Palavras que ferem e a medida cautelar de separação de corpos

Por Luciane Helena Vieira

A separação de corpos, medida cautelar bastante utilizada no direito brasileiro, visa retirar um dos cônjuges do lar conjugal, como procedimento preliminar ao pedido litigioso de divórcio ou dissolução de união estável. Tal medida se baseia no risco de ocorrem desentendimentos graves, caso os cônjuges continuem a viver sob o mesmo teto.

Muitas vezes, o autor da medida é o cônjuge que quer deixar a residência do casal, rompendo o dever jurídico de coabitação, sem que possa ser acusado posteriormente de abandono do lar, e, para tanto, pleiteia ao juiz a autorização de afastamento, provando que se tornou insustentável a vida em comum.

Outras vezes, a medida tem como objetivo o afastamento compulsório de um dos cônjuges da morada comum. Essa hipótese leva em consideração que nenhum dos cônjuges tem, isoladamente, o direito de ocupar a residência comum, com exclusão do outro. Assim, quando há desavenças que ponham em risco a integridade física ou psíquica de um dos cônjuges, é possível a este pleitear ao juiz que, com base em critérios de conveniência e oportunidade, determine que o outro deixe o lar conjugal.

É evidente que o afastamento do cônjuge ou companheiro do lar, por ordem judicial, é medida extremamente drástica, que somente se justifica quando gravemente violado alguns dos deveres do casamento, o que significa dizer que não é qualquer desavença entre o casal que pode dar ensejo ao pedido de separação de corpos.

Ocorre, entretanto, que muitas vezes o casal, embora não chegue a se agredir fisicamente, vive em tal clima de discórdia, com ofensas verbais e morais tão intensas, que o “morar sob o mesmo teto” acaba virando verdadeira tortura, tortura essa que, por não deixar marcas, é difícil ser provada.

Em razão dessa dificuldade de provas, muitas vezes os juízes, negando a força destruidora das palavras, se recusam a conceder a ordem de afastamento compulsório de um dos cônjuges, quando o pedido se baseia no risco à integridade psíquica do outro cônjuge.

E é a propósito dessa força destruidora que gostaríamos de citar um texto de Paulo Coelho, cujo teor se amolda perfeitamente ao tema aqui abordado. Escreve o famoso escritor:

“O Poder da Palavra

De todas as poderosas armas de destruição

que o homem foi capaz de inventar,
a mais terrível – e a mais covarde – é a palavra.
Punhais e armas de fogo deixam
vestígios de sangue.
Bombas abalam edifícios e ruas.
Venenos terminam sendo detectados.
Mas a palavra destruidora consegue
despertar o Mal sem deixar pistas.
Crianças são condicionadas durante anos pelos pais,
artistas são impiedosamente criticados, mulheres são

sistematicamente massacradas por comentários de seus
maridos, fiéis são mantidos longe da religião
por aqueles que se julgam capazes
de interpretar a voz de Deus.
Procure ver se você está utilizando
esta arma. Procure ver se estão
utilizando esta arma em você.
E não permita nenhuma coisa,
nem outra.”

Texto extraído do livro
“Histórias para pais, filhos e netos”
de Paulo Coelho – grifamos

Ora, a separação cautelar de corpos deve estar, sempre, baseada em grave ofensa aos deveres conjugais e, dentre esses deveres, está o do respeito e o da consideração, que são violados quando um cônjuge passa sistematicamente a ofender o outro com palavras. E, se a palavra não deixa vestígios aparentes, é porque ela, como bem aponta o texto acima, é arma de destruição covarde, que machuca a alma, mas ninguém vê a ferida.

Quando as desavenças verbais são de tal ordem que evidenciam a total “falência da vida em comum”; quando as palavras ofensivas demonstram que o casal já não existe mais, que não há diálogo, não há consenso, não há respeito, não devemos esperar que “algo grave” aconteça. O que é grave? Uma bofetada? Uma facada? Mas, nesse caso, será que sobrará algo ainda a ser feito, a ser recuperado? Será que devemos “esperar para ver o que acontece”?

O fato é que os insultos reiterados, a virulência verbal, já são, em si, forma de violência. Não física, é verdade, mas tão doídas e destruidoras quanto, caracterizando a insuportabilidade da manutenção da vida em comum e justificando plenamente a concessão da liminar determinando o afastamento compulsório do lar conjugal.


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