CRIME AMBIENTAL – RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

crimeambiental

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro

A criminalização da conduta da Pessoa Jurídica

O propósito do presente artigo é esmiuçar um pouco a questão da aferição da responsabilidade penal da pessoa jurídica, face ao crime ambiental.

Crime é um fato típico, antijurídico e culpável.

A dificuldade, no entanto, surge para o operador do direito quando o crime é ambiental e atribuído a pessoas jurídicas, entes morais, não naturais. Esse tema enseja grandes discussões e possibilidades doutrinárias.

A Constituição Federal estendeu imputabilidade penal à pessoa jurídica ao dispor, no art. 225, §3º, que “condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, sujeitarão infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

A Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal 9.605/98), dez anos após a promulgação da Carta, definiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica, bem como das pessoas naturais (diretores e funcionários daquela), dispondo as hipóteses nos seus artigos 2º e 3º.

Diz a lei que a pessoa jurídica responde criminalmente, quando a infração for cometida “por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”.

A hipótese de imputação é bastante estreita. Segue a escola do jurista Otto Gierke, mestre do direito corporativo alemão. Gierke desenvolveu a Teoria da Realidade ou da Personalidade Real. Nela, a pessoa jurídica possui personalidade e vontade própria. É capaz para agir e, também, incorrer em ilicitude penal.
Crime ambiental é crime econômico

O direito penal ambiental tem natureza econômica.

Nesse complexo campo, os agentes econômicos possuem vontade própria – obedecem fluxogramas, organogramas e roadmappings gerados a partir do somatório da vontade individual de seus membros dirigentes.

A vontade da pessoa jurídica se manifesta pela vontade pessoal do dirigente legitimado a tanto, pela reunião, deliberação e voto dos sócios, acionistas, diretores ou membros do conselho de direção. A vontade constitui, portanto, elemento essencial para imputar responsabilidades.

Essa manifestação de vontade, do ente jurídico por meio do seu órgão, foi denominada por Pontes de Miranda como “presentação”.

O juízo de culpabilidade do ente encontra-se, portanto, moldado às suas próprias características estruturais, e a reprovação baseia-se na exigência de conduta diversa da encetada pela pessoa jurídica – que seja perfeitamente possível nessas condições orgânicas.

Assim, há necessidade de buscar um liame entre a atitude dos responsáveis legais e o ato atribuído à entidade, não só para definir a responsabilidade do ente como também a responsabilidade dos agentes naturais que o compõem. Essa busca também é importante para que se possa inocentar sócios minoritários e dirigentes sem relação com a infração cometida.

Como investigar?

A apuração de autoria e conduta, face à materialidade ou risco aferido, é outra questão ainda pouco compreendida.

A investigação deve apurar, objetivamente, indícios de participação das instâncias decisórias da empresa na conduta criminosa imputada.

Atas, protocolos, memorandos, circulares, manuais técnicos, planos de emergência e treinamento, poderão tornar-se objeto de investigação criminal, na busca de elementos de culpa da empresa nos delitos ambientais.

O investigador atua como se auditor fosse…

A aferição da prova testemunhal é fator essencial pois, não raro, o testemunho sofre ingerência de conflitos de ordem trabalhista e pessoal, e a prova pode resultar viciada por depoimentos de ex-empregados rancorosos, acionistas descontentes, cônjuges de diretores e proprietários em processo de separação ou mesmo concorrência desleal…

Medidas de controle para evitar abusos de autoridade e corrupção tornam-se, portanto, necessárias por parte do Poder Público.

Por outro lado, os procedimentos gerenciais e preventivos mais rigorosos devem ser adotados pelas empresas.

O compliance ambiental, os programas de gestão, a governança e a consultoria de risco institucional, constituem instrumentos preventivos importantes.

A sólida jurisprudência… contra os pequenos.

Outro aspecto a ser apontado é a fraca jurisprudência originada da apuração de crimes ambientais praticados por grandes empresas, corporações multinacionais ou pessoas jurídicas de direito público de expressão nacional.

Não que não existam fatos imputáveis a esses grandes agentes econômicos… porém, o fato é que a persecução penal aparenta fragilizar-se ante o poderio econômico. Isso traz consequências funestas para a efetividade da lei penal.

Como lecionava Gofredo da Silva Telles “numa sociedade onde há fracos e fortes, a liberdade excessiva escraviza, o direito liberta”.

A lição do velho mestre vem bem a calhar, pois a proposta original da Lei de Crimes Ambientais era buscar efetivamente a responsabilização das grandes corporações, das pessoas jurídicas de direito público, dos grandes empreendedores, os quais, não raro, por mera decisão orçamentária, ou conveniência financeira, adotam posturas de risco e provocam desastres de proporções sinérgicas, cujos efeitos se farão sentir muitos anos após cometido o delito.

Infelizmente, no entanto, a administração da justiça brasileira ainda nos deve uma jurisprudência que atenda à proposta original da Lei.

Ocorre que a covarde estrutura burocrática brasileira, pusilânime face aos poderosos e arrogante com os fracos, ao invés de buscar a implementação efetiva da norma penal ambiental – reprimindo ocorrências de contaminação criminosa em larga escala, gestão temerária de resíduos e outras condutas de periculosidade real – dedicou-se a semear interpretações draconianas sobre tipos penais de menor potencial ofensivo, também constantes no diploma legal.

O efeito desse descalabro se fez sentir todos esses anos na fragilização da norma e na desconfiança de empresários e administradores públicos quanto à sua real utilidade.

Basta conferir quem são as partes envolvidas nas jurisprudências festejadas…
afpp3Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.

 

 

 


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