio produtor, que, ao contratar uma trading, uma agência ou uma consultoria operacional de transporte (OTM) para transportar o seu produto e escoá-lo pelos portos, terá a garantia que o se produto obedecerá as metas internacionais para redução de gases de efeito estufa.

Interessante destacar que em ambos os decretos está previsto a presença dos representantes de alguns Ministérios que receberão impactos dos decretos (Minas e Energia, Meio Ambiente, Agricultura, Infraestrutura, dentre outros), o que demonstra o fator positivo quando se fala em cooperação para implementação e avaliação das políticas e metas, mas ao mesmo tempo suscita dúvida se o diálogo entre os Ministérios e os setores diversos chegará a conclusões e resultados efetivos.

Assim, enquanto alguns se apegam unicamente as questões relacionadas ao desmatamento de áreas para produção agrícola (que são igualmente importantes e necessárias para o produtor que quer agregar valor ao seu produto), há outras metas e standards que englobam os conceitos de sustentabilidade em toda logística de transporte do produto agrícola.

O que parece ser visto como mero instrumento formal de cooperação, também é uma forma de o país demonstrar seu compromisso com a comunidade internacional para atingir as metas ambientais (o que viabilizará inclusive o Acordo Mercosul União Européia), e o mais importante, buscar competitividade s e agregar valor ao agronegócio local junto aos steakholders estrangeiros.

Exemplo de concretização de metas para uma logística sustentável no Brasil é o fato de o Ministério da Infraestrutura estar trabalhando para que o transporte ferroviário efetivamente tenha protagonismo perante a cadeia logística do agro, o que representa menos filas de caminhões nas estradas e nos portos, ou seja, menos emissões e mais eficiência para as exportações do agro.

Vale lembrar que as metas serão adotadas gradativamente, caso, por exemplo, da diminuição do nível máximo de enxofre dos óleos combustíveis marítimos para as embarcações que não dispuserem de sistema de limpeza de gases de escape (Resolução 789/2019 da Agência Nacional de Petróleo). A fiscalização se iniciará em janeiro de 2020.

Em resumo, as novidades legislativas relacionadas a redução de gases de efeito estufa pelo Brasil perante a Organização Marítima Internacional vão refletir positivamente nas exportações do agronegócio da seguinte forma:

Oferecem maior credibilidade para o produtor que exportar utilizando-se dos critérios adotados na redução de gases de efeito estufa no transporte e logística de cargas.
Agregam valor e oferecem competitividade aos produtos brasileiros através das práticas de logística sustentável, não só no modal marítimo, mas em todos os modais.
Buscam consolidar a melhoria da qualidade dos modais de transporte, se de fato houver o investimento devido em infraestrutura para maior eficiência das exportações no agronegócio.

Notas:
[1] Decreto 9.878 de 27 de junho de 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9878.htm
[2] Decreto 9.888 de 27 de junho de 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9888.htm
[3] Organização Marítima Internacional – Marinha do Brasil https://www.marinha.mil.br/dhn/?q=pt-br/node/35
[4] Resolução ANP 789 de 22 de maio de 2019. Disponível em: http://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-789-de-22-de-maio-de-2019-122631742
[5] GONTIJO P. V. S., Maria Cristina. SOARES, Washinton Luiz. Transporte marítimo verde na cadeia multimodal: uma breve análise dos instrumentos jurídicos para a uma logística ecoeficiente. IN. Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro. Temas Contemporâneos. Vol. II. Arraes Editores. Belo Horizonte, 2018.

 

gontijo-300x300*Maria Cristina Gontijo P. V. Silva – Advogada e Auditora Ambiental de Portos. Mestre em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos. Membro da UBAA (União Brasileira da Advocacia Ambiental) e da UBAU (União Brasileira dos Agraristas Universitários). Sócia do escritório Lawand Gontijo Advogados.

 

 

 

Fonte: Direito Agrário

 

 


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