Visão legal do mecanismo de desenvolvimento limpo: sequestro de carbono

co2

 

O Efeito Estufa

A queima de combustíveis fósseis (carvão, óleo e gás), além de outras atividades diretas como o desmatamento, emitem grande quantidade de gases na atmosfera, em especial o dióxido de carbono (CO2). A cada ano, estas emissões adicionam à atmosfera 7 bilhões de toneladas de CO2, que nela podem permanecer por um período superior a cem anos.

A quantidade de CO2 liberada é maior que a absorvida pelas árvores e plantas em seu processo de fotossíntese. Esse acúmulo de CO2 na atmosfera bloqueia a saída da radiação de alta temperatura para o espaço, causando o chamado Efeito Estufa.

O fenômeno ocasiona:

- expansão da água dos oceanos, provocando aumento do nível do mar e eventual fusão de parte das massas de gelo nas regiões polares;

- aumento da turbulência da atmosfera ampliando a freqüência de eventos climáticos extremos, como furacões, chuvas intensas, etc.,

- migração das florestas e sua biodiversidade para zonas mais temperadas, provocando danos ecossistêmicos.

A propósito, na Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (RIO-92), foi assinada a importante Convenção de Mudanças Climáticas (CCC) (1), ratificada pelo Congresso Nacional em 28 de fevereiro de 1994, vigorando no Brasil a partir de 29 de maio do mesmo ano.

Trata-se de uma Convenção-Quadro, que se desenvolve a cada protocolo firmado em Conferência das Partes subscritoras.

Convenções são acordos concluídos entre Estados em forma escrita e regulados pelo Direito Internacional, sendo aplicáveis em todo o território dos países contratantes. Elas acarretam obrigações para os poderes estatais de cada um dos signatários e o descumprimento das obrigações nelas estipuladas acarreta a responsabilidade internacional do Estado faltante.

Para que a convenção entre em vigor e torne-se vinculativa, cada país signatário deve cumprir algumas formalidades, de acordo com o regime interno de cada um deles. De modo geral, deve existir a i) negociação, ii) assinatura; iii) ratificação; iv) promulgação; v) publicação.

No caso do Brasil, o Presidente da República tem o poder de celebrar convenções, ao passo que estas ficam sujeitas ao referendo do Congresso Nacional, consoante dispõe o art. 84, inciso VIII, da nossa Constituição Federal.

A Convenção do Clima, como já foi dito, é uma Convenção Quadro (2), uma vez que deve ser seguida de protocolos que detalharão as medidas adicionais internas que serão tomadas pelos diversos países signatários.

As nações desenvolvidas que assinaram a convenção, comprometeram-se a criar mecanismos para redução das emissões dos gases causadores do efeito estufa, bem como mecanismos alternativos de absorção de CO2, através de projetos de seqüestro de carbono.

Após a Convenção

No ano de 1995, firmou-se o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) (3), que decidiu a tomada de medidas preventivas face o grande risco potencial de mudança climática.

Os Estados Unidos, através da Resolução 151, de 1997, expressou sua preocupação com a questão, afirmando: “… that United States should manage its public domain national forest to maximize the reduction of carbon dioxide in the atmosphere among many other objectives and that the United States should serve as an example and as a world leader in actively managing its public domain national forests in a manner that substantially reduces the amount of carbon dioxide added to the atmosphere”.(**)

No mesmo ano de 1997, firmou-se o Protocolo de Kyoto em desdobramento da convenção, que adotou valores específicos de redução de emissões dos gases de efeito estufa –elencados no seu Anexo A- em 5% (cinco por cento) sobre os níveis de 1990, no período de compromisso de 2008 a 2012. Isso significa a redução de centenas de milhões de toneladas por ano, com custo estimado de aproximadamente 35 (trinta e cinco) bilhões de dólares anualmente.

Os métodos aceitos para efetivar a redução de emissões de gases de efeito estufa são, de maneira geral, baseados em processos para melhoria da eficiência na utilização e transmissão de energia, processos industriais e sistemas de transporte.

A grande inovação do Protocolo de Kyoto foi o conceito de comercialização internacional de créditos de seqüestro de gases causadores do efeito estufa. Assim, os países ou empresas que reduzirem abaixo de suas metas poderão “vender” este crédito para outro país ou empresa que não houver atingido o grau de redução almejado.

A Conferência das Partes – COP (órgão supremo, segundo o artigo 7 da Convenção do Clima), reúne-se anualmente, desde 1995, com o objetivo de obter consenso na implementação dos Protocolos da Convenção.

Em 1995 ocorreu a COP-1 na cidade de Berlim/Alemanha. Em 1996 deu-se a COP-2 em Genebra/Suíça. A COP-3 ocorreu em 1997 na cidade de Kyoto/Japão. Em 1998, ocorreu em Buenos Aires/Argentina a COP-4 e em 1999 a COP-5, na cidade de Bonn/Alemanha.

A última Conferência das Partes objetivou o consenso na criação de uma agenda de trabalho que estabeleça regras e critérios para a implantação do mecanismo financeiro relativo aos fins da Convenção, detalhado no Protocolo de Kyoto.

A proposta de consenso foi batizada como “RIO+10”, na expectativa do mecanismo entrar em vigor no ano de 2002. A proposta “RIO+10” depende do sucesso da COP-6, prevista para novembro de 2000 na cidade de Haia – Holanda, onde se buscará a ratificação do Protocolo de Kyoto pela maioria de 55 Países – Partes, englobando aquelas constantes do Anexo I, responsáveis por 55% das emissões totais de dióxido de carbono no globo.

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (CDM) (4) é uma ferramenta de flexibilidade autorizada no Protocolo de Kyoto. Ele foi criado a partir da idéia original da proposta brasileira de estabelecimento de um fundo de compensação criado para sustentar as ações de redução e seqüestro de carbono na atmosfera.

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo tem como objetivo assistir aos países em desenvolvimento na redução e seqüestro de CO2, prioritariamente para permitir que os países desenvolvidos cumpram seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões, assumidos na Convenção.

Dessa forma, a discussão sobre mudanças climáticas transfere-se do meio ambientalista para o âmbito das finanças e dos negócios. O CDM permitirá a certificação de projetos de redução de emissões e de seqüestro de carbono e sua comercialização e utilização nos países desenvolvidos.

Essa certificação possibilitará a transferência de tecnologia e de recursos de empresas dos países desenvolvidos interessadas na obtenção dos já renomados Certificados de Redução de Emissão (CER). (5)

Controvérsias a respeito do CDM

Para alguns países, incluindo-se os Estados Unidos, um elemento fundamental do Protocolo de Kyoto seria o “comércio de emissões” baseado na adoção de obrigações mandatórias de redução por todos os países. Este ponto de vista é ilustrado na Resolução 151 do Senado Norte-Americano, já referida.

Ou seja, o CDM deveria ser precedido da obrigação posta a todos os países de reduzirem suas emissões de poluentes atmosféricos.

Posto o conflito, sugeriu-se a adoção de obrigações voluntárias assumidas pelos países em desenvolvimento. A idéia, porém, foi rejeitada face à possibilidade dos bancos e agências financiadoras discriminarem os países que não firmassem os acordos. A criação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, portanto, remanesce, ainda, como única solução passível de consenso. (6)

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, consoante o Protocolo de Montreal, deve, no entanto, sujeitar-se à autoridade e orientação da Conferência das partes (COP) e à supervisão de um conselho executivo do CDM.

As reduções de emissão resultantes da atividade de cada projeto serão certificadas por entidades operacionais a serem designadas pela Conferência das Partes. No entanto, a definição dos responsáveis pela certificação de redução de emissões ainda permanece em aberto, contudo, as verificações serão, obrigatoriamente, independentes, segundo determina o próprio Protocolo de Kyoto.

Os métodos de medição de quantidade de carbono captado na atmosfera constituem matéria da mais alta relevância, pois aí reside toda a credibilidade dos projetos de seqüestro de carbono a serem certificados.

É certo que os métodos utilizarão modelos matemáticos a fim de relacionar dados coletados em campo e com valores a serem estimados.

Toda essa controvérsia será objeto de debate em novembro próximo, quando os representantes dos países signatários da Convenção deverão aprovar, na cidade de Haia – Holanda, as regras do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.

Existe forte conflito na quantificação total das emissões passíveis de serem negociadas. A quase totalidade das países desenvolvidos, incluindo-se aí o peso da União Européia, é favorável à redução das emissões por meio da adoção de tecnologias limpas no território de cada Estado nacional. Tal opinião não é compartilhada pelos Estados Unidos, que pleiteiam a negociação dos Créditos de Redução de Emissões relativos ao CDM sem restrições no mercado livre.

A polêmica decorre do fato do Protocolo de Kyoto não ter definido qual parte das obrigações de redução de emissão poderá ser atendida fora das fronteiras nacionais, através do uso de mecanismos de flexibilização. Uma porcentagem pequena encorajaria ações domésticas nos países desenvolvidos, reduzindo o fluxo financeiro aos países em desenvolvimento. Uma porcentagem grande desencorajaria ações domésticas e eventualmente tenderia a levar um aumento das emissões nos países desenvolvidos.

A não solução desses conflitos, significaria o risco de emissão de títulos que estimulariam a especulação financeira sem redução das fontes de emissão dos gases.

Acreditamos, porém, que todos chegarão a um consenso gerando toda uma economia baseada nos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo, o que permitirá uma melhora no equilíbrio ambiental – econômico mundial.

No Brasil, já existem projetos de lei que buscam sistematizar as regras nacionais para implementação do mecanismo de seqüestro de carbono e estabelecer regras de obtenção dos créditos de CDM.

Nosso país cumprirá papel relevante dado à sua extensão territorial e peculiar disponibilidade a sediar projetos de seqüestro de carbono os mais variados, abocanhando, desta forma, grande parte dos mais de 18 bilhões de dólares previstos na geração e comercialização dos CDMs surgidos no Protocolo de Kyoto.

 

(**)“… Que os Estados Unidos devem gerenciar suas florestas nacionais de domínio público para maximizar a redução de dióxido de carbono na atmosfera entre muitos outros objetivos e que os Estados Unidos devem servir como um exemplo e como um líder mundial na gestão ativa de suas florestas nacionais de domínio público em uma forma que reduz substancialmente a quantidade de dióxido de carbono adicionado à atmosfera ”.

 

Notas:
1 – Climate Change Convention – Voltar ao tópico
2 – FCCC – Framework Convention on Climate Change
3 – International Panel on Climate Change
4 – Clean Development Mechanism
5 – Certificate of Emission Reduction
6 – Fórum XXI – Energias Renováveis no Estado de São Paulo; Documento para discussão elaborado pelo Centro Nacional de Referência em Biomassa.

 

 afpp18*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe dos portais Ambiente Legal e  Dazibao e, responsável pelo blog The Eagle View.

 

 

 

Fonte: Pinheiro Pedro Advogados
Publicação Dazibao, 21/10/2020
Edição: Ana A. Alencar

 

 


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