PRESCRIÇÃO DE DANOS AMBIENTAIS

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Por Paulo de Bessa Antunes*

Introdução 

Este artigo tem por objetivo examinar o tema da prescrição dos danos ambientais no direito brasileiro. O STF, ao decidir o RE  654833, fixou, por maioria, o tema 999 de Repercussão Geral, com a seguinte tese: “É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”. A tese adotada pelo STF, como se demonstrará, não corresponde à melhor aplicação do direito.   A prescrição dos danos ambientais é tema controverso, pois há legislações omissas e outras que dela tratam diretamente, formando três (3) grupos distintos:  há (1) países que não possuem legislação sobre o assunto (Brasil e Argentina); países (2) que reconhecem a prescrição dos danos ambientais (Chile, México e Panamá) e (3) países que expressamente reconhecem a imprescritibilidade dos danos ambientais (Equador- Artigo 396, 4º da Constituição. Las acciones legales para perseguir y sancionar por daños ambientales serán imprescriptibles.).1 Na Europa2, a prescrição está disciplinada em nível regional e ao nível dos estados3.

A Prescrição como instrumento de segurança jurídica

A prescrição é uma das consequências do tempo sobre o direito, possuindo significação jurídica, tal como as manifestações de vontade e dos demais atos aquisitivos de direitos. O tempo é um elemento que se soma aos demais requisitos formadores de um direito. Para San Tiago Dantas (1979) a influência do tempo no direito, pela inércia do titular, serve a vários propósitos, com destaque para o estabelecimento da segurança das relações jurídicas. São poucas as hipóteses de imprescritibilidade de direitos ou mesmo de ações previstas na Constituição Federa (C.F.), com destaque para a imprescritibilidade dos direitos sobre terras indígenas (art. 231, § 4º), não havendo qualquer menção ao tema no artigo 225 da Carta Política.

O dano ambiental pode ser definido como alteração adversa das condições ambientais vigentes em determinado momento. Todavia, é necessário considerar que o dano ambiental pode ser dividido em dois grandes blocos, sendo o (1) primeiro constituído pelos danos aos recursos naturais em si mesmos, água, flora, fauna etc, ou danos ambientais próprios (ecológicos) e  o segundo (2) bloco constituído pelos  danos causados a outros bens jurídicos tutelados, tais como, à saúde humana e animal,  às propriedades, bens e atividade econômica, os

Há consenso que em relação aos danos ambientais impróprios não se discute a incidência da prescrição: “Em matéria de prescrição cumpre distinguir qual o bem jurídico tutelado: se eminentemente privado seguem-se os prazos normais das ações indenizatórias”4. A controvérsia limita-se à prescrição da reparação dos danos ecológicos, ou danos ambientais próprios.

Nos países nos quais não há previsão legal para a prescrição de danos ao meio ambiente, recorre-se ao Código Civil para solucionar a questão.  Na Argentina, e.g., o Código Civil e Comercial unificado5 estabelece as normas gerais de prescrição e decadência aplicáveis na ausência de disposições específicas, como é o caso da ação de reparação de danos ao meio ambiente, sendo o prazo de 5 (cinco) anos o genérico6. As ações indenizatórias de danos derivados de responsabilidade civil prescrevem em 3 (três) anos; já no prazo de 2 (dois) anos prescreve a ação de responsabilidade civil decorrente de danos de natureza extracontratual. No Chile, há a prescrição ambiental7, estabelecendo a lei 19.330 que o início da contagem do prazo prescricional se dá a partir da manifestação evidente do dano. O artigo, como se percebe, determina que é a ciência do dano que dá início a fluência do prazo, no caso dos danos continuados e evidentes, que se renova diariamente (CS, Rol 47890-2016, 2-03-2017).

No Brasil, a prescrição no regime geral do Código Civil se dá em 10 (dez) anos, salvo estipulação legal em contrário. No caso dos danos ambientais impróprios, o prazo prescricional aplicável é o constante do §3º, V artigo 206 do CCB.

Jurisprudência criativa

O Recurso Extraordinário 654833 se originou do Resp. 1120117/AC, de cuja ementa destaca-se: “O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em texto legal.” E mais: “O dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental.”  Como se pode perceber há (1) o reconhecimento expresso da inexistência de norma legal declarando a imprescritibilidade dos danos ambientais e (2) uma clara confusão entre dano ambiental e direitos indisponíveis, “como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade”.   A argumentação, do ponto de vista jurídico, é modesta.

A imprescritibilidade, no caso, não está amparada pelo direito à vida, como criativamente, a questão é tratada. A resposta jurídica para a questão é muito mais simples: O § 4º do artigo 231 da C.F. estabelece a imprescritibilidade dos direitos sobre as terras indígenas. Cuida-se, evidentemente, de um regime jurídico especial que não se confunde com o regime geral aplicável aos danos ambientais fora de terras indígenas. A argumentação da decisão, no entanto, parte para províncias distantes do caso concreto. Salvo engano, o § 4º do artigo 231 da CF não é citado uma única vez. Trata-se, efetivamente, de uma das poucas hipóteses de imprescritibilidade declaradas formalmente na C.F. Ora, sabe-se que exceções são interpretadas restritivamente.  O STF, por sua vez, reproduziu a equivocada interpretação – por maioria -, criando direito novo.

O reconhecimento da imprescritibilidade dos danos ambientais serve para aumentar a proteção ambiental? A resposta é, certamente, negativa. Há que se considerar que a vida humana, sob todos os aspectos se faz sobre a base da utilização dos recursos ambientais. A partir disto, o conceito de danos ao meio ambiente varia no tempo e no espaço. Caso sejam utilizados conceitos atuais e contemporâneos de danos ambientais ao passado, corre-se o risco de desestabilizar a vida em sociedade, sem qualquer benefício ambiental. Ao contrário, podem ser criados danos ambientais mais amplos.

A C.F, por exemplo, admite o conceito de meio ambiente cultural (art. 216, V) que, em não poucas oportunidades, é construído com “sacrifício” do meio ambiente natural, e, g., aterro do Flamengo (Rio de Janeiro) ou monumento ao Cristo Redentor (Rio de janeiro). Do ponto de vista estritamente ecológico, tais obras de arte humana causaram danos indiscutíveis.  A tese da imprescritibilidade, seguramente, coloca em risco a existência de tais bens culturais. Certamente, poder-se-ia alegar que não é cabível à argumentação, pois tais obras de arte já se incorporaram ao meio ambiente cultural, pelo decorre do tempo. Entretanto, nem tudo aquilo que foi feito no passado se transformou em obra de arte.

Há cidades inteiras que são construídas às margens de rios (Recife, v.g.), ocupando o que atualmente são áreas de preservação permanente.

Logo, há equívoco em se proclamar a imprescritibilidade de danos ambientais sem uma previsão legal expressa, não cabendo a extrapolação do § 4º do artigo 231 da CF para toda e qualquer situação relativa a danos ambientais, pois as exceções são interpretadas restritivamente.  Temos, portanto, que no direito brasileiro é de 10 anos o prazo prescricional para danos ambientais.

Referências

ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano Ambiental: uma abordagem conceitual. São Paulo: Atlas. 2ª edição. 2015

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. São Paulo. Atlas. 22ª edição. 2021

OST, François. O tempo do Direito (tradução de Élcio Fernandes). Bauru: EDUSC. 2005

SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino. Programa de Direito Civil – aulas proferidas na Faculdade Nacional de Direito (1942-1945). Parte Geral. Rio de Janeiro: Editora Rio. 4ª Tiragem. 1979.

1 Disponível aqui, acesso em 11/07/2021.
2 Artigo 10º –   Prazo de prescrição para a recuperação dos custos – A autoridade competente tem o direito de instaurar, contra o operador ou, se adequado, contra o terceiro que tenha causado  o dano ou a ameaça iminente de dano, uma ação de cobrança dos custos relativos às medidas tomadas por força da presente diretiva, dentro de um prazo de cinco anos a contar da data em que as medidas tenham sido completadas ou em que o operador ou o terceiro responsável tenha sido identificado, consoante a que for posterior. Disponível aqui, acesso em 11/07/2021.
3 Portugal. DL  147/2008.  Artigo 33.º Prescrição Consideram-se prescritos os danos causados por quaisquer emissões, acontecimentos ou incidentes que hajam decorrido há mais de 30 anos sobre a efetivação do mesmo. Disponível aquiacesso em 11/07/2021.
4 Superior Tribunal de Justiça.  REsp 1120117/AC, Rel. Ministra Eliana CALMON, 2ª  TURMA, julgado em 10/11/2009, DJe 19/11/2009.
5 ARTICULO 2532.- Ambito de aplicación. En ausencia de disposiciones específicas, las normas de este Capítulo son aplicables a la prescripción adquisitiva y liberatoria. Las legislaciones locales podrán regular esta última en cuanto al plazo de tributos. Disponível aqui, acesso em: 07/072021.
6 ARTICULO 2560.- Plazo genérico. El plazo de la prescripción es de cinco años, excepto que esté previsto uno diferente en la legislación local.
7 Artículo 63.- La acción ambiental y las acciones civiles emanadas del daño ambiental prescribirán en el plazo de cinco años, contado desde la manifestación evidente del daño. Disponível aqui, acesso em 11/07/2021.

*Paulo de Bessa Antunes possui mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutorado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1997). Foi Visiting Scholar da Lewis and Clark School of Law (Portland, Oregon), Membro da Deustch Brasilianisch Juristen Vereingung (DBJV), Presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental – UBAA. Procurador da República aposentado, tendo exercido por diversos anos a atividade de proteção ao meio ambiental. Professor Associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Coordenador do Programa de Pós-graduação em Direito e Políticas Públicas – PPGD~UNIRIO Professor de Direito Ambiental Autor de diversos livros

Fonte: Migalhas
Publicação Dazibao, 01/09/2021
Edição: Ana A. Alencar
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