USUCAPIÃO CONJUGAL OU FAMILIAR

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Por Patricia Leal Ferraz Bove*

Você sabia que, quando um dos cônjuges “abandona o lar conjugal” e o outro cônjuge permanece no imóvel urbano do casal que seja de até 250 m2, por dois anos ininterruptos e sem oposição, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, poderá adquirir o seu domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural?

Embora não seja muito comentada, é a usucapião especial urbana por “abandono de lar”, prevista, desde 2011, no artigo 1240- A, do Código Civil, bastando a separação fática do casal, independentemente de divórcio ou dissolução de união estável, compreendendo todas as formas de família ou entidades familiares, inclusive homoafetivas (cf. Enunciado nº 500, do Conselho da Justiça Federal).

Em suma, os requisitos para utilização desta modalidade de usucapião são:

Tempo: 2 anos;

Continuidade: ininterrupta e sem oposição;

Modalidade de posse: direta, com exclusividade e para sua moradia ou de sua família;

Área limite: imóvel urbano – terreno ou apartamento – de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados);

Condição dos cônjuges ou companheiros: separado de fato;

Condição do cotitular que perderá sua meação: ter saído do lar, não contribuir com a manutenção do bem, tampouco buscar exercer direito sobre o mesmo no prazo de 2 anos a contar da separação de fato;

Condição do cotitular que pretende usucapir o bem: possuir copropriedade (existência de meação), não possuir outro bem imóvel, não ter requerido o mesmo direito anteriormente.

Segundo a doutrina, a usucapião conjugal visa proteger a família e, por isso, transfere o direito de propriedade àquele que permaneceu no imóvel e cumpriu o fim social da propriedade, extinguindo o condomínio antes existente.

No entanto, além dos pressupostos acima elencados, o “abandono do lar” para a aquisição da propriedade nessa modalidade de usucapião deve ser interpretado com cautela. Nessa linha, o Enunciado nº 499, do Conselho da Justiça Federal prevê que: “A aquisição da propriedade na modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil só pode ocorrer em virtude de implemento de seus pressupostos anteriormente ao divórcio. O requisito “abandono do lar” deve ser interpretado de maneira cautelosa, mediante a verificação de que o afastamento do lar conjugal representa descumprimento simultâneo de outros deveres conjugais, tais como assistência material e sustento do lar, onerando desigualmente aquele que se manteve na residência familiar e que se responsabiliza unilateralmente pelas despesas oriundas da manutenção da família e do próprio imóvel, o que justifica a perda da propriedade e a alteração do regime de bens quanto ao imóvel objeto de usucapião.”

Da mesma forma, é importante distinguir o ato de mera tolerância e liberalidade da abdicação do direito sobre o imóvel, como destaca a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo.1

Por fim, vale ressaltar que, para o cônjuge desnaturar a posse ininterrupta e sem oposição, deverá buscar medidas efetivas para assegurar seu direito, por meio da ação judicial cabível.

Notas

 

1 USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA FAMILIAR – Improcedência – Saída do cônjuge que ocorreu pelo rompimento do vínculo conjugal – RÉU QUE TINHA CIÊNCIA DA PERMANÊNCIA DA AUTORA NO IMÓVEL. Ato de mera tolerância e liberalidade, que não configura abdicação do seu direito e nem abandono do lar Réu que não abandonou o filho nem desconsiderou suas obrigações alimentares – Fotografias, depoimentos de testemunhas e comprovantes de pagamentos revelam que O RÉU MANTEVE O VÍNCULO AFETIVO E PAGOU PENSÃO Imóvel objeto da lide que, ademais, figura como bem comum a ser partilhado em acordo judicial – Sentença mantida RECURSO IMPROVIDO (TJSP; Apelação Cível 1001014-65.2018.8.26.0650; Relator (a): Salles Rossi; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de Valinhos – 3ª Vara; Data do Julgamento: 27/11/2020; Data de Registro: 27/11/2020)

 

Apelação – Ação de Reconhecimento e Dissolução de União Estável c/c Partilha de Bens Sentença de parcial procedência – Pretensão da Apelante de reconhecimento da usucapião familiar do imóvel a ser partilhado – Impossibilidade – Requisitos trazidos pelo art. 1.240-A, do CC Inexistência de comprovação de abandono do lar pelo outro cônjuge e posse sem oposição pela Apelante Ônus atribuído à Apelante do qual não se desincumbiu Sentença mantida Recurso improvido. (TJSP; Apelação Cível 1010472-26.2018.8.26.0127; Relator (a): Luiz Antonio Costa; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro de Carapicuíba – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/06/2020; Data de Registro: 15/06/2020)

 

EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO. ALEGAÇÃO DE USUCAPIÃO EM DEFESA. Prazo para a usucapião familiar do art. 1.240-A do CC apenas pode ser computado com a entrada em vigor da Lei nº 12.424/2011, em 16/06/2011, conforme Enunciado nº 498 da V Jornada de Direito Civil do CNJ. Propositura de ação de divórcio com partilha do imóvel em 2011 que afasta o suposto abandono, que sequer foi comprovado. Uso exclusivo do imóvel pelo réu sem posse com animus domini porque decorrente de ato de mera tolerância do outro cônjuge. Usucapião não verificada. Direito da cotitular à extinção do condomínio, venda judicial e arbitramento de aluguéis. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJSP; Apelação Cível 1019868-73. 2016.8.26.0005; Relator (a): Mary Grün; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional V – São Miguel Paulista – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/01/2020; Data de Registro: 28/01/2020)

 

patricia bove*Patrícia Leal Ferraz Bove é advogada formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito do Consumidor, Gestão do Negócio Turístico e Responsabilidade Civil, pela GVlaw, da Fundação Getúlio Vargas. Pós-Graduada em Direito Civil e Processo Civil, e em Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito – EPD. Possui formação como mediadora pelo IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo Foi professora convidada da ABL – Escola Técnica de Turismo, professora de Direito no curso de Turismo da Unibero e de cursos na ABAV-SP – Associação Brasileira das Agências de Viagens de São Paulo. Atua na área do contencioso cível, consumidor, contratos e família e sucessões. Faz parte da equipe do escritório Pinheiro Pedro Advogados –  patricia@pinheiropedro.com.br

 

 

Fonte: Pinheiro Pedro Advogados
Publicação Dazibao, 08/03/2021
Edição: Ana A. Alencar

 

 


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