CONSÓRCIOS INTERMUNICIPAIS NA GESTÃO PÚBLICA BRASILEIRA

União de propósitos e esforços ainda é pouco estimulada pelo Poder Público.

consorcios

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro e
Jorge Brunetti Suzuki

 

A situação política e econômica dos municípios brasileiros exige soluções que vão além da capacidade das prefeituras.

Na verdade, a Constituição Federal elenca uma série de obrigações aos Municípios, sem no entanto conferir-lhes capacidade financeira para honrar os compromissos.

A celebração de Consórcio Intermunicipal pode ser a saída.

Esse instituto, dotado de personalidade jurídica de direito público, uma vez firmado nos termos da legislação vigente pode estabelecer coordenação e operação de serviços de interesse de municípios localizados em uma mesma região, a partir de objetivos comuns bem definidos.

Quando associados, os municípios tornam-se aptos a somar recursos materiais, financeiros e humanos, no sentido de realizar ações conjuntas as quais, se desempenhadas isoladamente, não seriam financeiramente viáveis, ou apresentariam riscos para a consecução do objeto pretendido.

O compartilhamento de máquinas, equipamentos, pessoal especializado e recursos, propicia condições para a realização de políticas públicas de grande interesse coletivo.

A criação do instituto foi inicialmente prevista pela Emenda Constitucional nº 19/98, que alterou o artigo 241 da Carta Magna e estabeleceu que os consórcios públicos entre os entes federados passariam a ser disciplinados por lei específica. Para tanto, foi promulgada a Lei Federal nº 11.107/05, que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos, regulamentada pelo Decreto Federal nº 6.017/07.

Por essas normas os Consórcios Intermunicipais têm início com assinatura de protocolo de intenções, no qual constarão todas as cláusulas elaboradas pelos consorciados. O documento, então, é remetido para aprovação do poder legislativo dos municípios participantes, que, concordando com seu teor, ratificá-lo-ão por meio de Lei e aprovarão respectiva dotação orçamentária. O legislativo e executivo, então, irão efetuar eventuais adequações no quadro normativo local, caso necessário.

Durante a vigência do consórcio, a relação entre os municípios é regida por algumas características peculiares, tais como:

I) posição jurídica idêntica entre as partes;
II) diversificação do tipo de cooperação a ser prestada;
III) liberdade de ingresso e retirada de participes;
IV) possibilidade de denúncia unilateral por qualquer consorciado; e
V) subsistência das responsabilidades assumidas durante a vigência do consórcio.
Mesmo criando pessoa jurídica própria, o instituto do consórcio preserva a autonomia constitucional de cada ente participante – que permanece livre para escolher o objeto e as partes com que o celebrará e da forma que melhor aprouver. Ficam resguardados, ainda, liberdade econômica e financeira e o direito desfazer o vínculo.

Como todo consórcio público, o consórcio intermunicipal também está dispensado do processo licitatório em caso de contrato com a administração direta. Da mesma forma que tem poder para desapropriar, ele tem poder de recolher tarifas e preços públicos, o que o equipara à figura de um ente federado limitado ao cumprimento dos objetivos comuns nele previsto.

Quanto à competência dos Consórcios Intermunicipais, são livres as iniciativas que podem tomar os consorciados, respeitados os limites constitucionais e legais. É possível, também, o consórcio receber contribuições de outras entidades ou órgãos do governo, por meio de convênio, contrato ou acordo de qualquer natureza.

A ferramenta do consórcio pode ainda ser conjugada com outro mecanismo essencial para alavancar projetos estruturantes e permitir a integração de esforços com a atividade privada – a Parceria Público Privada.

Parcerias Público-Privadas têm se revelado a melhor saída para a gestão concessionada de projetos estruturantes e operacionalização de serviços essenciais, de forma patrocinada ou administrativa.

A PPP é estratégica – se presta à superação do ônus financeiro acarretado com a implantação e operação de um empreendimento de infraestrutura. Geralmente o custeio abrange a implantação, manutenção, ampliação e eventual descomissionamento do projeto.

A implantação e operação do empreendimento é executada por meio de sociedade de propósito específico (SPE), sociedade anônima ou entidade estatal capacitada, tudo mediante controle regulatório por agência dedicada ou organismo similar conforme cláusulas acordadas pelo consórcio contratante.

A PPP estruturante requer um projeto de financiamento – pernosticamente chamado por alguns especialistas de pelo termo em inglês – project finance.

Projeto de financiamento relacionado a projeto de infraestrutura é forma de engenharia financeira suportada contratualmente pelo fluxo de caixa do empreendimento, servindo como garantia os ativos e recebíveis dele mesmo.

O consórcio propicia forma segura de viabilizar PPP e garantir o financiamento do projeto. No entanto, essa possibilidade de garantia se amplia em larga escala com a possibilidade dos Estados e União participarem da iniciativa, aportando verbas. Entretanto, a União somente poderá participar de consórcios públicos em que também façam parte os estados em cujos territórios estejam situados os municípios consorciados.

O instituto, portanto, representa fator de empoderamento das iniciativas intermunicipais.

A maior atratividade na catalisação de investimentos privados e financiamentos, como já dito, amplia o poder de barganha dos consorciados junto aos poderes Estadual e Federal, quando não os integra no esforço de forma mais efetiva, contratualmente assigurada.

Surpreende, portanto, não haver maior iniciativa do próprio governo federal e governos estaduais em incentivar a prática do consórcio intermunicipal, pois ele representa importante possibilidade para municípios de pequeno porte.

Considerando que o Brasil possui mais de 4 mil municípios com menos de 20.000 (vinte mil) habitantes, a iniciativa do consórcio permitiria a estes cumprir com várias das obrigações que lhes são cominadas por lei.

Um bom exemplo está no saneamento básico, em especial o cumprimento das obrigações previstas na Lei de Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Se um Município de cerca de 5 mil habitantes decidisse investir na implantação de um aterro sanitário, tecnologicamente adequado aos padrões de qualidade ambiental, com equipamentos caríssimos e mão de obra especializada, tal investimento não seria financeiramente viável – como de fato não é, ou seria desaprovado pelo Tribunal de Contas.

Contudo, se fosse fruto da soma de esforços articulada em um Consórcio Intermunicipal, todos os envolvidos seriam responsáveis por viabilizar a obra, o que facilitaria a busca de recursos econômicos, com gastos e esforços rateados entre os consorciados.

O mesmo conceito e regime de licitação pode ser aplicado de forma consorciada para todos os serviços divisíveis e indivisíveis de interesse regional, que envolvem alto investimento, como saúde, tecnologia, gestão de recursos hídricos, tratamento de água e esgoto etc.

Trata-se, portanto, de um instrumento que, se corretamente aplicado, poderá ensejar amplas possibilidades aos Municípios, sobretudo no que tange à captação e execução de empreendimentos de infraestrutura, extremamente necessários, mas vultosos.

Resta claro que, se bem aplicadas as regras apresentadas, e bem fiscalizadas as aplicações dos recursos obtidos pelos Consórcios Intermunicipais, há uma saída para os municípios na resolução de problemas regionais, atendendo ao interesse econômico e social previsto na Constituição Federal.

Basta vontade política, unidade de propósitos, capacitação gerencial e iniciativa.
afpp3Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.

 

jorgesuzukiJorge Brunetti Suzuki é advogado (Faculdade de Direito de Franca), especializado em Direito Ambiental, residente em Guadalajara – México.


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