UM ACORDO LENIENTE COM LUGAR RESERVADO NA HISTÓRIA

O acordo de leniência do grupo J&F merece ser descartado na latrina da história… Sem esquecer de dar descarga…

vaso-sanitário
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Só mesmo na “República de Joesley Safadão”…

O acordo de delação premiada dos irmãos Wesley e Joesley, famosa dupla goiana de açougueiros, que não toca moda de viola mas distribui propina, foi de corar cafetina em casa de tolerância na zona do meretrício de Anápolis.

O lixo de acordo foi uma lição de descrédito ministrada pelos responsáveis, a quem ainda acreditava no direito e nas instituições nacionais.

Os protagonistas do acordo-ostentação com os “esleys” deram uma patética mostra de como se premia a canalhice no Brasil. Permitindo lances de escracho total, como a especulação com o câmbio do dolar cronometrada com o escândalo provocado pelos próprios beneficiários.
Lixo que gera lixo

Como já havia escrito, a finalidade, pelo visto, não era cumprir a lei e, sim, turbinar uma conspiração contra a República, visando derrubar o Presidente e provocar novas eleições. A crise foi turbinada pelo empastelamento de fake news com true news destacadas das delações, executado pelos próprios operadores do embrulho jurídico, uma rede de televisão prestes a cair no descrédito total, mídias petistas e milhares de militontos previamente mobilizados.

Porém, enquanto o país se esforçava para sair da crise inventada, os canalhas continuaram trabalhando contra.

A Procuradoria-Geral da República e os negociadores da holding J&F, controladora da empresa JBS, acordaram que o grupo econômico da dupla goiana de distribuidores de malas de alpiste, ao fim e ao cabo, pagará o valor de R$ 10,3 bilhões, como multa vinculada ao acordo de leniência.
Diferenciando os lixos produzidos

O acordo de delação premiada (e a multa irrisória ali estipulada), diz respeito ao esquema que livrou a cara dos irmãos, seu diretor e familiares, como pessoas naturais, envolvidas em organização criminosa para a prática de vários delitos.

Ou seja, graças ao interesse profundo dos agentes implementadores (Justiça e Ministério Público), em demolir os esquemas montados no âmbito da política, os chefes empresariais do esquema corruptor, responsáveis por distribuir propina a quase dois mil agentes públicos e lavar o dinheiro, terminaram equiparados a delatores subalternos e livraram-se soltos “pagando uma merreca” (como se diz em Goiás).

No caso do Acordo de Leniência, os esquema parece ter sido operado para livrar a cara do grupo econômico da dupla goiana, a pessoa jurídica.

A assinatura da leniência permitirá aos safados continuarem à testa de um conglomerado construído com o dinheiro expropriado do suor do povo brasileiro, e que irá gerar lucro nos Estados Unidos, Europa e Oceania, onde passou a sediar a maior parte de suas operações. Sequer desmembrou o cartel ou mutilou o grupo no Brasil – algo recomendável como profilaxia em qualquer acordo de leniência dessa natureza e gravidade.

Portanto, o acordo de leniência foi a banana final dos “esleys” dada ao Brasil, com o apoio integral de quem deveria, por dever de ofício, zelar pelo cumprimento das leis, tutelar a moralidade pública e implementar a Constituição.
Mas o que é o acordo de leniência?

O acordo de leniência, vem sendo aperfeiçoado no Brasil desde os anos 90, com a edição da Lei 8.884/1994, que tutela a intervenção no Domínio Econômico e a manutenção da livre concorrência, modificada pela Lei 10.149/2000.

No entanto, sua consecução era complexa, pois tinha um óbice institucional complicado, só resolvido com a edição da Lei 12.846/2013. De fato, era complexo executar um acordo de leniência administrativamente, quando a maioria das infrações econômicas tipificavam crimes – portanto, submetidos a procedimentos judicialiformes (inquéritos) e ações criminais.

Com a edição da lei anticorrupção, em 2013, o mecanismo foi instituído de maneira uniforme, envolvendo órgãos administrativos de controle geral e da economia e Ministério Público, permitindo surtir efeitos extra-nacionais.

Compete assinar o acordo de leniência a empresa responsável pela prática dos atos lesivos à Administração Pùblica, que colabore efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:

I – a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e
II – a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração .

É aí que mora o busílis – Identificar em uma lista os beneficiários da propinolândia montada pelo próprio grupo econômico, embora seja esclarecedor, não exime o grupo de identificar os demais envolvidos na infração – ou seja, os sócios do esquema…
E os “sócios”?

Como se pôde verificar, até onde se sabe, tanto na delação ostentação, como na leniência leniente, os “esleys” safadões e seu grupo econômico deram os próprios nomes como “compradores” das ações que cabiam às misteriosas offshores que dividiam o domínio do grupo – e que seriam as grandes lavanderias de dinheiro “dos demais envolvidos na infração”.

Dessa forma, em mais um escracho de fazer corar ditador corrupto africano, a dupla de duplamente beneficiados, safou-se da justa e devida sanção criminal e econômica no Brasil e, também, safou os sócios sobre os quais o peso da lei deveria recair…

A pressa imposta ao caso dos “esleys”, pelos próceres do Ministério Público, Ministério da Justiça e judiciário, além de por o País de cabeça para baixo, resultou no caso mais rumoroso de “perda de pistas” já produzido no episódio histórico da maior corrupção sistêmica ocorrida na história mundial.
Saiu na urina…

Pressupondo que o mundo é composto em sua totalidade de idiotas, os responsáveis pela leniência para com os criminosos de alto coturno chacoalharam o lixo contratual na mídia, alegando terem obtido o maior acordo do gênero em todo o mundo.

No entanto, o montante a ser pago, em lenientes 25 anos… corresponde a 5% do faturamento anual de 2016 do grupo J&F, corruptor, autodelatado e, agora, beneficiado.

Considerando a correção, a projeção é que o total a ser pago pela J&F, o chamado valor futuro, alcance cerca de R$ 20 bilhões. Ou seja, “cócegas” nos porquinhos da Swift.

O acordo de leniência feito com a J&F, da dupla goiana que não toca moda de viola (só propina), saiu, portanto, “na urina”: 10 Bilhões, a serem pagos em 25 anos. Nem hipoteca do Banco do Brasil daria tamanha vantagem.

Trata-se de um escândalo aos olhos da lei.

De fato reza o artigo 16 da Lei 12.846 que “a celebração do acordo de leniência reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável”.

Assim, levando-se em conta toda a gravidade da situação, a multa a ser aplicada, de acordo com o artigo 6º da mesma lei, seria “entre 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação”.

Portanto, a própria lei não autorizaria, em função dos prejuízos evidentes, que não estivesse a multa estipulada pelo máximo – 20% do faturamento bruto. Nesse caso, ainda que reduzida em um terço, ficaria acima da porcentagem de 5% divulgada.

O pior é que as partes não asseveraram se o tal faturamento usado como parâmetro foi bruto ou líquido.

Com efeito, a imposição legal de que a multa jamais deverá ser inferior à vantagem auferida, deveria, no mínimo, impedir o absurdo parcelamento tipo “casas bahia”, acertado com o grupo infrator. É verdadeiro desrespeito a qualquer cidadão que busque parcelar seu débito com o fisco legalmente.

Nesse sentido, o acordo beira a imoralidade administrativa.

Da mesma forma, “o acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado”, como reza a lei.

No entanto, o titular do pedido de reparação de danos por meio da ação civil pública, o MPF, pode ter aberto mão justamente disso, ao assinar o acordo. E… se isso ocorreu, estaremos diante de fato extremamente grave e passível de apuração em outras esferas de responsabilização das autoridades envolvidas.
Leniência por baciada para a barnabezada

A liquidação leniente, por outro lado, abrangeu as operações Greenfield, Sépsis e Cui Bono, além da Bullish e da Carne Fraca – ou seja, leniência de baciada – sem que se saiba quem, quando e como serão cobrados todos os danos causados pelo grupo à economia e à administração do país ( fatos não abrangidos pelo acordo, conforme a lei).

Estrume suficiente? Só que não…

A grana obtida, quando chegar aos cofres públicos, será destinada a encher as burras dos fundos de pensão de várias estatais.

Do total a ser pago, R$ 8 bilhões serão destinados à Fundação dos Economiários Federais (Funcef) (25%), à Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros) (25%), ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) (25%), à União (12,5%), ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) (6,25 %) e à Caixa Econômica Federal (6,25%).

“O restante da multa, R$ 2,3 bilhões, será pago por meio de projetos sociais, especialmente nas áreas de educação, saúde e prevenção da corrupção. O prazo de pagamento foi fixado em 25 anos, sendo que, neste período, os valores serão corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo [IPCA]”, diz nota do MPF.

Ou seja, tudo para os burocratas e suas instituições falidas.

Para o cidadão contribuinte, vilipendiado pela lambança do grupo econômico e seus passarinhos comedores de alpiste, as migalhas. Sequer se tratou de indicar algum programa que favorecesse a cidadania.

Vergonha alheia…

O “maior acordo de leniência do mundo”, no “maior caso de corrupção do planeta”, virou um “traque de dez”.

Merece a latrina da história jurídica, com direito a descarga.
afpp-55 (3) - CopiaAntonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal e Infraestrutura da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Vice-Presidente da Associação Paulista de imprensa – API, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.

 

 

 


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