O futuro da energia nuclear

Por João Paulo Robortella

A Usina Nuclear de Angra 2 ficou acima da média em oito dos 13 itens utilizados para comparar o desempenho de usinas nucleares nos últimos 36, 24, 18 e 12 meses e foi incluída entre as melhores do mundo, segundo o ranking da Associação Mundial dos Operadores Nucleares (World Association of Nuclear Operators – WANO), divulgado em agosto deste ano.

O objetivo do acompanhamento foi avaliar o grau de disponibilidade e de segurança das usinas em todo o mundo e, também, indicar eventuais necessidades de ajustes para uma melhoria geral do desempenho. Em três dos índices, a usina brasileira apresentou a melhor performance em sua categoria, com destaque ao item de segurança industrial.

Dos cinco indicadores abaixo da média no período de 36 meses, em três deles (Performance do Sistema de Injeção de Segurança, Performance dos Geradores Diesel e Indicador Químico) as ações de melhoria já surtiram efeito e já estão acima da média nos períodos de 12 e 18 meses. Em relação aos dois indicadores restantes (Taxa de Paradas Forçadas e Desligamento Automático), a Eletronuclear, empresa responsável pela usina, afirma já estar concentrando os recursos necessários para que tais recursos sejam devidamente modernizados e possui expectativas de que ambos ultrapassem a média ainda este ano.

Tal resultado dá novo fôlego ao polêmico programa energético nuclear brasileiro em um momento que pode, justamente, ser decisivo ao seu futuro: o procedimento de licenciamento ambiental da Usina de Angra 3, o qual, após anos de disputas judiciais, protestos de entidades ambientalistas, entre outras oposições, parece realmente estar se tornando realidade. Ainda assim, a implantação de Angra 3 não será suficiente para garantir o futuro da energia nuclear no país, tendo em vista a insegurança que ainda permeia tal mercado.

A verdade é que grandes desafios ainda devem ser vencidos para que o mercado energético nuclear possa ser, de fato, consolidado, não somente a nível nacional, mas em todo o mundo. E o maior deles não reside na falta de investimentos, e sim no próprio temor e desconfiança da população, a qual ainda reluta a aceitar os benefícios desta tecnologia.

Esperança como alternativa de energia limpa e eficiente para alguns, temidos por outros, os programas energéticos nucleares ganharam força principalmente na década de 1970, favorecidos pela crise internacional do petróleo e a crise energética subseqüente, levando à busca de fontes alternativas de geração de eletricidade. Nesse contexto, a energia nuclear passou a ser vista como a alternativa mais promissora, recebendo a atenção de muitos analistas e empreendedores, assim como vultosos investimentos. O Brasil não ficou atrás nessa corrida: já no final dos anos 60, o Governo Brasileiro decidiu ingressar na geração termonuclear, visando conhecer melhor essa tecnologia e adquirir experiências para um futuro supostamente promissor da opção nuclear, a exemplo do que ocorria em vários outros países, tendo iniciado a construção de Angra 1 em 1972.

Esse quadro viria a se alterar em meados da década de 1980. Após certos escândalos e incidentes trágicos envolvendo usinas desta espécie, com destaque para o desastre em Chernobyl em 1986, criou-se um sentimento de paranóia em relação às mesmas.

A energia nuclear tornou-se sinônimo de destruição e desastre, sendo duramente atacada pela mídia e ambientalistas do mundo todo. Paralelamente a isso, o gás natural passou a ser uma opção mais barata, o que causou um “boom” de usinas a gás na década de 90.

No Brasil, diversas paralisações e atrasos operacionais em Angra 1, bem como os altíssimos investimentos na construção de Angra 1 e 2, contribuíram para esta epidemia contra a energia nuclear, ao passo em que o mercado em torno da mesma tornava-se, de certa forma, obscuro e incerto, afastando novos investidores. Os planos para a construção de Angra 3 ficavam cada vez mais distantes da realidade.

No entanto, após quase duas décadas no ostracismo, a opção nuclear voltou à cena, alimentada pelo fantasma do aquecimento global, que passou, finalmente, a ganhar a devida atenção do mundo todo, uma vez que este já começa a sentir seus catastróficos efeitos. A energia nuclear ressurgiu, agora como uma alternativa energética limpa, para enfrentar o problema das mudanças climáticas.

Simultaneamente, as formas de energia alternativa provaram-se incapazes de atender às necessidades globais. Países emergentes como China, Índia e Rússia passaram a investir fortemente em usinas nucleares como forma de energia, enquanto muitas nações desenvolvidas finalmente a consolidaram, a exemplo dos Estados Unidos, Japão e França. Esta última, vale ressaltar, possui cerca de 80% de sua eletricidade originada de reatores nucleares.

As vantagens provenientes desta nova “geração nuclear” são inúmeras. A preocupação mundial em buscar outras fontes de energia, além do carvão, petróleo e hidroeletricidade, baseia-se no caráter não renovável dos combustíveis fósseis, na tentativa de diminuição da emissão de gás carbônico, no aumento da demanda por energia e na escassez, em alguns países, de recursos hídricos.

A energia nuclear, por sua vez, torna-se favorecida, uma vez que, além de ser considerada uma das mais limpas e eficientes, não está sujeita às instabilidades sofridas pela maioria das fontes energéticas existentes, vulneráveis a fatores como escassez, clima, impactos ambientais, entre outros, o que acaba por elevar seus custos. Importante lembrar, também, que o Brasil possui uma das maiores reservas de urânio do mundo, o que pode, principalmente a longo prazo, constituir um grande incentivo a esse mercado.

Como qualquer fonte de energia, as usinas nucleares possuem, de fato, desvantagens. Além de requererem elevados custos de implantação, a questão do armazenamento dos rejeitos radioativos produzidos durante a operação de uma usina nuclear ainda não foi solucionada. Estes rejeitos são materiais que decaem ao longo do tempo, emitindo partículas e radiações nucleares até se tornarem estáveis e não oferecerem risco para os seres vivos, o que pode durar até milhares de anos.

Cumpre esclarecer, porém, que as usinas nucleares, embora tenham permanecido, de certa forma, esquecidas, durante mais de uma década, não deixaram de acompanhar as últimas evoluções tecnológicas. Pelo contrário, a modernização de seus equipamentos tornou-as mais seguras e baratas ao longo dos anos. O elogiado desempenho de Angra 2 e o orçamento previsto para a construção de Angra 3 demonstram bem este quadro. Quanto ao lixo radioativo, novas tecnologias vêm sendo desenvolvidas, como os ADS (Accelerator Driven Systems), que podem usar o lixo como combustível e assim reduzem o tempo de armazenamento em centenas de anos.

O recente avanço na utilização de energia nuclear, no entanto, ainda não foi acompanhado pela opinião pública. Aquela mesma repulsa observada nos anos em que esta forma de energia permaneceu na obscuridade ainda impera na sociedade. É impressionante, ainda nos dias de hoje, a identificação do termo “nuclear”, por grande maioria da população, a tragédias causadas pelo homem em sua História, como o lamentável bombardeio atômico às cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, além do já citado desastre em Chernobyl.

É notório o clima de medo e paranóia que ainda impera na sociedade quanto a este assunto, provavelmente alimentado, ao longo das últimas décadas, pela mídia e ficção hollywoodiana, bem como o crescente temor ao terrorismo. Erros isolados de um passado a parte, o fato é que a energia nuclear ainda está longe de ser reconhecida como grande avanço científico e tecnológico.

O destino da energia nuclear no Brasil ainda não está traçado. O primeiro passo para que esta se consolide de uma vez será recebermos o licenciamento de Angra 3 pelo que, de fato, representa: uma importante conquista para a diversidade da matriz energética do país. Uma vez que já foi constatado que nenhuma fonte sozinha será capaz de atender às necessidades futuras de geração de eletricidade, a ordem do novo milênio para o mercado energético não é competir, mas sim diversificar, e a energia nuclear já provou cumprir seu papel. Só cabe a nós, agora, aceitá-la.


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