RESÍDUOS HOSPITALARES

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Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro

Resíduos hospitalares (ou de serviços de saúde) são um problema mundial.

Países têm se desdobrado para resolver um problema que necessita não apenas de tecnologia mas, sobretudo, vontade política e aporte financeiro.

A questão é que, no Brasil, a saúde é bem jurídico de relevância constitucional, que demanda para sua tutela volume progressivo de dinheiro, para múltiplas prioridades. Nem sempre o lixo hospitalar se encaixa dentre elas.

A legislação brasileira, no setor, não conta meio século e, embora muito já tenha sido feito, é necessário permitir que a atividade privada avance para o setor de gestão dos resíduos, com a mesma voracidade com que tem avançado para o setor de atendimento.

Talvez, assim, haja algum benefício para o cidadão.

Enquadramento legal

Do ponto de vista histórico, a legislação que trata do gerenciamento dos chamados RSS – Resíduos de Serviço de Saúde, a nível federal, é muito recente, comparada outras normas sanitárias em vigor no Brasil. Ela estava circunscrita, no final do século passado, à Portaria MINTER n. 053 de 01 de março de 1979, editada após estruturada a regulação de segurança do trabalho, no ano de 1977.

Após a edição da Lei de Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/1981) e entrada em vigor no novo regime constitucional, com a Carta de 1988, foi então editada a RESOLUÇÃO CONAMA n. 5, de agosto de 1993, havendo, a partir de então, alguma legislação disciplinando a questão vigente em poucos municípios brasileiros.

Na primeira década do século XXI, a legislação ganhou novo contorno – evoluindo tecnologicamente – por força da Lei de Crimes Ambientais e Sanções Administrativas – Lei 9.605/1998 e instituição de ambiente de regulação para o setor de Serviços de Saúde (ANS e ANVISA) – novos standards técnicos editados pela ABNT (NBRs 7500/2003 e 9191/2000) e adoção de novos padrões internacionais de gerenciamento, visando o controle de contaminações.

Foram, então, editadas as Resoluções da Diretoria Colegiada -RDC da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA nº 305/2002 e nº 306 de 7 de dezembro de 2004 e a Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA nº 358, publicada em 29 de abril de 2005. Essas normas dispõem sobre o adequado gerenciamento dos RSS e sobre a obrigação de todos os geradores desenvolverem o Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde – PGRSS.

Esses planos e o regramento de segurança na destinação dos resíduos de saúde, foram açambarcados pela Lei de Política Nacional de Saneamento Básico – Lei 11.445/2007 – que não dispunha especificamente da matéria, mas abrangia a questão na sua esfera e recepcionados pela Política Nacional de Resíduos Sólidos – Lei 12.305/2010 – a qual, por isso mesmo, não revogou a regulação antecedente.

No âmbito constitucional, os dispositivos continuaram fundeados no regramento do artigo 23, II e VI, artigo 24, VI, VIII e XII e artigo 225, § 1º, IV e § 3º, todos da Constituição Federal e, no âmbito da fiscalização e licenciamento, pela Lei Complementar 140/2011.

A regulação, em suma, obriga os estabelecimentos hospitalares a manejar, segregar, acondicionar e dar destinação final adequada aos RSS, tudo de acordo com diretrizes postas pelos órgãos ambientais e de saúde pública competentes.

Ela também estabelece classificação dos resíduos, de acordo com sua periculosidade e potencial de contaminação – estabelecendo critérios de destinação específicos para cara grupo.

Análise crítica

Em que pese a existência de legislação a respeito, e mesmo de normas legais de sanção administrativa e criminal em vigor (Lei Federal 9.605/98), o fato é que os resíduos hospitalares continuam constituindo motivo para inquietação pública, dado à dificuldade física e operacional encontrada pelas autoridades locais em dar-lhes correta destinação, remanescendo riscos de grave contaminação para a saúde pública.

Tais dificuldades têm origem, primeiro, na excessiva centralização do problema nas mãos do Poder Público, quando, na verdade, os grandes geradores particulares (e mesmo os públicos) poderiam, sob monitoramento da administração ambiental, constituir e operar sistemas próprios de descontaminação e destinação dos seus resíduos e, segundo, porque não há interesse político dos administradores locais em equacionar o problema, por óbvia hipossuficiência técnica e econômica.

Outra questão está relacionada à contradição entre as disposições da ANVISA e do CONAMA quanto à destinação de materiais classificados.

De fato, com exceção de tecidos e materiais com suspeita ou certeza de contaminação com príons, a possibilidade de se dar destinação “adequada” a outros materiais utilizados e descartados no sistema de saúde – difere entre as resoluções, dando ensejo a longas discussões que se arrastam até hoje, em fóruns, seminários e workshops

Sugestão

Posto isso, observamos que a solução para o problema está centrada muito mais no esforço de implementação das normas disponíveis (talvez com pequenos ajustes regulamentares) e sua sustentação econômica, que na proposição de novos e extensos diplomas legais.

Assim, deveria o executivo federal preocupar-se em instrumentalizar uma campanha de descentralização do gerenciamento ambiental hospitalar, incitando os estabelecimentos hospitalares e laboratórios clínicos de grande porte a dispor de sistema próprio, necessariamente não poluente (autoclavagem, raios ionizantes e similares), para a descontaminação e redução do volume dos resíduos gerados, propiciando regular deposição em aterro controlado, ou manutenção de contratos com destinadores encarregados da inertização do material – tudo conforme o respectivo plano de gerenciamento de resíduos.

Isso pouparia o contribuinte do risco de sustentar os custos ambientais de atividades hoje tidas como rentáveis, reservando-se o esforço público de coleta especial e tratamento, se existente, para os pequenos e médios geradores (farmácias, pequenas clínicas, postos de saúde, hospitais-dia, etc.).

Poderia também o governo federal propiciar instrumentos de financiamento, alguns disponíveis a nível internacional, para a instalação desses serviços nas grandes unidades ou nos municípios, onde seriam operados em regime de consórcio, sob monitoramento ou acompanhamento dos órgãos ambientais e de saúde competentes.

A sugestão encontra eco na moderna tendência de se desonerar ao máximo a Administração Pública, transferindo o ônus do gerenciamento aos grandes e médios geradores privados, tudo em obediência ao princípio geral do poluidor-pagador.

A eficiência do sistema poderia ser incrementada com a manutenção de programas de automonitoramento e fiscalização, nos quais os dados seriam coletados junto às unidades geradoras e remetidos periodicamente às agencias ambientais, produzindo profícuo banco de dados.

Por outro lado, as unidades hospitalares e laboratoriais de médio e grande porte desenvolveriam processos e sistemas que as deixariam a salvo de sanções administrativas, penais e civis, de ordem ambiental, ou mesmo de responsabilização por acidentes de contaminação devido à disposição irregular dos resíduos.

A proposta acima encontra eco na sugestão de nova regulamentação, proposta pela ANVISA relacionada à classificação dos resíduos pelo efetivo risco e pela maior amplitude de opções de destinação – atendendo à nova realidade tecnológica hoje existente, de forma a que :

a) Os resíduos de serviços de saúde que não apresentam risco biológico, químico ou radiológico, possam ser encaminhados para reciclagem, recuperação, compostagem ou logística reversa;
b) Os resíduos no estado líquido possam ser lançados na rede coletora de esgoto, atendendo às determinações dos órgãos de meio ambiente e do serviço de saneamento;
c) Os rejeitos que não apresentam risco biológico, químico ou radiológico devam ser encaminhados para disposição final ambientalmente adequada;
d) Os rejeitos sólidos que apresentarem risco químico devam ser encaminhados para a disposição final ambientalmente adequada;
e) Sempre que não houver indicação específica, o tratamento do resíduo possa ser realizado dentro ou fora da unidade geradora – de acordo com o plano de gerenciamento aprovado e, os resíduos tratados possam ser considerados como rejeitos (dispensando qualquer outro tratamento para disposição final em aterro);
f) Se estabeleça uma hierarquia no tratamento dos resíduos que apresentem múltiplos riscos, de forma a que se evite ao máximo o uso de incineradores – extremamente poluentes, para o material contaminado organicamente.

Ou seja, há perfeita condição de se desonerar o contribuinte, sem perder de vista a necessária integração da atividade privada com as normas de gerenciamento de resíduos sólidos e planos das autoridades locais – municipais.

Conclusão

Face ao exposto, concluímos que a correta destinação do lixo hospitalar deve integrar qualquer programa de qualidade gerencial do setor, não podendo limitar-se à segregação e ao descarte rotineiro, nominal, sem um efetivo comprometimento da unidade geradora com o processamento e destinação final dos resíduos.

Devem os geradores hospitalares de grande porte assumir a responsabilidade pela destinação final dos seus resíduos, cumprindo ao Poder Público propiciar mecanismos financeiros e fiscais adequados para a implementação descentralizada desses sistemas de tratamento, desonerando o contribuinte.

Dessa forma, os esforços oficiais permaneceriam concentrados na administração do enorme volume de geração difusa de resíduos de serviços de saúde, produzidos pelas pequenas e médias unidades de farmácia, clínicas e postos situados nos centros urbanos.

Teríamos, com isso, um sistema hospitalar mais saudável e efetivamente administrado com qualidade.

 

 

afpp2Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal, do Mural Eletrônico DAZIBAO e responsável pelo blog The Eagle View.

 

 

 


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