DESMATAMENTO LEGAL ZERO

O desmatamento ilegal é um dos temas mais relevantes da problemática ambiental no Brasil

1443294_445543

 

Por Paulo de Bessa Antunes*

A recente cúpula do clima[1], convocada pelo presidente Joe Biden, marcou o reencontro dos Estados Unidos com a agenda ambiental da comunidade internacional. No encontro o presidente Jair Bolsonaro assumiu compromisso, em nome do Brasil, com o desmatamento ilegal zero em 2030 e a neutralidade de carbono em 2050. “Determinei que nossa neutralidade climática seja alcançada até 2050, antecipando em 10 anos a sinalização anterior. Entre as medidas necessárias para tanto, destaco aqui o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030″.

A questão do desmatamento ilegal é, sem dúvida, um dos temas mais relevantes da problemática ambiental nacional. Antes de enfrentar a matéria, faz-se necessário indicar que a Lei nº 12.651/2012, artigo 3º, VI [2] [novo Código Florestal] autoriza o uso alternativo do solo em percentuais diferentes, conforme as regiões do país. Em sentido contrário, há a obrigação de manutenção da reserva legal [cobertura de vegetação nativa], nos seguintes termos, quando:

1) localizado na Amazônia Legal:
a) 80% (oitenta por cento), no imóvel situado em área de florestas;
b) 35% (trinta e cinco por cento), no imóvel situado em área de cerrado;
c) 20% (vinte por cento), no imóvel situado em área de campos gerais e quando
2) localizado nas demais regiões do País:
20% (vinte por cento) [Lei nº 12.651, artigo 12].

Além de tais espaços, o Novo Código Florestal estabelece que as áreas de preservação permanente [APP] devem ser mantidas intactas, salvo em condições especiais quando presente o interesse público [utilidade pública ou interesse social]. Ademais, relembre-se que, como regra geral, o corte de vegetação nativa deve ser autorizado pelo órgão ambiental competente.

No Brasil, nem tudo é desmatamento. Há determinadas áreas no país nas quais a cobertura vegetal tem se ampliado como é o caso do estado de São Paulo, onde houve crescimento de 4,9% da cobertura vegetal nativa[3].

No estado do Rio de Janeiro, pesquisa realizada pelo INEA mostrou que o volume da floresta nativa no estado manteve-se relativamente estável entre 2007 e 2018, com a ocupação de 30% da área total do território fluminense ou 1,3 milhão de hectares.[4]

Dados disponíveis até 2015 mostram que, também no Espirito Santo, a cobertura vegetal foi ampliada[5].

Alguns outros exemplos podem ser dados. Todavia, a questão principal no que diz respeito ao desmatamento não está na área de incidência da Mata Atlântica que, inobstante os dados acima, tem apresentado desflorestamento entre 2018 e 2020, “apenas 12% da área original da Mata Atlântica restou no Brasil.

De acordo com o relatório da Fundação SOS Mata Atlântica, o desmatamento na região cresceu 27%, entre 2018 e 2019, revertendo uma tendência de queda que vinha desde 2016. Entre 2017 e 2018, houve uma redução de 9,3% em comparação com o período anterior. O estudo mostra que 14.502 hectares foram desmatados entre 1º de outubro de 2018 e 30 de setembro de 2019, comparados a 11.399 no mesmo período entre 2017 e 2018.” [6]

O desmatamento na Amazônia e no Cerrado[7] é um fato que não pode ser desconsiderado. “Depois de uma leve queda em 2019, o desmatamento no Cerrado, o segundo maior bioma brasileiro, segue a tendência da Floresta Amazônica e registrou aumento em 2020. Segundo o monitoramento anual feito pelo sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre agosto de 2019 e julho de 2020 a destruição foi de cerca de 7,3 mil km², um aumento de 12,3% em relação ao mesmo período do ano anterior.”

Em função da importância do Brasil no contexto da proteção da biodiversidade internacional, pois “quase um quarto de todos os peixes de água doce do mundo – mais precisamente 23% – estão nos rios brasileiros. Assim como 16% das aves do planeta, 12% dos mamíferos e 15% de todas as espécies de animais e plantas”[8] e que “a floresta Amazônica representa um terço das florestas tropicais do mundo, além de conter mais da metade da biodiversidade do planeta. O desmatamento na região representa hoje a liberação de 200 milhões de toneladas de carbono por ano (2,2% do fluxo total global).”.

Destarte, há grande preocupação internacional com a proteção da diversidade biológica no Brasil. Esta preocupação é legal e legítima, pois presente em acordos internacionais firmados pelo Brasil os quais é reconhecida a “responsabilidade comum, porém diferenciada” para a proteção da biodiversidade.

Em função do contexto acima, as principais empresas exportadoras de produtos agrícolas e mesmo os produtores estão, cada vez mais, assumindo compromissos de desmatamento legal zero (DLZ), ou seja, não pretendem negociar produtos originários de quaisquer áreas desmatadas, até mesmo legalmente[9].

A postura dos setores dinâmicos do agronegócio é importante, pois parte de uma compreensão moderna da importância da proteção ambiental no comércio internacional, da importância das florestas para a sobrevivência do próprio negócio. Tal compreensão, entretanto, não parece ser compartilhada pelo atual governo brasileiro que se limita a tímidas declarações de intensão, no que tange a dar cumprimento à legislação vigente, o que é claramente insuficiente.

Os setores dinâmicos do agronegócio compreenderam com muita clareza que é possível o crescimento da agricultura e da pecuária em áreas degradadas, pelo aumento da produtividade e, sobretudo, que tal crescimento é tributário de florestas vivas e fortes, pois é delas que depende a água, a boa qualidade do solo, a estabilidade do clima e tantos outros mecanismos essenciais para que o agronegócio possa prosperar.

Espera-se que o governo brasileiro possa se incorporar ao necessário DLZ, mudando a atual postura, até mesmo porque fazer cumprir a lei é sua obrigação primária.

 

Notas:
[1] Disponível em < https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2021/04/22/cupula-do-clima-tem-discurso-de-bolsonaro-e-de-mais-39-lideres-mundiais > acesso em 11/05/2021
[2] Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por: …..VI – uso alternativo do solo: substituição de vegetação nativa e formações sucessoras por outras coberturas do solo, como atividades agropecuárias, industriais, de geração e transmissão de energia, de mineração e de transporte, assentamentos urbanos ou outras formas de ocupação humana;
 [3] Disponível em < https://www.sosma.org.br/noticias/1090641968/ > acesso em 11/05/2021
[4] Disponível em < https://www.portalmultiplix.com/noticias/meio-ambiente/estado-do-rio-de-janeiro-registra-reducao-do-desmatamento-da-mata-atlantica > acesso em 11/05/2021
[5][5] Disponível em < https://www.folhavitoria.com.br/geral/noticia/04/2018/mata-nativa-do-espirito-santo-apresenta-crescimento-equivalente-a-27-mil-campos-de-futebol > acesso em 11/05/2021
[6] Disponível em < https://www.redebrasilatual.com.br/ambiente/2020/05/desmatamento-mata-atlatica-relatorio/ > acesso em 11/05/2021
[7] Disponível em < https://www.dw.com/pt-br/desmatamento-no-cerrado-volta-a-crescer-em-2020/a-56016083 > acesso em 21/05/2021
[8] Disponível em < https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45203830 > acesso em 21/05/2021
[9] Disponível em < https://www.moneytimes.com.br/tradings-de-soja-do-brasil-se-comprometem-com-desmatamento-zero-a-partir-de-2020/ > acesso em 21/05/2020

 

paulo-bessa-300x246*Paulo de Bessa Antunes é Advogado, Professor Associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, foi Procurador Regional da República – Ministério Público Federal por trinta anos. É presidente da União Brasileira dos Advogados Ambientais – UBAA

 

Fonte: The Eagle View
Publicação Dazibao, 26/05/2021
Edição: Ana A. Alencar

 

 

As publicações não expressam necessariamente a opinião da revista, mas servem para informação e reflexão.

 

 

 


Desenvolvido por Jotac