Eduardo Bolsonaro: O “refém” da aliança entre EUA e Brasil

Repetindo uma tradição ancestral na história da diplomacia mundial, o filho do presidente brasileiro cumprirá missão estratégica

 

Eduardo Bolsonaro apontado como "o cara" pelos presidentes dos EUA e do Brasil (foto-instagram)

Eduardo Bolsonaro apontado como “o cara” pelos presidentes dos EUA e do Brasil (foto-instagram)

 

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*

O presente artigo busca ressaltar elementos que justificam a escolha do Presidente Jair Bolsonaro por ver o Brasil representado na embaixada de Washington por seu filho, Eduardo Bolsonaro – indicação essa já aprovada pelo presidente norte americano Donald Trump e que necessitará percorrer as instâncias do Senado Federal brasileiro, para se consolidar.

Uma escolha descolada do embate de factoides

Já me referi em artigos anteriores, à dificuldade de se enxergar uma orientação estratégica na sistemática busca do Presidente Jair Bolsonaro por se engajar no embate de factoides – prática que termina obnubilando as transformações estruturais em curso no Brasil e empalidecendo importantes conquistas do governo.

Dentre esses embates de factoides, surgiu uma aparentemente desgastante intenção do presidente de nomear seu filho, Eduardo Bolsonaro, embaixador do Brasil junto à maior potência ocidental – os Estados Unidos da América.

Eduardo Bolsonaro tem mérito pessoal. Mas, obviamente, não todos os méritos técnicos e de experiência objetivamente necessários para, aos trinta e cinco anos, ocupar o mais importante posto diplomático depois do Chanceler. Ainda que venha a ter todos os méritos e preencher todos os requisitos, a confirmação do filho vai aparentar um rompimento unilateral da promessa de campanha do presidente, de se seguir uma conduta meritocrática e desprovida de subjetividades na nomeação para cargos públicos.

Esse fato, e todo o risco assumido de se processar um desgaste com parlamento, diplomacia e eleitorado, me levou a subir alguns degraus acima da polêmica para, então, enxergar um significado estratégico maior… que pode sim, desconectar o episódio da nomeação para a embaixada em Washington, do embate de factoides que ocupa o cenário midiático do governo Bolsonaro.

Na verdade, na procura de firmar relação diplomática estratégica com os EUA, Bolsonaro pretende manter uma linha de absoluta e pessoal confiança – transcendente diplomacia técnica, e nesse sentido, lança mão de um quadro com vinculação familiar, mas que também possui a credencial política de ser o mais votado parlamentar da história do Brasil e ocupar a presidência da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados – um dos mais prestigiados órgãos do parlamento nacional.

O significado da indicação de Eduardo Bolsonaro remonta a tradições ancestrais no direito internacional e na formação da história da diplomacia.

A retomada de uma tradição ancestral

A técnica da diplomacia moderna se inicia com a Paz de Vestfália, firmada em 1648 – quando surge efetivamente o moderno conceito de Estado-nação. No entanto, a razão moral das atividades relacionais entre os povos e seus governos antecede à técnica impessoal construída nos Estados modernos e remonta à antiguidade, quando aqueles comerciavam entre si, enviavam embaixadores, vinculavam-se por meio de tratados e outras formas de obrigação.

Na Mesopotâmia já havia o Tratado de Lagash e Umma, que estabelecia o regime de fronteiras entre as cidades. No oriente médio havia o Tratado de Cadexe, concluído entre Ramsés II, Faraó do Egito e Hatusil III, Rei dos hititas – isso no século XIII a.C

Os gregos também reconheciam e praticavam os institutos da inviolabilidade dos embaixadores, do respeito aos tratados e do recurso à arbitragem.

A exceção ocorreu com Roma, que nunca se submeteu a um Direito Internacional – porém o desenvolveu em outras bases, a partir do Ius Gentium – um regime jurídico aplicado aos estrangeiros e tutelado pelos pretores romanos.

Já na Idade Média, a doutrina católica fez do Papa o grande árbitro dos conflitos entre os reinos.

A Igreja também desenvolveu a chamada “humanização da guerra”, introduzindo a “Paz de Deus” – que diferenciava elementos beligerantes da população civil, proibindo a destruição de colheitas e exigindo o respeito aos camponeses, aos viajantes e às mulheres. A Igreja também desenvolveu o mecanismo da “Trégua de Deus”, por meio da qual instituía uma trégua no domingo e nos dias santos. O maior legado, no entanto, da Igreja – e do cristianismo como um todo, para o Direito Internacional, foi o conceito de “Guerra Justa” – tecido através da doutrina de Santo Ambrósio, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, por meio do qual uma “guerra seria justa caso fosse declarada pelo príncipe, tivesse por causa a violação de um direito e pretendesse reparar um mal”.

Pois bem, há um expediente em todo esse período que permaneceu o mesmo, da Mesopotamia à Pax Romana, passando pela Idade Média e seguindo até a profissionalização da diplomacia: todos os tratados eram garantidos com a troca de reféns – os quais raramente se tornaram “prisioneiros” e, sim, integradores culturais e políticos – de Alexandre o Grande, da Macedônia à mesclagem das casas reais na história atual.

Assim, continua sendo uma demonstração de confiança entre Estados, o envio de um representante ligado por sangue ao dirigente do país diplomaticamente representado. Não se trata de “nepotismo”, ou interferência subjetiva nos negócios de Estado mas, sim, uma enorme demonstração de respeito e confiança no estreitamento das relações entre os países.

Esse o significado da missão que pretende Bolsonaro ver cumprida por seu filho.

A nova situação geopolítica

O cenário internacional, por sua vez, pode estar a determinar esse tipo de expediente, pois o Brasil não apenas enfrenta um embate de barreiras de cunho ideológico e não tarifárias eurocêntricas como também encontra-se “cercado” no próprio continente, senão vejamos:

No continente sul americano, há bases das forças especiais norte-americanas no entorno do território brasileiro, desde as Guianas até o Paraguai.

A Colômbia, que já possui forças estadunidenses ali aportadas, foi admitida como membro efetivo da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), estendendo suas relações militares com a Europa (com o detalhe geográfico da Colômbia estar situada em pleno equador e ter sua costa voltada predominantemente para o oceano pacífico, restando uma pequena parte voltada ao Mar do Caribe – o que justificaria estar no tratado do Atlântico Norte).

A Venezuela encontra-se sob a tutela militar efetiva de Rússia, China e Cuba. Sua estrutura interna de poder – ditatorial, belicista e absolutamente ruinosa, busca justificação contínua a partir de eleições pontuais de inimigos esternos – e o Brasil está nessa lista. O ditador “Maduro” reina absoluto na Venezuela, cercado por uma ordem militar sem honra ou dignidade – deve ser considerado, portanto, um fator permanente de risco à segurança regional.

O crime organizado, por outro lado, articula esforços com organizações terroristas importando armamentos pesados, pagos com o tráfico de drogas, visando implementar atividades subversivas desestabilizadoras com fulcro estratégico de perenizar o cultivo e o comércio da droga usando o território brasileiro não mais como “passagem” e, sim, como sede financeira e centro consumidor.

Tornou-se essencial, portanto, ao governo brasileiro – que está reconstruindo sua autoridade no campo internacional, resgatar o controle territorial e adotar de um planejamento econômico, uma estratégia de defesa e uma política de alianças acorde com o conceito de soberania afirmativa. O conceito permite ao Brasil adotar uma posição de busca por consolidar sinais exteriores de domínio efetivo sobre o território nacional, implantando infraestrutura e mudando o diálogo ante o proselitismo biocêntrico e identitário internacional.

No campo do eurocentrismo, é fato que a diplomacia brasileira por décadas vegetou na subserviência ideológica em nome de interesses politicamente corretos, ecológicos, ou engajados nos interesses do carcomido proselitismo socialista “do século XXI”. Isso sempre rendeu desvalorização das commodities brasileiras e restrição à expansão do comércio.

O país, agora, procura repelir a relativização da soberania nacional – presente como uma grande sombra em todo esse período.

Essa relativização da soberania nacional, por sua vez, é sinérgica – estende-se para conceitos como a indigitada “Justiça Ambiental”, que no âmbito internacional inclui aspectos e conflitos de natureza ideológica, étnica, social, religiosa e fundiária, ao contrário da visão unicamente ecológica, reduzida e estreita, praticada no Brasil.

Nesse ponto, compreendi desde o início, a importância histórica do governo do Capitão.

Ao buscar desenvolver esse conceito de Soberania Afirmativa, percebo que o governo de Bolsonaro também compreende que a libertação das amarras da relativização passa pela adoção de um postura de reação à Soberania Relativa – conceito dissimuladamente aplicado em todos os novos tratados internacionais inspirados na chamada Nova Ordem Mundial, que entende haver direito à soberania como um bem a ser reclamado e não mais respeito à soberania como um fato jurídico presumido. Destarte, pretende o establishment mundial estabelecer que o respeito à soberania implicará em afirmação material de um controle soberano do Estado sobre o seu território – e nisso não encontra, hoje, guarida nos governos dos EUA, da Rússia e do Brasil.

A China segue passos próprios, mas também desenvolve linha diplomática bastante peculiar, engajada aos seus interesses globais e claramente hegemônicos no comércio internacional. Em sendo a principal parceira comercial do Brasil, há necessidade do país melhorar consideravelmente sua posição diplomática em relação à China, reforçando o eixo norte-sul com os EUA e, dessa forma, evitar uma indesejada dependência (que aliás, já possuiu com o próprio país da américa do norte).

 

Eduardo Bolsonaro com Antonio Fernando Pinheiro Pedro (foto RB)

Eduardo Bolsonaro com Antonio Fernando Pinheiro Pedro (foto RB)

 

Uma missão ideológica e de concertação

Nesse sentido, em Washington, Eduardo Bolsonaro cumprirá a missão de articular a rede de resistência à Nova Ordem Mundial – a partir da embaixada melhor aparelhada para tanto no ciclo de relações internacionais – sediada na capital dos Estados Unidos da América, cujo atual dirigente mantém firme afinidade ideológica com esse combate.

Por óbvio que isso implica em ressuscitar a política de integração cultural com o envio de “refém”, pois o vínculo direto com o chefe de Estado brasileiro, e afinidade ideológica com o chefe de estado norte americano , pode facilitar muito a mudança de referências intelectuais no campo das relações de Estado, inclusive no campo filosófico, estético, financeiro, comercial e bélico – rompendo laços com o chamado “marxismo cultural” eurocentrista.

“A embaixada em Washington é de uma importância extraordinária e é onde acontecem as interlocuções e os diálogos mais importantes”, afirmou à revista EXAME o embaixador Marcos Azambuja, que é conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). “É onde está concentrada a maior parcela do poder global”, completou o diplomata.

Além de sede do governo norte-americano, o mais poderoso do planeta, em Washington também estão as sedes do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização dos Estados Americanos (OEA). Sem falar, é claro, nas dezenas de representações diplomáticas de outras potências globais.

“Se o Brasil precisa saber a temperatura das tensões no Oriente Médio, é em Washington que o embaixador irá obter essas informações para então repassá-las ao governo brasileiro”, diz Matias Spektor, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “E a força de um embaixador também depende do acesso pessoal que ele terá ao Palácio da Alvorada.”

O papel de um embaixador, portanto, é não apenas o de representar os interesses brasileiros em outro país, mas também o de estar atento para os movimentos globais, observando o que está acontecendo em outros lugares do planeta. Reunir inteligência, dados e informações que permitam ao governo brasileiro tomar decisões estratégicas e agir em prol de uma nova concertação internacional.

Uma embaixada estratégica

A embaixada brasileira em Washington já foi ocupada por nomes importantes da diplomacia nacional. Foi a primeira representação diplomática a ser designada como embaixada, em 1905, sendo a missão chefiada pelo grande pensador Joaquim Nabuco, o primeiro embaixador brasileiro nos Estados Unidos. A embaixada também foi ocupada por Oswaldo Aranha, em 1934, que, como chanceler foi um dos principais articuladores da criação do Estado de Israel.

Forma a embaixada brasileira o eixo conhecido na diplomacia internacional como “Circuito Elizabeth Arden” – Roma, Paris, Londres e Washington – riquíssimo no campo cultural, intelectual, econômico e social – incluso das artes e da moda. O termo surgiu em referência ao glamour e à elegância da cosmetologista Elizabeth Arden, cujas sacolas de compras estavam sempre repletas das mais renomadas grifes de moda dessas cidades. Curiosamente, a esquerda brasileira sempre tratou de prestigiar o circuito, lotando os cargos de adidos culturais e de relações com quadros notoriamente conhecidos, quando não nomeando os próprios embaixadores mais engajados.

Não por outro motivo, verifica-se nesse circuito os maiores núcleos de resistência e articulação com a mídia local, CONTRA o governo de Jair Bolsonaro. O quadro, porém, irá mudar.

A simpatia do presidente norte americano Donald Trump por Eduardo é evidente. Em março, durante uma visita oficial de Bolsonaro aos Estados Unidos, o deputado foi publicamente elogiado por Trump. Também acompanhou o pai em uma reunião fechada no Salão Oval, um dos principais da Casa Branca. Ernesto Araújo, chanceler do Brasil, ficou de fora desse encontro. Recentemente, respondendo a uma repórter da Rede Globo de Televisão, em Washington, Trump festejou a indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada.

Eduardo Bolsonaro, portanto, como um bom “refém” da era moderna, poderá ser porta-voz confiável nos assuntos mais delicados da relação entre as duas forças do eixo norte-sul no continente americano (do norte, centro e sul). Terá capacidade de informar tanto o governo brasileiro quanto o americano sobre posições que interessem efetivamente a ambos os países, como, também, àquelas contrárias ao interesse de cada um.

Confiança e “olho vivo”

O desafio do indicado será transpor a afinidade com Trump, para informar o governo brasileiro sobre a situação naquele país sem leituras ideologicamente enviesadas – como aliás, de certa forma, ocorria com a chancelaria brasileira nos governos lulopetistas.

No ano que vem ocorrerão as eleições presidenciais nos Estados Unidos e a disputa promete ser dura entre Trump e o candidato escolhido pelos democrata. A complexidade do cenário político norte-americano exigirá proximidade do estamento mais afinado com o governo brasileiro – que estará em seu segundo ano de mandato, e, também, demandará estrita confiabilidade nas informações e análises impessoais e frias, que o representante brasileiro em Washington deverá transmitir a Bolsonaro, considerando não apenas a hipótese de vitória de Trump, mas também a sua derrota.

O experiente embaixador Marcos Azambuja, que foi Secretário-Geral do Itamaraty e serviu como embaixador na França e na Argentina, em entrevista à revista Exame, declarou que “a relação com os Estados Unidos sempre foi boa. No entanto, há um imenso terreno de convergências e divergências”. Segundo Azambuja, o representante diplomático brasileiro deverá manter uma “amizade lúcida e crítica” para evitar um alinhamento automático que desconsidere as diferenças entre os países.

Assim, se do lado norte americano, o chefe de estado já tem como pré-aprovada a indicação, no Brasil, o indicado deverá passar por uma sabatina na Comissão de Relações Exteriores do Senado e, se aprovado, enfrentará o plenário da Casa, na qual precisará da maioria dos 81 senadores.

Para que Eduardo efetivamente assuma o posto, portanto, terá que vencer obstáculos políticos – sujeitos ao clima de “embate de factoides” que acomete o governo de seu pai, Jair Bolsonaro.

No entanto, a nomeação talvez sirva para finalmente firmar uma nova postura soberana e afirmativa do Brasil, que nos últimos trinta anos manteve-se de certa forma servil no cenário internacional, estimulando a verborragia pelo intervencionismo “politicamente correto”, praticado pelas potências eurocêntricas, sob o eterno pretexto da pacificação ante o descontrole territorial ou defesa de garantias fundamentais em caso de agressão a direitos humanos ou do meio ambiente.

Se o Ministro Ernesto Araújo já desenha essa nova postura de afirmação a partir da Chancelaria nacional, o Deputado Eduardo Bolsonaro, indicado embaixador no EUA, poderá ser a ponta de lança nessa batalha pela soberania brasileira contra as armadilhas montadas pela Nova Ordem Mundial e seu establishment.
Notas:

Revista Exame – “Além da Casa Branca: a importância da embaixada do Brasil em Washington”; edição de 3 de agosto de 2019, in https://exame.abril.com.br/mundo/alem-da-casa-branca-a-importancia-da-embaixada-do-brasil-em-washington/

PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “A Guerra de Bolsonaro Pelo Brasil – Os Próximos Passos III”, in Blog The Eagle View, 4 de novembro de 2018, in https://www.theeagleview.com.br/2018/11/a-guerra-de-bolsonaro-pelo-brasil-os.html

PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “Soberania Afirmativa”, in Blog The Eagle View, 23 de setembro de 2013, in https://www.theeagleview.com.br/2013/09/soberania-afirmativa-sobre-nosso.html

PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “Demolição, Fome de Atenção Midiática ou Fragilidade Estratégica?”, in Blog The Eagle View, 16 de julho de 2019, in https://www.theeagleview.com.br/2019/07/demolicao-fome-de-atencao-midiatica-ou.html

 

afpp18*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. Foi consultor do governo brasileiro, do Banco Mundial, da ONU e vários outros organismos encarregados de aperfeiçoar o arcabouço legal e institucional do Estado no Brasil. Integrou o grupo encarregado de elaborar o plano de transição do governo Bolsonaro no campo ambiental. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View”.

 

 

 Fonte: The Eagle View

 

 


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