O que os bancos devem fazer para combater as mudanças climáticas

(Parte 2)
Por Francisco Silveira Mello Filho

Em nosso último artigo tivemos oportunidade de analisar alguns dos perigosos reflexos da adoção da primeira estratégia sugerida no estudo A Challenging Climate 2.0: What Banks must do to combat climate change1, realizado pela rede internacional BankTrack2, para aumentar o engajamento dos bancos na luta contra o aquecimento global.

A primeira estratégia sugere às Instituições Financeiras o encerramento das linhas de crédito destinadas às atividades consideradas sujas, entre elas: a exploração de petróleo e derivados, a siderurgia e o agronegócio. Entretanto, de forma irresponsável, o citado estudo se esquece de dimensionar os impactos econômicos e sociais que esse passo poderá causar globalmente, uma vez que se sabe que o setor produtivo mundial não foi projetado para operar em bases de baixo carbono e essa transição demandará tempo, cuidado e dinheiro.

Neste artigo, analisaremos a segunda e a terceira estratégias sugeridas pelo estudo aos bancos, são elas: ii.) reduzir severamente o impacto climático de todas as operações de empréstimos e investimentos; e iii.) contribuir positivamente para uma rápida transição para uma economia de baixo carbono.

A estratégia de tentar reduzir o impacto ambiental da operação das linhas de crédito e dos investimentos em novos empreendimentos, considerando-se as variáveis ambientais envolvidas, como a emissão dos gases do efeito estufa (GEE), não é novidade no cenário internacional. O IFC3, conhecido como o braço privado do Banco Mundial, alinhavou, com base nas políticas ambientais adotadas como diretrizes pelas instituições que compõe o Grupo Banco Mundial4, uma carta de princípios denominada Princípios do Equador, cuja finalidade é contribuir na adoção de diretrizes mais sustentáveis pelos bancos.

Segundo essa carta de princípios, as Instituições Financeiras signatárias deverão, com base na proporção do projeto financiado e nas características econômicas e sociais do país que sediará o projeto, classificar o Project Finance, exigindo, de acordo com a classificação obtida, o cumprimento de requisitos específicos, como a entrega de relatórios ambientais.

A Carta de Princípios do Equador está longe de ser uma arma perfeita na correta mensuração da degradação ambiental causada pelo financiamento de grandes projetos, mas, sem dúvida, é um passo importante na incorporação, pelos bancos, da variável ambiental, na análise de risco e na “precificação” dos financiamentos.

Nesse mesmo sentido aponta a estratégia em comento. Reconhecendo que alguns bancos já dispõem de inventários da emissão dos gases de efeito estufa de suas atividades intrínsecas (e.g. manutenção de agências bancárias e escritórios), o estudo sugere que se passe a contabilizar também as emissões referentes às atividades financiadas, denominadas “emissões financiadas”5. Essa medida possibilitaria a incorporação definitiva da variável “mudanças climáticas” na gestão das linhas de crédito.

Sugere-se, ainda, que os bancos exijam de todos os clientes que produzam quantidade significativa de gases do efeito estufa, a utilização do GHG Protocol6, para mensurar e reportar as emissões de suas atividades já existentes, como condição para aprovação do financiamento. Essa iniciativa, segundo os idealizadores do estudo, facilitaria a “precificação” dos financiamentos, resguardando os índices de emissão apurados na aplicação do GHG Protocol, proporcionando maior transparência.

Para os autores, a contabilização das emissões financiadas deve ser considerada apenas o primeiro passo, seguido da definição de metas de redução para essas emissões, elaborando ferramentas que possibilitem, além da redução, tratar de modo diferenciado cada seguimento (e.g. setor de energias renováveis, setor industrial, etc.).

Ora, ainda que se admita que os esforços sugeridos possam contribuir para a mitigação das mudanças climáticas, devemos ter em mente que a imposição dessas estratégias aos bancos extrapola sua competência, pois sugere que os bancos atuem como se poder público fossem.

A estrutura governamental, seja nacional ou regional, dispõe de ferramentas específicas para o controle e combate à poluição, como, por exemplo, o processo de licenciamento ambiental. Uma vez definida uma política pública de combate às mudanças climáticas, o próprio poder público, seja por meio do licenciamento de novos empreendimentos ou da revisão das licenças de operação já expedidas, poderá impor novos requisitos e condicionantes, resguardando de forma mais eficaz as emissões de GEE e exercendo, inclusive, seu poder de polícia para fiscalizar o cumprimento das novas exigências.

Deve-se reconhecer, no entanto, que a própria dinâmica do mercado poderá conduzir as instituições financeiras à adoção das práticas sugeridas. Nesse sentido, é o que sugere a teoria dos Stakeholders e a teoria Institucional.

A teoria dos stakeholders, em breve síntese, sugere que a mudança de valores dos seguimentos sociais envolvidos na base operacional de determinada empresa (e.g. consumidores, parceiros, etc.), ocasionará uma mudança de valores da própria empresa. Como exemplo, pode-se citar a neutralização do carbono das atividades de determinada empresa, feita voluntariamente em atendimento às exigências dos seus consumidores e parceiros.

Segundo a teoria institucional, as instituições empresariais são estruturas sociais que respondem aos estímulos gerados por seus competidores, assim, o amadurecimento do setor bancário, com a adoção de novas práticas socioambientais por alguns dos players desse seguimento, impulsionará os demais competidores a buscar a homogeneização, porquanto os demais serão provocados, também, a adotar as práticas inovadoras do mercado.

Não é difícil de imaginar, portanto, que em um futuro próximo sejam empregadas as sugestões apontadas pelo estudo. Porém, é preciso ressaltar que o mercado deverá apresentar sinais de maturidade suficiente para comportar tais mudanças procedimentais. Caso contrário, estaremos criando mais um obstáculo econômico aos empreendedores e onerando os bancos ao lhes atribuir uma competência que não lhes é devida originalmente.

Ademais, lembramos, novamente, que as mudanças sugeridas serão mais efetivas se acompanhadas de uma política pública eficiente no combate aos efeitos adversos das mudanças climáticas.

Por fim, a terceira estratégia sugere que bancos devem contribuir positivamente para uma rápida transição para uma economia de baixo carbono. Mais uma vez, o instrumento a ser utilizado seria o financiamento.

Apontando as potencialidade dos setores de energia sustentável e a estimativa de investimento anual de US$100 bilhões até 2030 para que seja atingido a “descarbonização” do setor energético7, o estudo clama por maiores investimentos nos setores propulsores da energia sustentável, como as novas tecnologias.

Nesse sentido, o estudo sugere que os bancos adotem uma postura mais proativa no investimento em programas e projetos de energias renováveis, de eficiência energética e de suporte às reduções de emissões. A criação de uma linha de produtos e serviços que permitam os clientes investir o dinheiro de maneira que contribua para a mitigação dos problemas climáticos também é apontada como um bom caminho a ser seguido.

Outro seguimento que deve receber especial atenção, segundo o estudo, são os produtos destinados ao mercado imobiliário. O correto estímulo à eficiência energética das residências e construções pode representar, de acordo com o próprio IPCC, uma significativa redução das emissões dos GEE.

A terceira estratégia, como se vê, já vem ganhando força junto ao setor bancário. Alguns bancos, de forma pioneira, já disponibilizam, em suas carteiras de investimentos, opções fundadas em ativos ambientais, como os certificados de redução de emissão. O aumento na estruturação desse tipo de investimento dependerá do aumento da demanda por produtos financeiros com essas qualidades.

Todavia, quanto ao estímulo do mercado imobiliário, especialmente no Brasil, não se tem notícias de políticas diferenciadas no financiamento de construções com maior eficiência energética. Esse cenário poderá se modificar rapidamente no Brasil, bastando, para tanto, principalmente, vontade política. As maiores instituições operadoras desse mercado hoje, no Brasil, são estatais e podem introduzir e impulsionar as mudanças pretendidas.

De forma geral, podemos concluir que a segunda e a terceira estratégias sugeridas pelo estudo podem, desde que respeitem o amadurecimento natural do mercado, contribuir para a mitigação dos problemas climáticos. Contudo, há que se observar que esse movimento não pode ser fruto da transferência de atribuições do Estado para a iniciativa privada, nesse caso, o setor bancário.

1) Disponível em: <http://www.banktrack.org/
download/a_challenging_climate_2_0_what_
banks_must_ do_ to_combat_climate_
change>; Acessado em: 20/01/2010.

2) <http://www.banktrack.org>

3) <http://www.ifc.org/>

4) O Grupo Banco Mundial é formado por: International Bank for Reconstruction and Development (IBRD), International Development Association (IDA), International Finance Corporation (IFC), Multilateral Investment Guarantee Agency (MIGA) and the International Centre for the Settlement of Investment Disputes (ICSID). Disponível em: <http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/EXTABOUT US/0,,pagePK:50004410~piPK:36602~
theSitePK:29708,00.html>; Acessado em: 18.03.2010.

5) Tradução livre do termo financed emissions.

6) O GHG Protocol (the greenhouse gas protocol) é o sistema de contabilização dos gases de efeito estufa mais utilizado internacionalmente permitindo entender, quantificar e gerenciar a emissão destes gases. Mais informações em: <http://www.ghgprotocol.org/>.

7) Renewable energy Policy Network: < http://www.ren21.net/atStake/forum.asp?id=1>; Apud A Challenging Climate 2.0: What Banks must do to combat climate change.

Francisco Silveira Mello Filho é advogado associado ao escritório Pinheiro Pedro Advogados onde atua na área de Meio Ambiente e Sustentabilidade.
E-mail: francisco@pinheiropedro.com.br


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