Parcerias Público-Privadas, Saneamento e Política Nacional de Resíduos Sólidos

 

 

Por Bruno Andrioli Galvão

Com a edição de recentes textos normativos, o instituto já não tão novo da Parceria Público-Privada (PPP) retoma fôlego e desponta como possível saída para problemas urgentes. O Decreto nº. 7.217, de 21 de junho de 2010, que regulamenta o sistema de saneamento básico do país, e a Lei nº. 12.305, de 05 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, geram enormes demandas ao setor público de infraestrutura, que certamente não serão de todo absorvidas pelo Orçamento, nem por institutos tradicionais como o da concessão comum.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos apresenta a necessidade de reestruturação de toda a cadeia produtiva nacional, em razão dos conceitos de produção ecoeficiente, sustentabilidade, responsabilidade compartilhada entre todos os agentes do ciclo de produção e consumo, logística reversa e criação de planos específicos de gestão de resíduos por alguns setores produtivos, como agrossilvopastoril, desde que indicado pelo SISNAMA, SNVS e SUASA; comercial cuja natureza, composição e volume dos resíduos não possam ser considerados como equivalentes a resíduos domésticos; de construção civil; industrial; industrial e comercial de produtos perigosos; de mineração; de saneamento básico; de saúde; e de terminais aeroportuários, portuários, rodoviários e ferroviários.

Afora tais elementos que influenciarão todos os cidadãos, a Lei funda-se em dois deveres primordialmente do setor público: a destinação e a disponibilização final adequada dos resíduos, que segundo seu artigo 3º, inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético, no que se refere à destinação, e a distribuição ordenada de rejeitos em aterros, quanto à disposição final. Da simples análise destes deveres, denota-se que o Poder Público tem a imposição legal de implementar não só a coleta seletiva, como estações de triagem e de transferência dos resíduos, estruturas de tratamento e de aterros sanitários, além de centrais de valorização orgânica e energética. É dever dos Estados e dos Municípios (no que se refere a serviços de interesse local, como caso da coleta) a estruturação deste sistema, já que à União bastará a indicação de metas e a concessão de possíveis financiamentos e incentivos.

Tais exigências, é importante frisar, já eram objeto da Lei de Saneamento Básico, que categorizava como serviço público o manejo de resíduos mediante coleta, transbordo, transporte, triagem para fins de reuso ou reciclagem, tratamento (como, por exemplo, compostagem) e disponibilização final. A Lei nº 11.445 prevê em seu artigo 3º, desde 2007, a necessidade de implementação de extensa infraestrutura para a concretização dos serviços públicos de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem, manejo das águas pluviais urbanas e, inclusive, manejo de resíduos sólidos. Com a instituição recente do decreto regulamentador, tais demandas tomam corpo e exigem medidas concretas de atuação estatal, com a definição das etapas de cada serviço e da infraestrutura exigida.

Em um país em que apenas 43,2% da população tem o seu esgoto coletado e somente 34,6% dos dejetos recolhidos são tratados(1) , sendo que metade dos municípios brasileiros utiliza lixões a céu aberto para disposição final de seus resíduos(2) , denota-se que tais exigências transbordam a obrigação formal de cumprimento da lei, configurando-se mais como política pública de respeito à dignidade humana.

(1) Dados mais recentes informados pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), de 2008.

(2) Dados coletados da “Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2008″ do IBGE, disponibilizada aos 20 de agosto de 2010.

A infraestrutura necessária para a reserva de água bruta e tratada, captação, abastecimento e tratamento de água, assim como para a coleta, transporte e tratamento de esgoto pode ser implementada por modelos como o do Estado de São Paulo, e sua sociedade de economia mista, a SABESP, ou por meio de procedimentos de concessão comum, já que a fruição de tais serviços não só é elevada quanto certa, assim como a cobrança dos mesmos não enfrenta qualquer impeditivo técnico ou logístico.

Os serviços de coleta seletiva seguem mesmo caminho e podem ser prestados diretamente pelo Município ou por concessionárias municipais, a despeito de se necessitar de instrumentos de cobrança um pouco mais refinados, mas que em nada impede a prestação indireta deste serviço.

A grande questão que se apresenta é a concretização da infraestrutura apta a absorver tamanha demanda para tratamento dos resíduos sólidos e disposição final adequada. Tais estruturas demandam altos custos na sua construção e manutenção, sem que se possa, na maioria dos casos, ter a certeza da quantidade de resíduos que será destinada aos aterros sanitários, o que pode inviabilizar a auto-suficiência do serviço, tornando-o economicamente inviável.

Por tal razão, é de extrema importância promover o aproveitamento econômico dos resíduos, que possa gerar receitas acessórias para o parceiro privado. Outro elemento a ser considerado é o alto custo na implementação da estrutura requerida, o que pode levar os preços das tarifas a patamares impraticáveis. É neste contexto que as Parcerias Público-Privadas podem contribuir para a eficácia dos textos normativos aqui debatidos, inclusive por se tratar de instituto aplicável a obras e serviços que superem o valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais). Neste instituto de concessão diferenciada, o Poder Público firmará acordo com um parceiro privado para dividir os riscos do serviço, com o compromisso estatal de remuneração deste serviço, que também deverá ser complementada por receitas extraordinárias a serem aferidas pelo parceiro privado.

Assim, em uma PPP “patrocinada”, a Administração terá o ônus de remunerar parcela dos custos de prestação do serviço, enquanto outra parcela será remunerada diretamente pelos usuários, por meio de cobrança de taxa ou tarifa e por serviços específicos que podem ser ofertados a clientes com demandas especiais (como disposição de materiais perigosos, pilhas, pneus etc.). Viabiliza-se economicamente, assim, a prestação do serviço público, inclusive com a imposição de condicionantepara o pagamento da parcela pública de cumprimento das metas de qualidade a serem atingidas pelo parceiro privado, que também deverá manter o serviço constantemente atualizado.

Nada mais importante do que normas jurídicas bens estruturadas (o que não se pode infelizmente dizer da PNRS, da qual se espera completude no secretíssimo decreto regulamentador, trancafiado em poucas gavetas planálticas) para o desenvolvimento de políticas públicas. Entretanto, cabe à sociedade impor a devida efetivação destes instrumentos legais, inclusive com a pressão por modelos de atuação conjunta das esferas públicas e privadas. Ora, se desde 2007, com a publicação da Lei de Saneamento Básico já se exigia do Poder Público a estruturação de serviço de coleta, de triagem e de disposição final adequada, nada garante que 2010 seja iluminado por regras auto-aplicáveis, num interesse político nunca antes visto na história deste país.

A sociedade, os setores produtivos privados, tem a obrigação de impedir o nascimento de mais um emplastro Brás Cubas, tão miraculoso quanto inexistente. As PPP’s podem servir a este fim, como instrumento de participação do setor privado, em comunhão de esforços com os Estados e Municípios.

Bruno Andrioli Galvão é advogado associado ao Escritório Pinheiro Pedro Advogados. Atua na área de consultoria em direito administrativo, em especial no que se refere a setores regulados, concessões de serviços públicos, Parcerias Público Privadas (PPP), procedimentos licitatórios, bem como na assessoria empresarial na relação com o Poder Público.


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