Içando as âncoras

MP dos Portos promete resolver conflitos entre normas e resoluções

Por Karina Mekhitarian e Vitor Lillo

Cargueiro atraca no Porto de Paranaguá, o segundo maior em movimentação de carga no Brasil. (Imagem: Fabio Scremin/Governo do Estado do Paraná)

Cargueiro atraca no Porto de Paranaguá, o segundo maior em movimentação de carga no Brasil. (Imagem: Fabio Scremin/Governo do Estado do Paraná)

Em matéria de infraestrutura e burocracia portuária, o Brasil parece estar com as âncoras arriadas. Segundo relatório do Fórum Econômico Mundial, entre 144 países, o Brasil aparece na 135ª posição. Basta ver os congestionamentos de caminhões no Porto de Santos, e de navios na área portuária em Paranaguá para entender o porquê.

Um importante passo para começar a remover esses gargalos que geram prejuízos bilionários à nossa economia é a Medida Provisória nº 595, a chamada de MP dos Portos, editada em dezembro do ano passado. A expectativa é que a partir daí possam se viabilizar investimentos na ordem de R$ 54,2 bilhões até 2017.

“O Governo Federal depende do investimento privado para modernizar os portos, essa é a verdade”, afirma Fernando Valente, consultor especializado na área de infraestrutura portuária.

Para atrair investimentos é fundamental que as regras sejam mais transparentes e menos burocráticas para investidores e empresários do setor de logística. Essa é a intenção da MP, que pretende encerrar o imbróglio jurídico que se arrasta há duas décadas, desde a promulgação da “Lei dos Portos”, de 1993.

A Lei Federal nº 8.630/1993 foi um marco ao reconhecer a existência dos terminais portuários de uso privativo (TUP’s) e ainda os classificava em três tipos de instalação: exclusivos (movimentação de carga da própria empresa); mistos (movimentação de carga própria e de terceiros); além dos turísticos (transporte de passageiros).

Como consequência, os terminais de uso privativo mistos, com estrutura e maquinários modernos e uma força de trabalho em sua maioria terceirizada e mais eficiente, passaram a competir diretamente e, de certa forma interferir, na própria função do Poder Público, ou seja, nos portos administrados pela União.

A situação levou a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), por meio da Resolução nº 517, de 2005, a determinar que os terminais mistos apresentassem à agência uma declaração especificando a movimentação anual mínima das cargas próprias estimada no terminal e que justificasse, por si só, a sua implantação.

Essa medida restringiu a criação de novos terminais privados, visto que a maioria deles movimenta apenas cargas de terceiros e não teria como comprovar a carga própria. Mas o pior ainda estava por vir. Em 2008, que por sórdida coincidência marcava o bicentenário da abertura dos portos brasileiros às nações amigas de Portugal, pelo então rei D. João VI.

O quase monárquico Decreto Federal nº 6.620/2008, em seu art. 35, inciso II, ratificou a Resolução nº 517 da ANTAQ ao estipular a “movimentação preponderante de carga própria, e em caráter subsidiário e eventual, de terceiros, em terminal portuário de uso privativo misto”.

Além disso, inovando mais uma vez de forma ilegal a Lei dos Portos, a norma determinava que só funcionariam os terminais privados que recebessem concessão da União. O decreto gerou um enorme caos para empresários e investidores, travando todos os projetos de novos terminais e a ampliação dos já existentes. Muitos deles possuíam projetos, terrenos e licença ambiental para as obras, algumas já em curso.

Em meio a toda a instabilidade jurídica que se seguiu, a própria ANTAQ se viu prejudicada. Isso levou a agência a editar as Resoluções nº 1.555/09 e 1.660/10, que aboliram a exigência de comprovação de movimentação de carga própria para construção dos terminais portuários de uso privativo misto.

Estes foram os primeiros passos rumo a uma maior flexibilização e transparência nas regras para investimentos privados, processo que se confirmou com a nova MP 595, hoje o novo marco regulatório do setor portuário.

Novos ventos para o setor portuário (?)

Depois da aprovação e edição da MP dos Portos – fruto de meses de discussões e impasses entre empresários, trabalhadores e Governo – será que o momento de levantar âncoras rumo à modernização dos portos está por vir? O consultor Fernando Valente se mostra cético.

“O Governo está acenando para uma melhora nas regras de concorrência [para investimentos privados]. O problema é que entre a intenção e efetivação há uma grande diferença”, aponta Valente.

Segundo o consultor, o grande ponto negativo da Medida Provisória nº 595 é a diminuição do poder do Conselho de Autoridade Portuária (CAP), órgão formado por entidades diretamente envolvidas na atividade portuária, que regulamenta e supervisiona as atividades e serviços realizados no porto.

“Quando o CAP deixa de ser um órgão com poder deliberativo para ser um mero órgão consultivo, entregando o poder de decisão para os técnicos da ANTAQ que estão lá em Brasília e não estão envolvidos diretamente na vida do porto, isso é muito negativo”, opina Valente.

Outra crítica do especialista é que a MP “não implementa uma atividade portuária sustentável”. “Enquanto outros países nem cogitam mais realizar obras de dragagem para seus portos, o Brasil destina R$ 13,8 bilhões para esse tipo de intervenção”, afirma.

Entretanto, é fato notório que muitos dos portos brasileiros não possuem profundidade de calado suficiente para receber grandes navios de carga. Esse problema pode ser solucionado com as Estações de Transbordo de Carga (ETC), empreendimentos que terão um novo impulso com a nova legislação que autoriza as estações a fazer o transporte e armazenamento de produtos de terceiros, tal como nos terminais portuários privativos.

Estação Flutuante de Transbordo. (Imagem: Reprodução/Internet)

Estação Flutuante de Transbordo. (Imagem: Reprodução/Internet)

As ETC’s ficam situadas fora da área do porto organizado e são utilizadas, exclusivamente, para operação de transbordo de cargas. Podem estar localizadas em terra firme – ao longo de hidrovias interiores (rios, lagos, canais, baías), ou, no caso das estações flutuantes (EFTC), situada no próprio mar aberto ou em áreas fluviais ou marítimas abrigadas.

As EFTC’s, em especial, possuem duas grandes vantagens: o baixo impacto ambiental e o valor de construção menor que a de um porto ou terminal convencional. “A estação pode ser móvel, por exemplo, e você não faz um projeto de porto com edificações para estocagem e outros serviços. Só aí você já economiza R$ 3,8 bilhões de reais, o que equivale a quatro terminais tradicionais”, explica Fernando Valente.

João Raphael Rodrigues, por sua vez, da Manaus Harbour Consultoria, acrescenta que “devido ao atual cenário de estrangulamento da logística portuária do Brasil, as estações flutuantes (EFTC’s) têm papel fundamental para o escoamento de cargas e produtos em geral”, afirma o empresário.

O advogado Antônio Fernando Pinheiro Pedro, Sócio-Diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados, reforça a importância dos órgãos ambientais entenderem de vez que a Estações Flutuantes não se confundem com as gigantescas plataformas de petróleo, muito menos com os portos situados em terra firme. “Dada sua estrutura simples e eficaz para transbordo de cargas que chegam das barcaças e são carregadas para os navios, a EFTC é considerada, portanto, empreendimento de baixo impacto ambiental não passível de EIA/RIMA”, afirmou.

O porto historicamente esteve sempre à beira do mar, “aguardando” pela chegada dos materiais e bens de valor indispensáveis para o desenvolvimento do país. Hoje, quem diria, será preciso içar âncoras e ir para o alto mar, em busca da prosperidade e o progresso pelos quais todos anseiam.


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