MEDICINA, DEDICAÇÃO E LEALDADE

Ética resume o verdadeiro sentido da atividade humana. E nenhuma profissão põe à prova tão constantemente sua ética quanto a medicina.

Médicos exaustos cirurgia de 23 horas - foto Lee James Stanfield

O médico e sua assistente, exaustos, acompanham a recuperação do paciente após 23 horas de operação – a nobreza da medicina está na dedicação – foto Lee James Stanfield

 

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro

O médico é o guardião da vida, o bem maior do ser humano.

Diligência, cautela e compromisso com o bem estar do paciente constituem deveres sagrados do profissional da saúde.

O médico deve agir com perícia, observando normas e aprimorando a prática necessária à atividade. Avaliar os progressos científicos de domínio público,conhecer a técnica indicada para cada procedimento ou mal a ser combatido.

O médico deve ser prudente; prever as consequências de suas ações e atitudes. Prevenir-se e acautelar-se ante precipitações. Ter sangue frio ante o risco para buscar adotar o melhor procedimento – sempre buscando o resultado mais eficaz para o paciente.

A negligência é o pior inimigo da medicina. Por isso o esforço pessoal no cuidado, atenção e precaução constitui condição para o exercício profissional no setor da saúde.

O médico deve lidar com duas tentações paradoxais, absolutamente interligadas: o poder de desprezar o sofrimento e o poder de eternizá-lo.

O poder de vida e morte sobre os pacientes, advindo o necessário comando absoluto na condução dos procedimentos, leva à tentação constante, sofrida pelo profissional da medicina, de desprezar os sentimentos pessoais do paciente e seus familiares, atitude que invariavelmente se reflete nos demais atores que integram a estrutura de atendimento. Esse fenômeno é uma praga na rotina diária do atendimento nos hospitais – algo já estudado até mesmo por filósofos como Michel Foucault.

Da mesma forma, na medida em que a Medicina avança, a possibilidade de salvar e prolongar a vida gera o complexo dilema ético do ajuste da funcionalidade da vida do paciente ante o sofrimento e a dignidade da existência humana. Aspectos econômicos, éticos e legais, resultantes do emprego desproporcionado de medidas tecnologicamente avançadas, ou prolongamentos sem outro propósito que manter a vida nos aparelhos (e não por aparelhos…), envolvem o requisito da maturidade no partilhamento das decisões críticas.

A lealdade ao paciente e o princípio da não maleficência estão inseridos no próprio juramento de Hipócrates: “Aplicarei os regimes para o bem do doente, segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei, por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que o induza a perda”.

Toda essa complexidade, com o avanço da ciência e dos conhecimentos doutrinários, conferiu ao médico, durante a idade média, receber uma expressão de respeito antes somente conferido aos advogados, desde os tempos de Roma antiga, o de ser tratado como o de ser tratado como “doutor”. Um tratamento respeitoso que posteriormente emprestado, com a estruturação das universidades, aos mestres e proficientes nas ciências e filosofias – como título acadêmico.

A Medicina não é ciência exata, nem tampouco uma atividade-fim. É meio, sujeito a imprevistos que ocorrem e critérios de imprevisibilidade, inerentes à própria resposta do ser humano. Ela é baseada, sobretudo, na dedicação.

Na abertura do II Encontro Nacional dos Conselhos de Medicina, em 2010, o professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Elias Knobel, ministrou conferência que muito me tocou, ao registrar que a satisfação do paciente depende de vários fatores, mas o mais importante é a atenção e dedicação dos profissionais de saúde. “Este é o segredo da medicina”, afirmou o Doutor Knobel, que acrescentou: “se uma instituição souber equilibrar qualidade e finanças, certamente ganhará o respeito dos médicos e dos pacientes”.

A nobreza da medicina está, portanto, na dedicação.

Ética resume o verdadeiro sentido da atividade humana. E nenhuma profissão põe à prova tão constantemente sua ética quanto a medicina.

Essa reflexão me veio à mente ao me deparar com uma foto antiga e profundamente tocante, do cirurgião cardíaco polonês Zbigniew Religa, que tomo a liberdade de postar no início deste texto.

A foto foi tirada em 1987, na Polônia, no hospital de Zabrze. Refere-se ao primeiro transplante bem sucedido de coração realizado na Polônia.

Na foto, o médico luta estoicamente contra o cansaço, acompanhando os sinais vitais do paciente. Na mesma foto, ao fundo, sua assistente repousa em um canto da sala. O transplante havia durado 23 horas.

Zbigniew Religa foi um dos cardiologistas mais renomados na Polônia, pioneiro em tecnologia médica. Em 1995, se tornou também o primeiro cirurgião a transplantar uma válvula artificial – criada a partir de materiais retirados de cadáveres humanos.

Há outros exemplos igualmente nobres mundo afora, e registro aqui o de meu médico e eterno cunhado, Dr. David Uip, que por duas ocasiões salvou a minha vida. E o fez sobretudo pela dedicação.

Bons médicos, portanto, compreendem a responsabilidade melhor que o privilégio. Desta forma prestam contas ante o merecido prestígio a eles conferido pela sociedade.

 

 

afpp2017Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado, formado pela Universidade de São Paulo – USP, jornalista e consultor ambiental. É Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados, integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional (Paris), membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, sócio-fundador e membro do Conselho Consultivo da União Brasileira da Advocacia Ambiental – UBAA, Vice-Presidente Jurídico da API – Associação Paulista de Imprensa. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.

 

 

 

 


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