O QUE E QUANTO SE APROVEITA DOS ARTIGOS DE DIREITO?

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Por Vladimir Passos de Freitas*

Talvez este seja o único artigo que questiona, põe em dúvida mesmo, o grau de utilidade dos artigos de Direito. É ele, mais do que tudo, uma provocação, uma tentativa de pôr na agenda um tema tão importante quanto desprezado.

Imagina-se que um artigo de Direito, comentando seja lá o que for, busca aclarar dúvidas sobre um tema importante, auxiliando os que o leem na compreensão da matéria. A complexidade do mundo contemporâneo trouxe a necessidade de dar-se solução a uma enorme quantidade de novos conflitos e, ao Direito, cabe cumprir o seu papel de solucionar as divergências pacificamente.

Os cursos de Direito, graduação e, especialmente, pós-graduação, pressionados pelos órgãos da educação, impõem aos professores e alunos a elaboração de artigos científicos. As universidades mais qualificadas impõem pontuação por cada artigo publicado, sendo maiores os pontos nas revistas bem qualificadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação vinculada ao Ministério da Educação, através de requisitos rigorosos, previamente estabelecidos [1].

Revistas bem avaliadas (A1 e A2) são as mais procuradas, porque pontuam mais. Revistas mal avaliadas (por exemplo, C) não contam pontos. O peso de cada revista está na qualidade de seus artigos, clareza, participação de autores estrangeiros, existência de artigos em outros idiomas, cumprimento de regras da ABNT e outros requisitos. Para saber a avaliação de cada uma “é necessário acessar o portal WebQualis, na Plataforma Sucupira da Capes. Em seguida, clique no menu Consultar, localizado na parte superior esquerda da página, e depois selecione a opção Classificação” [2].

No entanto, a enorme produção de artigos na área do Direito, de forma geral, apresenta problemas, mas não aponta soluções concretas, apenas abstratas. Há centenas de exemplos, mas fiquemos em apenas um: aponta-se o problema da prostituição de menores em rodovias no norte do Brasil, mas, como solução, indica-se a necessidade de políticas públicas.

Tal tipo de artigo — o exemplo é absolutamente aleatório — não serve para nada, exceto o autor exibi-lo com orgulho, colocá-lo no currículo Lattes e, a depender de onde foi publicado, ser pontuado. Mas, em termos reais, não ajuda na solução do problema. As menores lá continuarão como antes.

Pois bem, refletindo sobre tal fato há um bom tempo, deparei com um edital da Academia Mexicana de Direito Ambiental [3], com chamada de trabalhos, que foge deste modelo. Com objetividade, nos seus Lineamentos pede, nas conclusões, o seguinte: “Hace teorizaciones, nuevas propuestas, planteamientos y/o aportaciones”, ou seja, “faça teorias, novas propostas, planos e/ou contribuições”. Portanto, valoriza-se nos trabalhos que concorrem ao direito de apresentação em um importante congresso propostas reais, plano e formas de contribuição.

Inicialmente é preciso registrar que a oferta de artigos é muito maior do que a procura. Lê-se pouco atualmente e menos ainda artigos mais profundos e pouco objetivos. Escrever é ato obrigatório para um professor ou aluno e de interesse direto de um advogado ou agente do Ministério Público que deseje divulgar suas teses. Ler é diferente. Portanto, aí o primeiro problema.

Pois bem, nos milhares de artigos que hoje são publicados no Brasil, com enorme investimento de tempo e de recursos financeiros de diversas fontes, o que deles se aproveita e em que medida?

Não é uma resposta fácil, por certo. Mas algumas premissas já podem ser estabelecidas quanto a divulgação e aproveitamento, porque são fatos notórios e estes, como afirma o artigo 374, inciso I, do Código de Processo Civil, não dependem de prova.

Assim, é possível afirmar que um artigo publicado em uma revista impressa, sem divulgação na internet, ficará restrito a um número pequeno de leitores. Com efeito, ainda que a revista e o artigo sejam de reconhecida qualidade, não atingirão um grande público. Ademais, poderão estar desatualizados pela passagem do tempo entre a remessa e a publicação.

Não á fácil sabermos o que prevalece em citações. Mas podemos tirar algumas conclusões a partir de um exemplo. No último exemplar da Revista Jurídica da Presidência da República, qualificada no grau máximo pela Capes (A1), revista esta que tem publicação impressa e eletrônica, há um artigo sobre tema do momento, qual seja, saúde, da autoria de dois autores nacionais e um colombiano, todos portadores de respeitável titulação acadêmica [4]. Nas referências, encontramos um total de 57 menções a fontes, assim distribuídas:

— Livros: 12 impressos, três Kindle;
— Artigos em revista impressa: cinco;
— Artigos em revistas eletrônicas: 16;
— Sites do poder público: 21.

Como se constata, os livros, apesar de serem editados em quantidade muito menor do que os artigos, têm quase o mesmo número de citações (15 e 16). Artigos em revistas eletrônicas são mais de três vezes citados do que os de revistas impressas. Sites são cada vez mais procurados.

Outras observações. Artigos publicados em revistas de tribunais judiciais terão a dificuldade de viverem o conflito hamletiano, to be or not to be. Se publicarem artigos acadêmicos que não apontem soluções aos casos concretos, serão ignoradas pelos magistrados. Se forem publicadas com artigos práticos, não serão bem avaliadas pela Capes e terão diminuído o interesse. Tudo isto se agravará se forem impressas sem alternativa eletrônica.

Revistas de associações de classe, academias, homenagens a figuras ilustres e assemelhadas, ficarão restritas aos seus respectivos membros, além de enfrentarem as mesmas dificuldades das revistas dos órgãos do Poder Judiciário. Revistas sem foco definido, que vão do Direito Tributário aos problemas de locação, não atrairão a atenção dos leitores e assim ficarão com público reduzido.

Postas as premissas quanto a interesse e divulgação, vejamos o quanto se aproveitará desses artigos. Se já é difícil sabermos quantas pessoas leem um artigo publicado em revista, mais ainda será saber se foi bem aproveitado.

Alunos citam seus professores, por razões óbvias. Em seguida, citam os autores com quem têm ideias semelhantes. O sucesso nas publicações não depende apenas do conteúdo de um artigo, mas também da linha adotada por uma revista e por seus avaliadores.

Mas, para que um artigo seja publicado, lido e adotado, convém lembrar o alerta realista de Pierre Bordieu: “O que é percebido como importante e interessante é o que tem chances de ser reconhecido como importante e interessante pelos outros; portanto, aquilo que tem a possibilidade de fazer aparecer aquele que o produz como importante e interessante aos olhos dos outros” [5].

Todos os professores e alunos da pós-graduação strictu sensu têm os seus currículos Lattes. No entanto, a citação de seus artigos encontra-se em outro local, qual seja, o Google Acadêmico [6]. Entrando no site, na linha de busca, abaixo de Google Acadêmico, deve ser escrito o nome completo do autor, seguido de enter. Aparecerá a lista de todos os artigos e o número de citações de cada um.

Se houver intenção de uma busca mais refinada, sabendo-se o número total de citações, será necessário que o professor tenha completado as informações. O acesso será clicando em “Meu Perfil”, à direita da tela, para completar as informações. Além das citações por obra, o site indicará o número de citações por ano e o total. E mais, clicando sobre o número de citações, é possível saber em que obra e por quem foram feitas. Assim fez, por exemplo, o conceituado professor de Direito Financeiro da USP José Maurício Conti, que conta com 967 citações [7].

Vejamos, finalmente, as chances de um artigo influenciar o sistema.

Artigos devem ser críticos, indicar falhas legais, necessidades e tudo o mais que se adeque aos comentários. No entanto, isso é pouco. Milhares de artigos são publicados e, se apontassem soluções, certamente auxiliariam o aprimoramento de nossas relações jurídicas.

Não se está a dizer e nem esperar que cada autor tenha a solução para os problemas nacionais. As propostas podem ser impossíveis de serem adequadas, terem sido tentadas sem sucesso ou simplesmente serem inadequadas. Não importa. Ela suscitará o debate, obrigará a se buscar a melhor solução.

Portanto, afirmar que algo deve ser feito sem apontar como e quando pode mostrar erudição, mas não passará de mais um estudo sem consequências. A mudança mostra-se necessária e ela pode ser feita a partir da conduta de cada um, sendo os trabalhos acadêmicos o veículo mais adequado para tanto.

 

[1] Disponível em: https://www.aguia.usp.br/apoio-pesquisador/escrita-publicacao-cientifica/selecao-revistas-publicacao/qualis-periodicos/. Acesso em 9 set. 2021.

[2] Disponível em: https://doity.com.br/blog/o-que-e-qualis-Capes/. Acesso em 9 set. 2021.

[3] Academia Mexicana de Direito Ambiental. Disponível em: https://www.facebook.com/AcademiaMexicanaDeDerechoAmbientalMX/community. Acesso em 9 set. 2021

[4] BRUSTOLIN, Alessandra, MACHADO, Edinilson Donizette e CALDERON-VALENCIA, Felipe. “A judicialização de medicamentos sem registro na ANVISA e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal para a solução da problemática”, Revista Jurídica da Presidência da República, v. 23, n. 129, pp. 95-123, publicado em 28 mai. 2021. Disponível em: https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.php/saj/issue/view/140. Acesso em 10 set. 2021.

[5] BORDIEU, Pierre.

[6] Disponível em: https://scholar.google.com.br. Acesso em 10 set. 2021.

[7] Disponível em: https://scholar.google.com.br/scholar?hl=pt-BR&as_sdt=0%2C5&q=jos%C3%A9+mauricio+conti&oq=. Acesso em 10 set. 2021.

 

*Vladimir Passos de Freitas é ex-secretário Nacional de Justiça no Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).

Fonte: ConJur
Publicação Dazibao, 27/09/2021
Edição: Ana A. Alencar
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