INTERVENÇÃO FEDERAL? HORA DE PENSAR NA SEGURANÇA NACIONAL

Governo Federal põe fim às ações “tapa-buraco” das Forças Armadas e se predispõe ao manuseio das medidas excepcionais de defesa das instituições e do Estado de Direito Democrático

 

forças armadas

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*

Michel Temer, Presidente da República, decretou a intervenção federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Mas, não se tenha dúvida, essa intervenção é apenas o primeiro passo no esforço de estabilização institucional e resgate do Estado de Direito e dos valores que conformam a nação brasileira.

Vencida a primeira barreira ideológica e de preconceitos quanto ao uso dos instrumentos repressivos e disciplinadores da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, competirá ao governo federal ampliar suas ações sem desprezar esses instrumentos e marcos legais de manutenção da segurança nacional.

Finalmente uma intervenção federal

O governo federal decidiu acertadamente. Interviu no Estado do Rio de Janeiro e assumiu a segurança pública daquela unidade federativa.

A ação foi determinada pelo Decreto n 9.288, de 16 de fevereiro de 2018 do Presidente da República, nos termos seguintes:

“Art. 1º Fica decretada intervenção federal no Estado do Rio
de Janeiro até 31 de dezembro de 2018.
§ 1º A intervenção de que trata o caput se limita à área de
segurança pública, conforme o disposto no Capítulo III do Título V
da Constituição e no Título V da Constituição do Estado do Rio de
Janeiro.
§ 2º O objetivo da intervenção é pôr termo a grave
comprometimento da ordem pública no Estado do Rio de Janeiro.
Art. 2º Fica nomeado para o cargo de Interventor o General
de Exército Walter Souza Braga Netto.
Parágrafo único. O cargo de Interventor é de natureza
m i l i t a r.”

Observe-se o caráter militar contido no ato de intervenção , expresso no parágrafo único do art.2º do ato presidencial.

A intervenção é constitucional, atende aos critérios autorizativos estabelecidos no art. 34 da Constituição Federal e encontra-se dentre as atribuições do Presidente da República, nos termos do art. 84, X da Carta.

O ato quebra com o ciclo vicioso da “uberização” das forças armadas e da Força Nacional de Segurança, adotada nos últimos anos, pois transfere o Poder de Polícia ao interventor militar.

De fato, a segurança pública brasileira padecia pela hesitação dos governos estaduais em solicitar ações conveniadas ou requerer a intervenção para finalidade de recompor a Ordem Pública. Não abriam mão de manterem o comando local da segurança pública e, com isso, obstruiam a eficácia do apoio.

O comprometimento político com estruturas viciadas, os interesses inconfessáveis ditados pela corrupção e pelo compadrio, e também o preconceito ideológico, sempre ditaram a indefinição e desestimularam a intervenção em ente federado, tido constitucionalmente como autônomo (mas não soberano…).

Há anos já alertávamos para a necessidade da própria chefia do executivo federal tomar as rédeas da questão e decretar, não apenas a intervenção nos estados desprovidos de controle territorial em função da crise de segurança pública, como até mesmo fazer uso do Estado de Defesa, definindo maior extensão territorial e ampliando atribuições, esmiuçadas em decreto.

Intervenção planejada

Não se trata de uma ação desprovida de planejamento. A decisão política pode atender a conveniência e oportunidade do chefe de Estado, mas o mecanismo já estava sendo cogitada e estruturada.

A quebra do ciclo vicioso – ditado pelo populismo político nos anos anteriores, foi sendo meticulosamente preparado pelo presidente Temer, ao longo do ano passado.

Primeiro, o governo organizou as regras de utilização das tropas federais nas ações em defesa da Ordem Pública, alterou a legislação penal militar e organizou a forma de tutela judicial para blindar as ações militares nas unidades federadas.

Nesse sentido, já havia sido promulgada a Lei Federal 13.491 de 16 de outubro de 2017, que alterou o art. 9º do Código Penal Militar. O marco determinou que os delitos “dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:

“I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;
“II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou
“III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais:
“a) Lei nº. 7.565, de 19 de dezembro de 1986 – Código Brasileiro de Aeronáutica;
“b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999;
“c) Decreto-Lei nº. 1.002, de 21 de outubro de 1969 – Código de Processo Penal Militar; e
“d) Lei nº. 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral.”

A ideia era não sujeitar as forças federais ao promotor da esquina, ao delegado de plantão, ao juiz da comarca… com todas as idiossincrasias ideológicas, subjetivas, políticas que isso poderia significar para soldados e policiais , evitando maior prejuízo da incolumidade pública, do Estado de Direito e da confiabilidade da ação da autoridade federal.

Essa construção do mecanismo de intervenção federal portanto, não foi reativa, foi sendo implementada aos poucos, com muito cuidado, para não ferir as suscetibilidades dos governadores, de partidos ideologicamente contrarios e de um judiciário literalmente acéfalo.

Não poderia ser diferente. Afinal, no Brasil, os governos estaduais e suas instituições não têm a dignidade moral de reconhecer sua dificuldade em conduzir a questão. Não conveniam com a União de forma a transferir ou compartilhar, material e formalmente, a condução das ações de repressão à criminalidade,. Muito menos atuam organizadamente para restabelecer o controle social, visando resolver o conflito.

Por isso mesmo, governadores vinham utilizando forças federais como se fossem “quebra galho”. Na direção dos estados ninguém abriu mão da zona de conforto política em que se encontrava. Judiciário, executivo e legislativo dos estados fragilizaram até agora, qualquer esforço da força federal.

Como as Forças Federais não são UBER – serviço disponível na palma da mão, mediante solicitação por smartphone, e o governo federal não é um aplicativo disponibilizado para governadores claudicantes, a intervenção federal finalmente ocorre, em termos compatíveis com a gravidade que o caso exige, logo após o mais violento carnaval de descontroles sociais da história do estado do Rio de Janeiro.

A ação a ser desenvolvida, com a submissão da segurança pública carioca e fluminense ao governo federal deverá, na prática, melhor definir e progressivamente eliminar o limbo jurisdicional com relação à tutela civil e penal sobre as ações das tropas sob comando unificado.

O judiciário carioca não perde sua autonomia. Continuará a autorizar e fiscalizar, juntamente com o Ministério Público, as ações de polícia judiciária – buscas, apreensões, detenção e prisão. No entanto, literalmente, a justiça permanecerá exposta e sob crivo direto da crítica popular, se não colaborar eficazmente para o esforço de restabelecimento da Ordem.

No que tange às ações de policiamento ostensivo, operações táticas e intervenções territoriais preventivas e repressivas, o comando militar estabelecido pelo decreto possui ampla e completa competência. Sendo a autoridade conferida, expressamente de natureza militar – as ações poderão ser conduzidas “com a máxima eficiência”. Corpos de marginais abatidos pelos agentes no cumprimento de seu dever, drogas, armas e demais materiais relacionados à atividade criminosa, finalmente irão surgir, como corolário da atividade de restauração da ordem.

Ressalte-se que a inteligência militar está, há meses, agindo no Rio de Janeiro, esquadrinhando todo o teatro de operações. Os ratos não foram ignorados… pelo contrário, estão mapeados.

Não se tenha dúvida. A hora é de mudar o discurso, preparar o estômago e reduzir o ceticismo. O comportamento reativo da mídia, do judiciário, do ministério público e defensorias… será sintomático. Poderá determinar a necessidade ou não de se ampliar a ação das Forças Armadas para além da Segurança Pública.

O decreto do Presidente Temer, outrossim, possui um efeito didático: põe fim ao discurso esquerdopata de considerar a intervenção federal “uma violência política contra o estado”.

Resgate da Segurança Nacional

O histórico de ineficácia nas ações anteriores, no próprio Rio de Janeiro, mostrou que não há como enviar forças federais para resolver uma crise de segurança em uma unidade federada estadual, sem que o comando da situação e o emprego das forças seja também transferido à força federal.

Porém, como dito no discurso presidencial, o descontrole da segurança pública tornou-se um câncer, e a criminalidade traduziu-se em uma metástase que ameaça o tecido social brasileiro.

Assim, se a intervenção federal no estado do Rio de Janeiro estabelece o primeiro passo, o segundo e terceiro passos, com certeza, envolverão o Estado de Defesa e até mesmo o Estado de Sítio, se a situação de rompimento institucional não for corrigida com a primeira medida.

Essas medidas estão disciplinadas pelos artigos 136 a 141 da Constituição Federal. Não devem de forma alguma serem desconsideradas em função das circunstãncias do avanço da criminalidade organizada por todo o território nacional, e seu imbricamento com determinados movimentos sociais ideologicamente orientados.

Nesse sentido, é importante atestar o avanço legal observado com a introdução no cenário de controle territorial e de manutenção da lei e da ordem pública, representado pelos marcos legais de repressão ao crime organizado e ao terrorismo – respectivamente, a Lei 12.850 de 2 de agosto de 2013 – que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova (incluso a chamada “delação premiada”), infrações penais correlatas e o procedimento criminal, e a Lei 13.260 de 16 de março de 2016 – que regulamenta o disposto no inciso XLIII do art. 5o da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização terrorista.

Essa nova ambiência legislativo-repressiva, no entanto, demanda o resgate seletivo da velha e ainda eficaz doutrina da Segurança Nacional.

Explico.

Assaltos, manifestações e depredações violentas de rua, verificados no Rio de Janeiro, e outras ações de claro desafio à autoridade do Estado, praticados por organizações criminosas, devem ser encaradas como realmente são: atos de terrorismo, cuja finalidade é exatamente a de causar o terror e esfacelar o tecido social.

Essa segunda fase, de implementação das ações, transcendem a intervenção pontual no campo da atividade policial ostensiva e judiciária, para progredir em direção às raízes políticas e econômicas dos fenômenos criminológicos.

Essa ação, no entanto, não se derá sem um criterioso apoio da inteligência, firme engajamento do judiciário e aprovação expressa do poder legislativo.

Há de se evitar o erro do passado, quando o estreitamento da inteligência misturou dissidentes políticos, terroristas, paramilitares e assaltantes de banco. Esse fenômeno da contaminação recíproca entre as partes, vista na sua perspectiva histórica, revela como o crime se organizou politicamente enquanto políticos formaram organizações criminosas…

A Lei 7.170, de 1983, que define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social e estabelece seu processo de julgamento, pouca gente se dá conta disso, ainda vigora. Embora conflite com a Constituição Federal em tempos de paz, o marco legal ainda se presta a servir de instrumento aplicável nos períodos excepcionais previstos na moribunda Carta de 1988.

Essa questão é delicada, mas as circunstâncias exigem superação de barreiras ideológicas que não mais se justificam… Até mesmo para reformar o marco legal e ajustá-lo aos demais diplomas hoje em vigor, relativos ao crime organizado e ao terrorismo.

Criminalidade e Terrorismo imbricados demandam ações especializadas

Portanto, é preciso agir com instrumentos específicos de combate ao crime organizado e ao terrorismo, sem abrir mão da análise quanto aos aspectos do paramilitarismo e do risco ao Estado de Direito em cada uma das ações.

As ações paramilitares demandaram instrumento legal próprio, representado pela Lei Federal 12.720, de 27 de setembro de 2012 – que dispõe sobre os crimes praticados por grupos de extermínio ou milícias privadas. Já tratado por nós em outro artigo.

No caso do terrorismo, no entanto, é preciso toda uma construção conceitual que permita o arranjo legal necessário, transferindo competência do exame das ações CONTRATERRORISTAS para forças especiais federais e a tutela dos conflitos decorrentes das ações para Justiça Militar ou vara especializada federal.

Nesse caso específico, há uma diferenciação importante: ação contra-terrorista não se confunde com medidas anti-terroristas…

E… sim, há momentos em que o crime organizado resvala ou mergulha no terrorismo – e nesse caso, considerar a eliminação do agente em ação é uma prioridade. É preciso, então, renovar a compreensão da Segurança Nacional.

Conclusão

O Estado, portanto, não pode hesitar.

O descontrole territorial, no entanto, não se resume ao Rio de Janeiro, nem é o mais grave. As ações deverão se desdobrar sobre outras unidades federativas.

O Presidente Temer adota uma posição importante face á contenção da criminalidade em escala nacional, a começar da intervenção no estado do Rio de Janeiro. No entanto, não se tenha dúvida que essa medida é apenas uma fase inicial do enorme esforço de estabilização e resgate institucional necessários à manutenção do Estado de Direito e dos valores sagrados da Nação Brasileira.

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afpp18*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.

 

 

 

 

 

 

 


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