Questões sobre o prazo de adequação estabelecido pela Lei de Biodiversidade

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Por Édis Milaré e Roberta Jardim de Morais*

No início de novembro vence o prazo estabelecido pelo marco regulatório da biodiversidade para que as empresas que acessam ou acessaram patrimônio genético e conhecimento tradicional associado e estejam em desconformidade com as exigências da Lei 13.123/2015 e do Decreto 8.722/2016 se regularizem, seja no que tange ao Cadastro no Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (Sisgen), seja no que concerne à repartição de benefícios, sob pena de estarem sujeitas à imposição de penalidades administrativas previstas nas normas aplicáveis.

Como se sabe, tanto no âmbito interno quanto externo, duas características relevantes despontam da biodiversidade: sua utilidade e o valor que lhe é atribuído. É de se registrar, portanto, que em ambos os cenários — nacional e internacional — se reconhece o caráter econômico das transações que a envolvem. Isso porque os países detentores da biodiversidade possuem o intuito de garantir a repartição justa e equitativa dos benefícios resultantes da exploração econômica de produtos e processos desenvolvidos a partir de amostras de seu patrimônio genético.

O Brasil, tanto no antigo quanto no novo marco legal, adotou o conceito expandido de patrimônio genético, que inclui não somente o DNA dos seres vivos como também as moléculas e substâncias provenientes do metabolismo (a exemplo: sangue, veneno etc.). Assim, o acesso realizado por empresas dos mais diversos setores que utilizam a biodiversidade nacional para pesquisa e desenvolvimento de produtos e processos estará sujeito à regulamentação pátria.

No âmbito nacional, a temática foi anteriormente abordada pela antiga MP 2.186-16/2001, que, em dissonância com a Convenção sobre a Biodiversidade, estabelecia que todo acesso ou remessa estivesse sujeito à autorização prévia do CGEN. Todavia, essa dinâmica foi significativamente alterada. O novo marco legal modernizou o sistema de controle do acesso ao patrimônio genético nativo do Brasil, estabelecendo um sistema de cadastros e notificações. Nesse sentido, foi criado o Sisgen, recentemente disponibilizado aos usuários, a partir de 6/11/2017, nos termos da Portaria Secex/CGEN 1/2017.

A nova lógica é o controle autodeclaratório, ou seja, permite-se o desenvolvimento das atividades de acesso, mediante simples cadastro; a manifestação por parte do poder público ocorrerá em momento posterior ao acesso. Para esse fim, foi criado o procedimento de verificação, conforme artigos 36 a 41 da já mencionada Lei 13.123/2015. Essa verificação encerra um procedimento administrativo que permite ao CGEN certificar-se da regularidade dos cadastros de acesso, cadastros de remessa e notificações de produto acabado ou material reprodutivo feitos pelos usuários no âmbito do Sisgen. Finalizadas as pesquisas e os desenvolvimentos tecnológicos, e gerados produtos finais, estes deverão ser objeto de notificação ao CGEN, no âmbito do Sisgen. Somente após essa notificação os usuários poderão comercializar os seus produtos gerados em decorrência de acesso ao patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado.

A criação do Sisgen em novembro passado também representou o marco temporal para o início da contagem do prazo de um ano, estabelecido pela Lei da Biodiversidade, para regularização das atividades de acesso e exploração econômica. Nesse passo, vale tecer algumas considerações sobre a aplicação da Lei da Biodiversidade no tempo.

Assim, caso o usuário tenha feito o acesso ou exploração econômica antes da existência de uma legislação sobre o tema no Brasil, ou seja, antes de 30/6/2000 (data da publicação da primeira versão da MP 2.186/2001, qual seja, a MP 2.052, de 29/6/2000), não terá́ obrigação de regularizar-se ou adequar-se à Lei 13.123/2015, haja vista o princípio geral de irretroatividade da norma.

Por outro lado, se o acesso ou a exploração econômica tiver ocorrido entre 30/6/2000 e a data de entrada em vigor da Lei 13.123/2015, qual seja, 17/11/2015, em cumprimento à antiga MP 2.186-16/2001, o usuário deverá adequar-se à nova lei, de acordo com o seu artigo 37, no prazo de um ano, contado da disponibilização do cadastro, ou seja, um ano contado da publicação da Portaria Secex/CGEN 1/2017, que se deu em 6/11/2017. Nessa hipótese, o usuário deverá cadastrar o acesso e notificar os produtos acabados no Sisgen. Caso a repartição de benefícios tenha sido corretamente paga na vigência da MP 2.186-16/2001, o usuário não precisará pagar nova repartição de benefícios para se adequar à nova lei.

Nesse passo, a legislação prevê que, se o acesso ou exploração econômica tiver sido realizado entre 30/6/2000 e 17/11/2015, em descumprimento à antiga MP 2.186-16/2001, o usuário deverá adaptar-se à nova lei, em conformidade com seus artigos 38 a 41, também no prazo de um ano contado a partir de 6/11/2017. Nessa hipótese, o usuário deverá assinar Termo de Compromisso com o Ministério do Meio Ambiente, obrigando-se a cadastrar os acessos e remessas, bem como a notificar os produtos acabados ou materiais reprodutivos. Ademais, o Termo de Compromisso exigirá que o usuário reparta benefícios, retroativamente, no limite de até cinco anos anteriores à assinatura do Termo de Compromisso. Em contrapartida, o usuário regularizado terá diversos benefícios previstos na lei, como suspensão ou extinção de penalidades, redução de até 90% para algumas multas anteriores e a possibilidade de regularizar os seus pedidos de patentes junto ao Inpi.

A última hipótese de aplicação do novo marco legal no tempo se refere às atividades realizadas entre 17/11/2015 até a data de disponibilização do Sisgen (ou seja, 6/11/2017). Essa hipótese está regulada no artigo 118 do Decreto 8.772/2016 e aplica-se ao usuário que requereu qualquer direito de propriedade intelectual, explorou economicamente produto acabado ou material reprodutivo, ou divulgou resultados, finais ou parciais, em meios científicos ou de comunicação, durante o período supramencionado. Nesse caso, o usuário terá o prazo de um ano, contado a partir de 6/11/2017, para concluir os seus cadastros e notificações; caso cumpra esse prazo, não estará sujeito a sanções administrativas.

Caso não se efetue a regularização as empresas estarão, a depender do caso concreto, sujeitas à imposição de sanções de advertência, multas que podem alcançar o montante de R$ 10 milhões, apreensões, suspensão temporária da fabricação e venda do produto acabado ou do material reprodutivo derivado de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado até a regularização, além de embargo, interdição e outros.

Ademais, os órgãos federais competentes estão legitimados a exercer a fiscalização, a interceptação e a apreensão de amostras que contêm o patrimônio genético acessado, de produtos ou de material reprodutivo oriundos de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado, quando o acesso ou a exploração econômica tiver sido feito em desacordo com as disposições da Lei de Biodiversidade e de seu decreto regulamentador.

Desse modo e em razão das complexas e numerosas informações a serem fornecidas para fins de cadastro no Sisgen, é deveras importante que as empresas que ainda não se cadastraram iniciem o quanto antes o procedimento com vistas a usufruir das possibilidades de regularização dispostas na Lei 13.123/2015 e evitar o risco de imposição de penalidades administrativas e de outras naturezas por parte dos órgãos de controle.

 

*Édis Milaré é advogado, professor de Direito Ambiental, procurador de Justiça aposentado, ex-coordenador das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente, ex-secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, além de doutor e mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP. Foi um dos redatores da Lei da Ação Civil Pública.

*Roberta Jardim de Morais é pós-doutora em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, doutora em Ciências Jurídico-Econômicas pela mesma instituição e mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

 

Fonte: Conjur 

 


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