EXPOSIÇÃO HUMILHANTE REVELA PERVERSÃO INSTITUCIONAL E SADISMO

Nada justifica a indignidade do espetáculo da humilhação com chancela oficial

 

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Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
As regras da moralidade pública exigem tratamento sóbrio e respeito à figura humana até mesmo a homicidas estupradores, que se dirá do resto.

Não é regra gratuita. O comportamento de preservação da dignidade foi uma conquista do Estado de Direito face à sordidez, ao sadismo e à arrogância – misérias que afetam os seres humanos e costumam contaminar a sociedade.

A perversão e a indignidade marcaram as civilizações da antiguidade, obscureceram manifestações religiosas e condenaram às trevas líderes e governos.

Jesus foi submetido ao calvário para denunciar ao mundo a indignidade do ser humano que não guarda o amor dentro de si. A igreja católica amarga o passado da santa inquisição, o mundo muçulmano encontra-se estigmatizado pela crueldade e a Europa convive com o fantasma do nazifascismo e do stalinismo.

No Brasil, entre várias misérias, adotamos o costume de seletivamente nos desmemoriarmos. Assim, ignoramos o passado recente de indignidades para, a título de combatermos a indignidade, produzirmos novas indignidades.

A exposição sórdida e humilhante dos culpados por suspeita, suspeitos por delação e delatados por culpados, parece ser hoje parte do processo judiciário, padrão de comportamento da imprensa e modus operandi das autoridades de investigação e persecução.

O resultado é o prazer sádico de sublimar recalques e misérias na desgraça alheia, travestido nos justiçamentos públicos , gravados, vazados, fotografados e televisionados.

Nesse sentido, há de se destacar a transmissão pública do choro de Geddel Vieira… ex ministro dos governos Lula e Temer, preso preventivamente no curso das investigações sobre corrupção no desdobramento da Operação Lava Jato, ocorrido no momento em que ouviu a decisão do magistrado sobre a permanência de sua prisão.

Faltou apor sobre a cabeça do personagem, tal como se fazia no período da inquisição, o chapéu cônico dos acusados de terem parte com o capeta…

O choro transmitido em detalhes – com a câmara disposta em close por determinação judicial, em sessão transmitida on line, mais que constituir uma cena captada em meio a uma audiência, expressa a impressionante invasibilidade da mídia operada pelo Estado, distorcendo o sentido da publicidade do ato para focalizar a humilhação do agente. É a eclosão do ovo da serpente – a moderna inquisição hoje em curso no Brasil.

O jurista Pedro Estevam Serrano, a propósito do fato, assim reagiu nas redes sociais: “A humilhação a que Geddel foi exposto não é apenas inconstitucional , revela uma imensa perversão coletiva, um desejo de torturar , de fazer o outro sofrer e se divertir com isso. Schadenfreud dizem os alemães , deficiencia de carater e de humanidade digo eu.”

O inconformismo tem razão de ser. Já fomos vítimas, várias vezes, de processos similares nas idas e vindas de nossas repúblicas.

Rui Barbosa, ainda no século XIX, já nos alertava para o perigo contido nos instrumentos republicanos da delação e da “espionagem”, que agora se pretendem praticadas em larga escala pelo judiciário brasileiro, a título de controle criminológico e social…

Ensinava o velho mestre:

“A espécie de corrupção que ela desenvolve, que tem desenvolvido, é a extinção pública a hipocrisia, a inveja e o rancor; é a concorrência aberta entre os energúmenos de nascença e os energúmenos de interesse; é sistema de seguro mútuo para a ganância e a ferocidade, aliadas sob o engodo da impunidade oficial e da gratidão administrativa. A polícia, órgão da paz nos estados livres, previne e descobre os delitos; a espionagem, órgão do ódio nos estados oprimidos, fomenta e elabora os crimes. Montesquieu disse, no Espírito das Leis: ‘A espionagem seria talvez tolerável, se pudesse incumbir-se a homens honrados; mas a infâmia necessária das pessoas, nesse oficio, pode habituar-nos a ajuizar a infâmia das coisas.’ “

Não se trata de “comparar” cinismos, encenações, a natureza do crime atribuído, etc… Trata-se da indignidade da exposição ao espetáculo…por via oficial.

Como toda tirania…a que estamos nutrindo por todos os meios está se instalando sob um pretexto justo. Mas…a justeza de propósitos não justifica as tiranias.

O combate à corrupção não se faz com supressão das garantias constitucionais, muito menos com a supressão da dignidade, valores que protegem todos os cidadãos. Isso é pretexto para um protofascismo bem intencionado.

Já deveríamos saber disso.
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afpp-55 (3) - CopiaAntonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal e Infraestrutura da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Vice-Presidente da Associação Paulista de imprensa – API, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.

 

 


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