Licenciamento ambiental e atividades de caráter militar

Soldado colombiano patrulha fronteira com Venezuelta em Cúcuta

 

 

Por Talden Farias*

A alínea f do inciso XIV do artigo 7o da Lei Complementar 140/2011 dispõe que compete à União promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades “de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar n.o 97, de 9 de junho de 1999”. A competência federal nessa matéria já estava prevista no inciso V do art. 4o da Resolução 237/97 do Conama, embora sem a ressalva da possibilidade de inexigência de licenciamento ambiental das chamadas atividades de caráter militar.

As bases ou empreendimentos militares são atividades pertencentes às Forças Armadas, fazendo parte do patrimônio da União, consoante dispõe o inciso II do artigo 20 da Constituição Federal de 1988. Contudo, mais do que o critério da dominialidade do bem, que não deixa de se fazer presente, o principal valor em jogo para a citada lei complementar foi mesmo a segurança nacional.

O interesse nacional nesse caso é manifestado através da defesa do território e da segurança da população brasileira[1]. A Carta Magna ratifica esse entendimento ao determinar que compete exclusivamente à União assegurar a defesa nacional[2].

A possibilidade de dispensa do licenciamento ambiental para as atividades previstas na Lei Complementar nº 97/99, que dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, é questionável, dado que nenhuma atividade efetiva ou potencialmente poluidora pode ser excetuada do controle ambiental por força do caput e do inciso V do § 1º do artigo 225 da Constituição Federal. Não é possível abrir mão do controle ambiental tendo em vista a fundamentalidade do direito em questão, que é indispensável não somente à qualidade e à continuidade da vida, conforma já discutido em artigo publicado anteriormente nesta coluna.

Além do mais, não se está diante de direitos que se excluem, sendo possível compatibilizar a atividade militar e o licenciamento ambiental, na medida em que este pode tramitar sob sigilo sem qualquer problema. Eduardo Fortunato Bim[3] defende que a defesa nacional tem prioridade sobre a proteção do meio ambiente, quando, na verdade, não são interesses inconciliáveis. Nesse diapasão, discorda-se do Parecer Jurídico nº 66/2016/Cojud/PFEIBAMASEDE/PGF/AGU, que entende pela constitucionalidade dessa exclusão[4].

Importa saber se é qualquer empreendimento que deverá ser licenciada pelo Ibama, a despeito de localização ou de porte poluidor, uma vez que nem toda atividade das Forças Armadas possui o “caráter militar” referido no dispositivo. Realmente, existem construções militares de natureza educacional, habitacional ou recreativa, que dificilmente se encaixariam na ideia de defesa ou de soberania nacional. Todavia, por se cuidar de um conceito jurídico indeterminado, não é razoável incumbir o órgão licenciador dessa tarefa tendo em vista a peculiaridade da atividade[5].

Por isso, para preencher essa lacuna se faz necessário um decreto presidencial, ou ao menos um ato normativo do Ministério da Defesa, que é o órgão mais habilitado para dispor sobre o assunto, conforme reza o Parecer Jurídico nº 016/2012/Conep/PFE/Ibama/Sede/PEF/AGU, que foi aprovado pela Procuradoria Geral do órgão[6]. Enquanto não houver esse disciplinamento a competência continuará integralmente com a União, uma vez que o interesse federal se sobressai nessa matéria.

No entanto, nada impede que se houver dúvida diante dos casos concretos o Ibama consulte as Forças Armadas acerca da existência ou não do caráter militar. As atividades sem caráter militar se regerão pelas regras comuns de competência, ficando em regra a cargo dos Estados ou dos Municípios.

Bibliografia indicada
AMADO, Frederico. Critérios definidores da competência administrativa no processo de licenciamento ambiental. São Paulo: Baraúna, 2011.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Federalismo e Competências Ambientais no Brasil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
BIM, Eduardo Fortunato. Licenciamento ambiental. 5. ed. Belo Horizonte: Fórum: 2020.
FARIAS, Talden. Competência Administrativa Ambiental: fiscalização, sanções e licenciamento ambiental na Lei Complementar 140/2011. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.
FARIAS, Talden. Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos. 7. ed. Fórum, 2019.
FERREIRA, Helini Sivini. Competências ambientais. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. Direito constitucional ambiental. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
OLIVEIRA, Antônio Inagê de Assis. Introdução à legislação ambiental brasileira e licenciamento ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
SENRA, Nelson Luiz Arruda. Os crimes contra o meio ambiente em áreas militares ambientais. In: FREITAS, Vladimir Passos de (coord). Direito ambiental em evolução n 2. Curitiba: Juruá, 2000.
TRENNEPOHL, Curt; TRENNEPOHL, Terence. Licenciamento ambiental. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

 

[1] SENRA, Nelson Luiz Arruda. Os crimes contra o meio ambiente em áreas militares ambientais. In: FREITAS, Vladimir Passos de (coord). Direito ambiental em evolução n 2. Curitiba: Juruá, 2000, p. 197.

[2] Os incisos II e III do art. 21 da Constituição Federal dispõem que compete à União “declarar a guerra e celebrar a paz” e “assegurar a defesa nacional”.

[3] BIM, Eduardo Fortunato. Licenciamento ambiental. 5. ed. Fórum: 2020, p. 153.

[4] “(…) III – Não estão sujeitas ao licenciamento ambiental as atividades militares de preparo e emprego das Forças Armadas, tais como definidas na LC 97/99 e concretizadas por atos administrativos individuais ou gerais (LC 140/11, art. 7º, XIV, f), tal como a Portaria MD 15/2016. Constitucionalidade dessa exclusão. Exegese que não afasta a necessidade de outras autorizações exigidas em lei, como a autorização para supressão vegetal (ASV)”.

[5] “(…) carece de competência o IBAMA e até mesmo este órgão jurídico, para delimitar o sentido da expressão “caráter militar”, vez que são detentores da expertise necessária para definir o que poderia ou não impactar na segurança e soberania nacional./ 26. Apenas o Ministério da Defesa, ou a Presidência da República, poderiam definir quais as atividades ou empreendimentos por eles desenvolvidos têm correlação com a defesa e a soberania nacional sem que, necessariamente, estivesse ligados ao preparo e ao emprego” (Parecer Jurídico n. 060/2013/CONEP/PFE/IBAMA/SEDE/PEF/AGU).

[6] “Em face do exposto, conclui-se que:/ a) Sob a égide da legislação anterior (Lei n. 6.938/81e Resolução CONAMA n. 237/1997), os empreendimentos militares ou civis serão licenciados pelo IBAMA exclusivamente na hipótese de identificado significativo impacto ambiental, regional ou nacional;/ b) Em se tratando dos processos de licenciamento iniciados após a edição da LC n. 140/2011, até que sobrevenha o ato do Poder Executivo que tratará das atividades de preparo e emprego, tudo o que for de caráter militar ensejará atuação do IBAMA como órgão licenciador;/ c) No entanto, a competência para definir o que tenha caráter militar para fins de defesa e soberania nacionais (premissa interpretativa fixada na presente manifestação), é do próprio Ministério da Defesa ou da Presidência da República;/ d) Para o presente processo, verifica-se que o documento de fl. 03 apresenta indicativo de que o empreendimento que se pretende licenciar possui caráter meramente habitacional e não militar. Para ele, sugere-se que seja dada ciência ao Ministério da Defesa acerca do presente parecer, a fim de que, com base nas premissas nele fixadas, reafirme o caráter não militar da vila que pretende edificar;/ e)        Para os demais processos em curso ou que venham a ser iniciados perante a DLICI, já sob a égide da LC n. 140/2011, sugere-se que seja colhida manifestação fundamentada do Ministério da Defesa, em cada caso concreto, a fim de que, partindo dos pressupostos aqui fixados, sobre se o empreendimento objeto do licenciamento tem ou não caráter militar;/ f) Por fim, no tocante à possibilidade e meios de delegação de competência para as hipóteses em que a competência, de fato, seja do IBAMA, em não se tratando de matéria de delegação vedada (art. 13, da Lei n. 9784/99), deverão ser observadas as formas estabelecidas na Lei Complementar n. 140/2011, e os parâmetros estabelecidos no art. 14 da Lei n. 9.784/99” (Parecer Jurídico n. 016/2012/CONEP/PFE/IBAMA/SEDE/PEF/AGU).

*Talden Farias é advogado, professor da UFPB e da UFPE e doutor em Direito da Cidade pela UERJ. Autor de “Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos” (7. ed. Fórum, 2019).

Fonte: Conjur
Publicação Dazibao, 31/08/2020
Edição: Ana A. Alencar

 

 


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