DEMOCRACIA É FUNDAMENTAL PARA A ECONOMIA VERDE

Antonio Fernando Pinheiro Pedro

Antonio Fernando Pinheiro Pedro

 

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro

 

Escassez, razão da Economia

 

A crescente escassez de insumos energéticos, da água e dos recursos pesqueiros, tem obrigado operadores das grandes economias a planejar saídas para os impasses que se avizinham.

Essa escassez afeta e afetará ainda mais as relações internacionais nos próximos anos.

O vetor ambiental é, hoje, parte integrante do planejamento econômico. Ele compõe o produto interno bruto e aparece como componente de risco avaliável em todos os países.

Isso constitui a razão de ser da Economia Verde, objeto central da agenda da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável realizada em 2012, no Rio de Janeiro.

Como “espectador engajado”, da evolução da questão, antes, durante, e após as Conferências da ONU de 92 e de 2012, entendo necessário resgatar conceitos e fazer um alerta quanto à efetividade da nova Economia Verde, antes que o cipoal de conflitos humanitários e financeiros retirem o foco sobre a questão, que é a chave para a resolução desses problemas.

O termo “economia” é atribuído a Xenofonte, na Grécia antiga, soma OIKOΣ (casa) com NOMH (distribuição) — ou NOMO (lei).

A distribuição de recursos necessários ao consumo humano, sua escassez no ambiente, e as normas emanadas da autoridade para sua extração ou produção, distribuição e consumo, interligam a ecologia (cuja raiz— casa, é a mesma de economia) e o direito – a primeira uma ciência recente, o segundo, uma arte milenar.

Economia é a ciência da administração da escassez. Logo, a escassez é a razão da economia.

Assim, o tratamento ecológico de recursos ambientais, cada vez mais escassos, configura atividade econômica.

Portanto, à luz da economia, faz-se necessário tutelar os recursos ambientais, para orientar seu uso racional – o que implica em identificar e instituir funcionalidade a esses recursos – economicamente, ecologicamente e legalmente.

 

Economia Verde e democracia

 

Nesse sentido, a definição correta para economia verde seria: “Conjunto de princípios, normas, métodos e ferramentas da administração dos recursos que visa conferir funcionalidade ambiental à atividade econômica e funcionalidade econômica à proteção ambiental”.

Essa articulação de funcionalidades é cara e complexa. Implica profunda transferência de recursos, principalmente financeiros.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente estimou em 2% do PIB global o aporte anual — cerca de US$ 1,3 trilhão, a partir de 2012, até 2050, para fazer funcionar uma economia de baixo carbono e ecoeficiente.

Esse investimento global deve ser destinado a dez setores-chave: agricultura; edificações; energia; pesca; silvicultura; indústria; turismo; transporte; água e gestão de resíduos.

Energia, se observarmos bem, perpassa todos os demais setores. Todos os setores também geram resíduos.

A água é a grande “pegada” da economia global. Já pode ser considerada integrante do rol dos recursos estratégicos a serem garantidos militarmente. Aliás, nos conflitos humanitários observados no mundo, água já é arma de guerra.

Portanto, a grande armadilha a ser evitada, a partir da questão da água, é deixar que a sustentabilidade sirva de pretexto para práticas políticas insustentáveis…

Assim, imprescindível reconhecer que a economia verde não subsistirá sem democracia.

O direito, juntamente com a economia e a ecologia, impulsiona a construção da estrutura normativa na nova economia verde.

Essa construção se baseia nos 27 princípios estabelecidos na Carta das Nações Unidas editada em 1992, integralmente ratificada na Conferência do Rio de 2012.

Há um cuidado especial, entretanto: deve a estrutura legal da nova economia resgatar o humanismo como elemento central, e a erradicação da pobreza e das disparidades regionais como objetivo principal.

Outro não é o sentido do princípio 1 da Carta de Princípios da Conferência de 1992, que declara o ser humano como “centro das preocupações do desenvolvimento sustentável”. Destaca-se também o princípio 4 da mesma declaração, que sentencia: “Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste.”.

Os princípios acima destacados servem de alerta contra as principais armadilhas comportamentais da nova economia globalizada: o biocentrismo, a estadolatria ecofascista e neocolonialismo ecocêntrico.

O biocentrismo desloca o ser humano do centro das preocupações com o equilíbrio ambiental.

Para o biocentrista, a “natureza original” opõe-se à “barbárie humana”. Como reação à isso, se faz necessário a segregação das necessidades humanas, uma ação desproporcional que se justifica pela chamada “revolta do objeto” —termo muito utilizado por engravatados investidos de autoridade ambiental em nosso país. O que talvez esses repetidores não saibam é que o mantra foi atribuído ao Reichführer Hermann Göring, em discurso quando editadas as leis que compunham o Código Ecológico do Terceiro Reich…

A estadolatria ecofascista é, portanto, expressão política do biocentrismo. O Estado-pai passa a relativizar direitos fundamentais, estigmatiza progressivamente comportamentos individuais e opções comportamentais. O que não é “politicamente correto” passa a ser contrário ao “interesse público”.

Como num pesadelo orwelliano, condutas “nocivas”, uma vez criminalizadas, alertam didaticamente para a adoção do medo como meio de controle.

O efeito burocrático é devastador, ocorrendo entropia corporativa cartorial, concentração econômica em larga escala e suspeição integral da livre iniciativa.

Com exceção dos bancos, tudo o mais passa a integrar uma economia de risco integral.

Nessa “bancalização” da economia, reativa o velho e não menos nocivo neocolonialismo ecocêntrico. Esse fenômeno gera uma tendência a relativizar a soberania nacional, submetendo-a ao “interesse global” no “bom uso” dos recursos naturais.

O combate às políticas públicas desenvolvimentistas nos países emergentes, capitaneadas por organismos não governamentais com interesses inconfessáveis, articula-se, assim, com a introdução de barreiras não tarifárias, quase sempre relativizando valores de produtos importados pelos blocos econômicos dominados pela Europa, China, Japão e Estados Unidos. Por óbvio que esse movimento concentra renda, poder e reduz as chances de milhares de países alcançarem algum padrão de desenvolvimento.

Nesse mar bravio, em meio a crises cada vez mais frequentes e cíclicas, o mundo aporta buscando segurança. Para tanto, ocorre aporte de verbas cada vez maiores para os setores-chave enumerados pelas Nações Unidas, visando implementar uma economia mais ecoeficiente.

No entanto, repita-se, há que se cuidar do resgate do humanismo, da busca pela igualdade de armas no comércio internacional e, sobretudo, o respeito às instituições democráticas, sem as quais a economia verde, como as demais, sucumbirá manchada pelo sangue de uma humanidade em guerra pelos recursos mais elementares existentes em nosso planeta.

Não há sustentabilidade fora do Estado Democrático de Direito.

 

 

afpp3Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.

 

 

 

 


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