Do registro de cultivares geneticamente melhoradas e do direito dos obtentores

Por Jorge Brunetti Suzuki

A necessidade de safras e plantios mais produtivos e rentáveis vem, cada vez mais, alavancando o desenvolvimento global de cultivares geneticamente modificadas, obtidas por meio de cruzamentos entre indivíduos de uma mesma espécie com objetivo de produzir sementes e mudas com características específicas, determinadas conforme a meta do obtentor.

O próprio mercado demonstra a pertinência de tal prática, apontando que espécies que recebem mais investimento em pesquisas de melhoramento oferecem melhores resultados ao produtor agrícola.

Dessa situação surge, paralelamente, a necessidade de assegurar aos obtentores de cultivares geneticamente melhoradas o direito sobre as variedades que desenvolvem, como forma de compensação por seu investimento em pesquisa e produção.

As primeiras deliberações nesse sentido foram traçadas pela União Internacional para Proteção de Obtenção de Vegetais (UPOV), cuja ata de 1978 foi ratificada pelo Brasil em 1999.

Em nosso país, a liberação da produção, comercialização e utilização de novas cultivares e a proteção do direito do obtentor seguem ritos distintos, porém interdependentes. Isso porque de nada adianta um cultivar protegido e não autorizado para comercialização, ao passo que uma espécie nova, se plantada e não protegida, priva seu obtentor dos royalties a que tem direito.

O Registro Nacional de Cultivares (RNC), criado pela Lei Federal nº 10.711/03 e regulamentado pelo Decreto Federal nº 5.153/04, é o cadastro de cultivares habilitadas para plantio e comércio de sementes e mudas em território nacional.

Consiste basicamente em um instrumento de ordenação do mercado, que garante ao agricultor a aquisição de espécies testadas e validadas face às diversas condicionantes que permeiam a produção agrícola e a biodiversidade brasileira, visto que arrola todas as cultivares nacionais e estrangeiras aprovadas pelo RNC.

Para o registro, a pessoa física ou jurídica que obtiver os direitos sobre a espécie deve comunicar ao RNC o início e local em que serão efetuados os ensaios de Valor de Cultivo e Uso (VCU), que consiste na mensuração das características agronômicas da cultivar em relação às suas propriedades de uso em atividades agrícolas, comerciais e de consumo.

Uma vez aprovado o VCU, caberá ao requerente demonstrar à Coordenação de Sementes e Mudas (CMS) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) que sua espécie é estável, homogênea e distinta daquelas já arroladas no RNC, obtendo, assim, a inscrição do cultivar.

Quanto à proteção do direito do obtentor, esta será requerida junto ao Serviço Nacional de Proteção de Cultivares (SNPC), órgão instituído pela Lei Federal nº 9.456/97 e regulamentado pelo Decreto Federal nº 2.366/97, incumbido da garantia da propriedade intelectual pela obtenção de novas espécies.

A proteção dos direitos intelectuais será efetuada por meio de Certificado de Proteção a Cultivar, e envolve as seguintes possibilidades: i) nova cultivar; ii) cultivar essencialmente derivada; e iii) outras espécies de cultivar, cujo pedido de proteção tenha sido feito a menos de 12 meses da divulgação dos descritores da espécie e a menos de 10 anos do início de sua comercialização.

Cumpre ressaltar que a proteção ao direito do obtentor depende de comprovação do melhoramento genético da nova variedade, de sua não comercialização no exterior nos 4 ou 6 anos anteriores ao requerimento, dependendo da espécie, e de sua não comercialização no Brasil no ano anterior ao mesmo requerimento, além de prova de distinção, homogeneidade e estabilidade do cultivar.

O Certificado de Proteção a Cultivar garante ao obtentor exclusividade sobre a propriedade intelectual da variedade desenvolvida por 15 ou 18 anos, dependendo da espécie.

Contudo, tal prerrogativa encontra exceções, valendo destacar: i) o direito de reserva de sementes para safras posteriores livre de royalties; ii) o direito de uso de sementes e mudas pelo pequeno produtor rural; e iii) os direitos de melhorista, que consistem na prerrogativa de livre trabalho do cultivar em pesquisas científicas ou trabalhos de melhoramento vegetal.

A conjugação dos institutos acima mencionados é de grande valia para todos os setores envolvidos. Sua ampla abrangência garante o retorno financeiro do investimento feito pelo setor privado em melhoramento genético, ao passo que oferece ao produtor espécies cada vez mais rentáveis safra a safra.

Merece destaque, ainda, a clareza dada pelo RNC e pelo SNPC em seus respectivos procedimentos de registro e certificação, que fornecem aos requerentes agilidade na lida com a administração pública, sobretudo em um país em que barreiras burocráticas são mais conhecidas e freqüentes que incentivos.

Contudo, há pontos a serem melhorados: o prazo do direito conferido ao obtentor é menor que em outros países signatários da UPOV, deixando os melhoristas em posição de desvantagem em relação ao resto do mundo, bem como as exceções a esse direito devem ser mais claras, no sentido de evitar o uso indevido de mudas e sementes, evitando, inclusive, o comércio pirata de espécies protegidas.

Tramitam, atualmente, alguns Projetos de Lei que pretendem atender tais questionamentos e complementar o quadro normativo vigente, mas ainda sem previsão de entrada dos mesmos em pauta de votação.

O que resta claro, ao final, é a pertinência do Registro Nacional de Cultivares e do Serviço Nacional de Proteção de Cultivares. Em um país com o potencial agrícola do Brasil, incentivar a pesquisa de novas espécies e o comércio exclusivo de sementes e mudas registradas é um excelente caminho de incremento à economia e à preservação das condições naturais e de biodiversidade, que deve ser cada vez mais desenvolvido e tratado como exemplo e tendência.

Jorge Brunetti Suzuki é advogado associado ao Escritório Pinheiro Pedro Advogados. Atua na Área de Direito Ambiental.
E-mail: jorge@pinheiropedro.com.br


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